Em sua primeira entrevista desde que assumiu o cargo, em setembro, o novo presidente da Natura, Roberto Lima, disse que a empresa está preparada para um “novo ciclo de desenvolvimento”, não só no Brasil, como na América Latina e em outras regiões do mundo. Os caminhos que levarão a essa expansão estão em estudo: podem incluir desde novas marcas e canais de venda, como farmácias e supermercados, até aquisições.
O certo é que a líder no mercado brasileiro de higiene e beleza terá de acelerar o passo. A Natura tem crescido menos que o mercado e perdeu espaço em categorias como perfume e maquiagem. “Eu acho que a minha contribuição deve ser criar um sistema de funcionamento dos órgãos de tomada de decisão e de execução da empresa, para que a gente possa ser muito mais ágil”, disse Lima ao Valor.
O executivo de 63 anos pensou que havia terminado sua carreira em 2011, quando deixou a presidência da Vivo. Depois, fez parte do conselho da Natura, entre abril de 2012 a dezembro de 2013. Desse contato, veio o convite para assumir a empresa, após a saída de Alessandro Carlucci, que ficou mais de nove anos no cargo. “Eu achava que 37 anos como executivo já tinham sido suficientes, mas a gente não diz ‘não’ para a Natura”. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida na sede da Natura, em Cajamar (SP):
Valor: O anúncio de sua chegada à Natura informava que o senhor daria continuidade a estratégias já delineadas. Que tipo de mudanças pode-se esperar de sua gestão?
Roberto Lima: A Natura conta com ativos fortíssimos, como a sua marca, a equipe que formou, o reconhecimento por ser uma empresa que se preocupa com seu negócio, mas, principalmente, que passa uma mensagem de responsabilidade social e com o meio ambiente. Esses são os ativos que vamos usar para relançar a Natura num novo ciclo de desenvolvimento, aproveitando que o mercado brasileiro é um dos maiores do mundo e apresenta ainda uma das maiores taxas de crescimento. A Natura tem conseguido um sucesso muito grande em suas operações na América Latina no período mais recente. Ela levou algum tempo para encontrar as fórmulas de sucesso nessas outras geografias, mas de três ou quatro anos para cá tem tido uma performance bastante boa, o que faz com que possa manter a sua ambição de se desenvolver mais ainda no Brasil com categorias diferentes, modernizando-se através da incorporação mais forte de tecnologias digitais, mas também de atuar em novos mercados, mesmo fora da América Latina. Transformar isso numa estratégia e colocar em prática é o meu papel. O que está por trás disso é uma questão de agilidade. Minha contribuição deve ser criar um sistema de funcionamento dos órgãos de tomada de decisão e de execução da empresa, para que a gente possa ser muito mais ágil. Mais do que ter uma estratégia bem definida, eu acredito que o sucesso das empresas vem de uma boa execução. […] Nós não vamos tirar o olho do negócio principal da Natura, que é um negócio de cosméticos, fragrâncias e artigos de higiene pessoal no canal de venda direta. Esse é o nosso grande negócio hoje, que tem uma dimensão imensa. Qualquer outra coisa que a gente possa fazer terá um peso estratégico importante, até para que a empresa aprenda e possa se desenvolver, mas o que temos no momento é um negócio muito claramente definido.
Valor: A Natura não tem crescido ao mesmo ritmo do mercado. A empresa demorou a encontrar e implementar novas estratégias?
Lima: A Natura passou por um período de crescimento muito acelerado, com taxas de dois dígitos bastante elevadas nos últimos anos e, portanto, num determinado momento, ela tem que se adaptar à dimensão que criou. Então, você precisa dar uma parada para a organização de processos administrativos, de absorção de tecnologia da informação, de reaparelhamento da sua capacidade de produção e distribuição, o que foi feito em 2011. A Natura fez esse trabalho e está preparada para mais um ciclo de desenvolvimento, que começa agora.
Valor: Na venda direta, a empresa não tem um contato direto com o consumidor final e não conhece tão profundamente quem compra seu produto. O senhor faz essa leitura?
Lima: Eu concordo que a Natura tem um afastamento do consumidor final, existe esse reconhecimento. E nós poderemos, através da utilização das técnicas digitais, começar a entender cada vez mais do consumidor final, cada um deles como indivíduos. Venda direta é uma venda por relações, e essa é uma área onde o mundo passou por transformações profundas recentemente. Grande parte das relações hoje se estabelece e se mantém no mundo digital. Não é dizer: eu vou sair da venda direta para ir para um mundo digital e fazer um e-commerce puro. Não. