Nova loja da Natura representa a primeira iniciativa realmente estruturada da gigante da venda direta de fincar raízes no varejo. Mas a colheita dos resultados ainda vai levar um bom tempo.
O processo de criação da primeira loja de varejo da Natura, inaugurada no mês de abril, no shopping Morumbi, na capital paulista, seguiu os preceitos habituais da gigante da venda direta. O processo levou um ano e meio entre o início do desenvolvimento até a abertura da loja para os consumidores. Para desenhá-la, a Natura convidou sete arquitetos para apresentarem seus projetos. Os dois finalistas participaram de um processo de co-criação – sim, essa é uma característica cada vez mais presente em tudo o que a Natura faz – bastante intenso. Cada um deles montou uma réplica do seu projeto de loja na sede da Natura, em Cajamar, na Grande São Paulo, e a empresa convidou consumidores, colaboradores, consultoras e outros parceiros para conhecerem a loja, darem os seus pitacos sobre os projetos e escolher o favorito. Cerca de 500 pessoas responderam a pesquisas quantitativas e qualitativas conduzidas pela Sense Envirosell, empresa especializada em estudos para o varejo. “A partir do momento que eles escolheram, chamamos o arquiteto vencedor e retrabalhamos o processo com os inputs que foram dados. Então foi uma construção de muita gente”, diz Andréa Eboli, a executiva responsável pelas operações de Varejo da Natura. O projeto escolhido foi criado pelo escritório de arquitetura Santa Irreverência, de Niterói (RJ), e a comunicação visual da loja ficou a cargo da agência de visual merchandising Vimer. O compromisso socioambiental da Natura também está na loja. Toda a madeira da loja é de demolição, proveniente de fachada de casas do Sul do país, a iluminação é em LED e as campanhas são apresentadas através de projeção mapeada nas paredes, reduzindo o uso de papel.
O desafio de estabelecer uma loja para a fabricante de Ekos foi muito maior do que qualquer outro projeto da empresa que, de alguma forma, se relaciona com o varejo. Sendo uma loja da Natura, era preciso que ela expressasse a proposta de valor de marca e o jeito Natura de ser dentro do ponto de venda. Só que ela não poderia ser uma loja conceito, como a que a Natura operou alguns anos atrás, na Rua Oscar Freire, em São Paulo. A loja conceito cumpre muito bem com o papel de construção de imagem e de funcionar como um ponto de contato capaz de prover para um grupo de consumidores uma experiência mais rica com os produtos da empresa. Esse é o tipo de loja só costuma fazer sentido em áreas mais nobres da cidade, de grande movimento, e que ajudem a projetar o valor da marca. Só que elas costumam não ser um prodígio de vendas e, principalmente por conta da localização, custam caro, muito caro para serem operadas. Ou seja, é tudo o que uma boa operação de varejo não pode ser.
Por isso, ao mesmo tempo em que precisava expressar a razão de ser da marca Natura, a loja precisaria fazer sentido do ponto de vista de uma operação de varejo. Quando foi dito acima que essa é a primeira loja de varejo da Natura, é porque até aqui, a empresa nunca tinha feito nenhum movimento realmente concreto em relação a esse canal. Tudo o que foi feito antes tinha muito mais o caráter promocional e de marketing. Não é o caso agora.
A nova loja marca o início de um novo negócio para a Natura. E é talvez a mais importante iniciativa de crescimento no Brasil a médio e longo prazo para a operação da companhia. Por aqui, a empresa vem sofrendo repetidas perdas de market share, queda nas vendas e na produtividade das consultoras. Embora a direção da companhia venha empreendendo grandes esforços para reavivar o canal de venda direta, as lojas podem representar uma alavanca fundamental nos resultados futuros da companhia ao permitir que a marca tenha um canal adequado para acessar a um grande universo de potenciais consumidores para a marca que não compram, por diferentes motivos, pela venda direta.
A empresa realmente tem grandes planos para o futuro da operação. Mas não será um processo rápido. E nem poderia ser. Em 2015, a Natura gerou R$ 7,9 bilhões em receita bruta apenas no Brasil. Não é uma loja, nem dez, nem mesmo 50 que vão fazer os números da Natura no Brasil mudarem de direção. “Venda direta continua sendo o core bussines da empresa. Esse projeto tem um valor de agregar valor para o consumidor da Natura, dar o acesso a quem não compra na Venda direta, ter um ponto para aquele consumidor em cima da hora. E, além disso, a possibilidade de experimentação. A loja inteira é meio gourmand e foi montada desse jeito, toda aberta, para que o consumidor experimente o nosso produto. Queremos uma experiência diferenciada para o nosso consumidor, de acesso diferenciado aos nossos produtos”, garante Andréa.
