Christopher Freeman, 70 anos, comprou o negócio em 1994. Sob seu comando, a companhia carioca deixou de ser uma empresa tradicional, mas quebrada, e atingiu um faturamento de R$ 400 milhões
Quando comprou a Granado, em 1994, o britânico Christopher Freeman, 70 anos, tinha um objetivo claro: conferir vida nova à empresa fundada em 1870, que havia ficado famosa por seu tradicional polvilho antisséptico.
Ele assumiu o comando de uma empresa centenária que estava parada no tempo e a transformou em uma das maiores companhias de beleza e higiene pessoal do país, com um faturamento superior a R$ 400 milhões.
Para atingir seu objetivo, criou linhas de produtos, fez aquisições de peso, armou parcerias internacionais e recrutou um talento: sua filha Sissi Freeman, que teve papel determinante na modernização da marca.
No ano passado, ele vendeu 35% da empresa para a espanhola Puig, quinta maior fabricante de perfumes do mundo. Com os recursos, planeja a expansão internacional. Em novembro último, foi inaugurada em Paris a primeira loja europeia da Granado. A meta é abrir mais quatro unidades na Europa em 2018.
Quando o senhor veio pela primeira vez ao Brasil?
Em 1976, quando tinha 29 anos. Eu trabalhava fazendo auditorias para grandes grupos financeiros e fui transferido do Bank Boston de Paris para São Paulo. Fiquei quatro anos, até que me propuseram uma nova transferência, dessa vez para Boston, nos Estados Unidos.
Mas aí já era tarde demais. Eu tinha virado corintiano e arrumado uma namorada brasileira. Foi a Clicia Lutti, hoje minha esposa, quem me convenceu a me mudar definitivamente para o Brasil, onde passei a trabalhar como consultor independente.
Como a história da Granado se cruza com a sua?
Da forma mais inusitada possível. Em 1994, Carlos Granado, neto do fundador da empresa, José Antônio Coxito, me chamou para elaborar um plano de venda para a Granado, uma companhia com 124 anos de história e muita tradição, mas que estava parada no tempo. A empresa não estava quebrada, mas o faturamento já não era mais o mesmo.
O Carlos não tinha herdeiros nem um plano de sucessão. Ele decidiu que era hora de vender, mas todas as propostas que recebia eram para comprar parte da empresa ou apenas um produto — o polvilho antisséptico, seu carro-chefe. Foi aí que eu entrei: minha missão era achar um empresário que aceitasse comprar a empresa inteira. E, no final, essa pessoa acabou sendo eu.
O senhor foi contratado para vender e acabou comprando?
Exatamente. E no pior momento possível. O cenário era muito incerto, com descontrole da inflação, falta de investimentos, recessão.
Estávamos em 1994, e o Governo Itamar Franco estava começando a lançar as bases do Plano Real, mas ainda não havia nada definido. A instabilidade tornava a venda da Granado ainda mais difícil. Até que falei para o Carlos: “Você não quer vender pra mim?”.
O que o levou a fazer a oferta?
Eu enxerguei uma grande oportunidade. A Granado tinha produtos excelentes e uma marca poderosa, amada pelo público.
Era possível fazer muitas coisas ali. Decidi arriscar. Fiz um empréstimo bancário, pedi ajuda para alguns amigos e juntei US$ 8 milhões para comprar a empresa. Arrumei o comprador, como havia prometido ao Carlos Granado (risos). Ele me ajudou também: aceitou que o pagamento fosse parcelado.
Não foi uma loucura?
De certa forma foi, mas dei muita sorte. No dia seguinte à assinatura do contrato, o Plano Real entrou em vigor. Então a estabilidade ajudou. Mas não foi só isso. Logo que assumi a empresa, tomei uma série de medidas para retomar o crescimento. Naquela época, a Granado atuava em dois setores, indústria e varejo.
Tínhamos três drogarias, que comercializavam medicamentos e cosméticos de diversas marcas. Decidi que o melhor caminho era focar na produção. Então, vendi duas drogarias e fiquei apenas com a principal, no Centro do Rio.
Mantive os produtos tradicionais, que faziam sucesso desde o início da companhia, como o polvilho antisséptico [talco para os pés criado em 1903 e que é até hoje um dos campeões de venda do grupo, com mais de 1 milhão de unidades vendidas por mês].
Mas ao mesmo tempo passei a investir em novos itens. Lancei uma linha dedicada aos bebês e outra aos pets. A minha estratégia era usar o polvilho para abrir portas com os compradores, e depois introduzir as novidades da marca. Não queria dar as costas para a tradição, mas também não podia ficar preso ao passado. Era necessário mudar muita coisa e acho que esse foi o trabalho mais difícil.
Foi um trabalho de transição.
Sim. Eu tive de tirar de linha muitos produtos que estavam ultrapassados, como os xaropes e a água inglesa, e mudar a composição de outros, como os sabonetes fabricados a partir de ingredientes de base animal.