Para viver a beleza
A primeira loja da Natura tem 68 m² e opera com uma gerente e seis atendentes (o que deve manter a loja sempre com três atendentes, pelo menos). O layout é clean e bastante sofisticado, com a exposição dos produtos privilegiando mais o visual do que o aproveitamento de espaço (exceto por algumas linhas vendidas em cartuchos, como Chronos, os produtos não ficam “blocados” nas prateleiras). O uso de madeiras dá um toque “caseiro” e mais quente ao ambiente. Quem entra na loja é recebida por um grande balcão de maquiagem equipado com espelhos, onde as consumidoras podem encontrar os produtos da sofisticada marca Una, e de Aquarela. A categoria de maquiagem é uma das que Andréa acredita, devem performar muito bem no varejo, dado a dinâmica da categoria de compra por impulso e, também a possibilidade que a loja oferece de experimentação e de ter a linha completa, com todas as cores ali disponíveis. Na sequência, outra grande mesa oferece aos consumidores uma ampla gama de produtos Natura para experimentação. Facilitar o acesso e a experimentação dos produtos é um dos desafios mais destacados pelo presidente da Natura, Roberto Lima, desde que assumiu o comando da empresa, no final de 2014. Nas laterais, as principais linhas da Natura ficam expostas: Ekos, Tododia, Perfumaria Feminina e Masculina, Naturé, Mamãe & Bebê e Chronos, além de um nicho para presentes.
O mix da loja não é o mesmo encontrado no catálogo das consultoras. Ele compreende cerca de 40% do mix, com destaque para os produtos mais premium e conceituais. Para determinar o que viria para o ambiente físico a Natura analisou dois pilares. O primeiro foi o próprio plano de negócios do varejo, identificando quais as categorias mais suscetíveis ao canal. Nesse pilar, a Natura aprendeu muito com os quiosques montados no ano passado, em Campinas e São José dos Campos, ambas no interior de São Paulo. “Conseguimos trazer para cá os inputs e seguindo uma lógica do varejo.” O outro ponto de análise foi olhar para as marcas que na loja contribuíram para a construção de imagem e de valor. “Aí sim você vai ver as marcas mais premium e conceituais: Chronos, mamãe e bebê, a nossa perfumaria mais premium. Uma das propostas dessa loja é contar histórias. As pessoas conseguem ver história nessa loja. E tem um trabalho importante de curadoria dos produtos, da vendedora fazer a consultoria mesmo”, pontua a diretora de Varejo da Natura.
Devagar para poder ir rápido
Assim como a abertura de algumas lojas, localizadas muito provavelmente em alguns dos principais shoppings do Brasil, não serão suficientes para impactar efetivamente os números finais da Natura, isso também não deve gerar nenhum conflito com as consultoras. É provável até que elas gostem disso. Mas, embora não abra um número-alvo, ou potencial, de ponto de vendas para o futuro, é possível imaginar que o número seja bastante alto. E, quando a empresa chegar à marca das centenas de lojas, espalhadas por várias cidades do Brasil, fatalmente existirá uma sobreposição com as consultoras. Mas a Natura acredita que esse impacto não será tão relevante. A base para isso foram os estudos e análises sobre a performance dos quiosques da empresa em Campinas e São José. “A gente conseguiu mensurar se houve canibalização ou não, a reação das consultoras e a gente viu que foi muito positivo”, diz Andréa, que explica que os quiosques atraíram realmente um público diferente, que tem um mix de compras diferente do da venda direta. “O que mais vende na venda direta não é o que mais vendeu nesses quiosques. E isso serviu de bastante subsídio que a gente trouxe para cá”, emenda.
Se O Boticário, que opera no negócio de franquias e é o grande concorrente da Natura, viu na venda direta uma forma de turbinar o seu negócio, a Natura pensa em fazer o sentido inverso. A empresa diz que enxerga a franquia como uma oportunidade no futuro para o processo de expansão, mas não de imediato. “Nesse momento, a gente tem uma decisão de não abrir franquias, até porque queremos entender o negócio primeiro. Até por compromisso com os possíveis franqueados, com a rentabilidade do negócio. A gente prefere investir em lojas próprias, aprender como funciona o modelo de negócios para depois pensar em expandir”, diz a executiva.