A Anvisa estava no início de suas atividades e as exigências para os medicamentos e fitoterápicos passaram a ser mais rigorosas. Quem mais sofreu nessa fase foram os meus filhos. Eu tinha de achar a fórmula certa para os novos produtos, e levava tudo para testar em casa. Um sabonete mais estranho que o outro.
Um ficava colorido demais, outro não fazia espuma, outro não tinha perfume nenhum. Minha filha Sissi [Sissi Freeman, que entrou na empresa em 2005 e hoje é diretora de marketing do grupo, além de sucessora e braço direito de Freeman] foi a principal cobaia e maior vítima.
Como surgiu a parceria com a empresa americana Sara Lee, em 1999?
Eles nos procuraram porque queriam um sócio local para ajudar na fabricação e distribuição dos sabonetes Phebo. Durante cinco anos, trabalhamos em um esquema de joint venture.
Até que, em 2004, a Sara Lee passou por uma reestruturação e decidiu sair do mercado de cuidados pessoais. Foi quando nos perguntaram se queríamos comprar a marca e a fábrica da Phebo. Era uma ótima oportunidade de ganhar escala. A empresa dobrou de tamanho, e agregamos uma marca que complementava perfeitamente o nosso portfólio.
A transação aumentou o nosso poder de negociação com clientes e fornecedores. Mas me colocou numa posição difícil, porque percebi que não conseguiria mais tocar tudo sozinho. A responsabilidade havia dobrado, e os custos também.
Foi nessa época que você convidou sua filha para entrar na empresa.
Sim. A Sissi tinha formação em economia e assumiu o papel de diretora de marketing. Ela teve um papel fundamental nesse período. Foi quem me convenceu a renovar toda a identidade visual da marca. Havia um problema grave de padronização. As linhas novas e antigas não conversavam entre si.
Os produtos tinham tipografias e logos diferentes — Granado Laboratórios, Casa Granado, Granado & Cia etc. Não ficava claro para o consumidor, por exemplo, que as linhas Bebê e Antisséptica eram da mesma empresa. Por recomendação da Sissi, chamamos o designer francês Jérôme Bérard, que havia trabalhado com grifes como a Dior e a Tiffany, para cuidar do aspecto visual.
Nessa reformulação, decidimos reforçar o caráter histórico da marca. Passamos a incluir a data da fundação da empresa e a palavra Pharmácias em todos os rótulos — alguns deles passaram a levar o selo de Pharmácia Oficial da Família Imperial Brasileira [concedido por D. Pedro II, em 1880].
Foi nessa época, também, que decidimos voltar a investir em pontos de venda, abrindo lojas em estilo vintage, que lembravam as antigas boticas do século 19. Para isso, usamos na decoração peças originais do acervo da família Granado.
Foi uma retomada do varejo?
O foco continuou sendo a produção. Tanto que hoje 75% do nosso faturamento vem das vendas para farmácias, supermercados e outros distribuidores em todo o país, e apenas 25% vem das lojas próprias. [Hoje, a companhia conta com 60 lojas: 15 no Rio, 16 em São Paulo, uma em Paris e as demais espalhadas em 15 estados brasileiros.]
Em 2017, a empresa teve um crescimento de 12%. Como explica a expansão, mesmo diante da crise econômica?
Não fomos tão afetados. É claro que, se não houvesse crise, nossos números seriam ainda maiores. Mas não sofremos como outras empresas. Há várias razões para isso. Nunca paramos de aprimorar nossos produtos, que têm uma ótima relação de custo e benefício. Eles não são os mais baratos do mercado, mas prezam pela qualidade.
O consumidor, mesmo em tempos de crise, percebe isso e continua comprando. Nos últimos anos, investimos muito em informática e na automatização de nossas fábricas [são duas unidades fabris, uma em Belém (PA) e outra em Japeri, na região metropolitana do Rio, ainda em fase de finalização]. O nosso serviço de logística é excelente.
E adotamos táticas de marketing certeiras. Para vender a nossa linha bebê, que é a que mais cresce hoje, fizemos um trabalho forte com os pediatras. Se o médico diz para a mãe usar Granado, ela vai usar.
Existe uma ligação muito forte entre a história da Granado e a história do Rio. Como o senhor vê a crise institucional pela qual a cidade atravessa?
Estamos enfrentando um grande desafio, que é o de vencer a corrupção.
Em que outro lugar no mundo você tem dois ex-governadores presos [Sérgio Cabral e Anthony Garotinho], com o atual também correndo o risco de ir para a cadeia? [Em novembro, o operador Edimar Moreira Dantas afirmou, em delação premiada, que a Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio teria pago R$ 4,8 milhões em propina ao atual governador do Rio, Luiz Fernando Pezão.]
Mas o Rio, desde sempre, pagou a conta dos erros cometidos no passado. A mudança da capital para Brasília e, mais recentemente, a fuga da indústria para outros estados afetaram muito a cidade.
Quando vim pela primeira vez ao Brasil, no fim da década de 1970, ainda era possível encontrar grandes multinacionais instaladas aqui. Agora não: você tem apenas os setores de gás e petróleo, ambos em crise. Enfim, essa limitação do Rio nunca foi um segredo pra mim. Por outro lado, a cidade segue com um potencial enorme de crescimento.