Manter o espírito da Natura em lojas controladas por ela. Isso é uma coisa. Outra, muito mais complicada, será garantir o jeito Natura de ser da loja em uma operação com 500 franquias. Será que o modelo de loja desenhado pela Natura é escalonável? Para Andréa, sim. “Por isso que a gente está indo devagar, para poder ir rápido depois. Para entendermos como repassamos para um franqueado o cuidado com a curadoria da marca, para poder garantir a perpetuação do modelo.”
Ajuda da família
Nem sempre as pessoas lembram, mas a Natura controla uma operação internacional cujo canal de vendas são lojas de varejo, a australiana Aesop. Embora operem em outra faixa de mercado, como um posicionamento mais próximo da distribuição seletiva, o time da Natura pôde aprender bastante com os seus irmãos da Oceania, principalmente em relação à operação de varejo. “Aprendemos muito porque eles são diferenciados no atendimento, no relacionamento, no treinamento das vendedoras. Eles nos ajudaram a conceber esse modelo Natura de atendimento. A gente se inspirou bastante neles”, reconhece Andréa. Para compor a sua estrutura de varejo, ela montou um time híbrido com profissionais da própria Natura, mas também muitos vindo de varejo, para garantir as competências operacionais da qual o time da Natura não dispunha.
Ainda que muito embrionária essa nova fase, um novo universo de possibilidades se abre para a Natura. Num primeiro momento, os preços serão alinhados com os do catálogo, embora as promoções de preço não se apliquem à loja física. Mas, no futuro, as lojas Natura podem contar com uma oferta de produtos exclusivos, que não serão disponibilizados no catálogo. “Agora, estamos manejando o nosso portfólio e vendo a potencialidade de cada um dos canais. Mas, no futuro, eu não vejo nenhum impedimento para que isso aconteça”, finaliza.
Projeto vitrine
Um dos projetos da Natura para reavivar o seu canal de venda direta é o projeto Vitrine. Com ele, a Natura apoia os seus consultores que contam com espaço de exposição para os produtos da marca (alguns grandes consultores chegam a operar com lojas mesmo), com displays, mobiliários e projetos de visual merchandising. Embora tenha começado como uma iniciativa do time de varejo, hoje ele está alocado no núcleo da Natura responsável pelas consultoras. E apesar de ter começado separado, o projeto tende a ganhar a mesma linguagem e elementos utilizados nas lojas. “A gente quer gerar valor, gerar essa curadoria para eles”, explica Andréa Eboli.
Primeira experiência
Lançada com alarde em 2014, Natura Sou foi a marca escolhida para marcar a entrada da Natura em um novo e inédito canal de vendas: o varejo multimarcas. O projeto, que começou em caráter de testes em 30 lojas da Droga Raia, está se expandindo a passos largos. Atualmente os produtos já estão em mais de 700 unidades das bandeiras Raia e Drogasil e, até o final do ano, devem estar nas mais de 1.200 lojas das duas bandeiras. Para Andréa, existe uma aceitação muito boa do público de encontrar a Natura dentro da farmácia. E Sou foi uma marca bem escolhida. “Percebemos que, apesar de ter um ticket mais baixo (para os padrões da Natura), ela agrega valor para a farmácia (o preço dos produtos é superior ao das principais marcas vendidas no canal farma em suas respectivas categorias). E ela agrega também pela questão conceitual e representa um complemento de portfólio importante para eles. É um projeto que vai continuar porque vemos um bom fit entre a proposta de valor dessa marca para o varejo.”
As vendas na Raia Drogasil devem ajudar a impulsionar o crescimento de Sou neste ano, com um incremento de dois dígitos gerado pelo canal, de acordo com o presidente da Natura, Roberto Lima, durante a apresentação dos resultados do primeiro trimestre. A marca Sou tem vendas estimadas entre R$ 100 milhões e R$ 150 milhões.
Os planos de expansão da empresa para o canal, por enquanto, permanecem focados na parceria com a Raia Drogasil, que pode receber outras marcas que na visão da Natura, têm potencial para o canal farma.
Fonte: http://www.cosmeticanews.com.br/leitura.php?n=agora-e-para-valer&id=6568
Deixe um comentário