Basta que exista um cuidado com as finanças e que se promova a volta dos investimentos. Mesmo nessa fase de vacas magras, houve investimentos importantes, como a revitalização da zona portuária, o metrô até a Barra. A infraestrutura melhorou, mas é uma pena que tenha sido a um custo tão grande para o estado.
Em abril deste ano, a Granado inaugurou sua nova sede, no Porto Maravilha. Foi difícil deixar a sede centenária no Centro da cidade?
A companhia cresceu muito nos últimos dez anos. A antiga sede não dava mais conta, tanto que chegamos a alugar um prédio do outro lado da rua.
Quando houve o processo de revitalização da zona portuária, com o projeto Porto Maravilha, achamos que era chegada a hora de mudar. Outras empresas foram para lá, como a L’Oréal. Mas nós chegamos antes delas.
Há alguns anos, o senhor declarou: “Eu me tornei um cidadão brasileiro por causa da Granado. Nem por todo o dinheiro do mundo eu vendo a empresa”. Isso espantou possíveis compradores?
Na verdade, não. Continuo recebendo novas propostas para vender a Granado. E eu continuo dizendo que não. Eu acredito que meu lugar é aqui.
Mas o senhor vendeu 35% da companhia para o grupo espanhol Puig no ano passado.
Sim, mas eu continuo sendo o principal acionista. E só fechei negócio porque a Puig, além de ser um grande grupo, também é uma empresa familiar. [A empresa espanhola, dona de marcas como Carolina Herrera e Paco Rabanne, fatura cerca de 2 bilhões de euros por ano. O valor da transação não foi revelado, mas estimativas do mercado falam em R$ 500 milhões.]
Temos muito em comum, principalmente no que se refere à visão de longo prazo. Nós fazemos planos para daqui a dez anos. Os outros investidores que me procuraram queriam respostas rápidas, projetos de curto prazo. Eu não acredito em decisões apressadas. Imagine se eu chegasse na Granado, em 1994, e começasse a mudar tudo imediatamente, pensando apenas no lucro rápido. A companhia não seria nem sombra do que é hoje.
A entrada da Puig no negócio deve contribuir para a expansão da Granado?
Com certeza. Com a venda para a Puig, conseguimos liquidar uma dívida que havíamos contraído para construir a nova fábrica, em Japeri (RJ), que teve um custo de R$ 300 milhões [a fábrica será concluída no segundo semestre deste ano. O objetivo é dobrar a capacidade produtiva, que hoje é de 12,5 milhões de produtos por mês].
Além disso, pudemos dar início à expansão internacional, com a inauguração da nossa primeira loja em Paris, em novembro.
Quais são as suas expectativas em relação à entrada da Granado no mercado externo?
Estou muito otimista. O ponto é excelente. Fica na Rua Bonaparte, em Saint-Germain-des-Prés, região famosa por suas lojas de luxo e galerias de arte. Vamos vender 400 produtos, ou seja, quase tudo que oferecemos em uma loja própria no Brasil, então estamos sendo agressivos.
Mas tudo vai depender do desempenho dessa primeira loja. Se não vender, vamos repensar a operação. Se for bem, queremos abrir mais quatro unidades na Europa em 2018. Já tivemos uma primeira experiência bem-sucedida, ao colocarmos nossos produtos em um estande na loja de departamentos Le Bon Marché, em 2013.
Foi um trabalho árduo de adaptação. Para ficar em dia com a regulamentação europeia, tivemos de refazer a formulação de vários itens — são muitos os ingredientes que podemos usar aqui, mas não na Europa. Valeu a pena.
O sabonete Phebo Odor de Rosa entrou na lista dos cinco produtos mais vendidos em sua categoria na Le Bon Marché. Também foram muito bem a Manteiga e o Esfoliante corporais Castanha do Brasil. Eles gostam de produtos com ingredientes brasileiros, ricos em extratos vegetais.
O senhor é o impetuoso da família. Sissi, sua filha, é mais prudente? Vocês já bateram de frente?
Não sei se sou tão impetuoso assim. Fiquei com essa fama por ter comprado a Granado em condições adversas, mas que acabaram se revelando não tão adversas assim. No dia a dia dos negócios, avalio cada situação e trabalho com metas de longo prazo.
A Sissi tem um lado mais intuitivo, cuida muito da parte de criação. Mas tem formação em economia e também participa das decisões administrativas. Enfim, acho que nos completamos.
Com quase 25 anos de dedicação exclusiva à Granado, sobrou tempo para se dedicar a outros prazeres?
Não tenho grandes pretensões. Minha ideia de diversão é passar o fim de semana na casa da família, em Angra dos Reis.
O cozinheiro francês Claude Troisgros, outro europeu radicado no país, disse que não se vê mais como um francês. O quanto ainda há de inglês em Christopher Freeman?
Acho que só restou o torcedor do Newcastle (risos). Se bem que sou também corintiano. Quem sabe, se tudo der certo, eu possa abrir uma loja da Granado em Londres e recuperar o britânico que mora em mim.
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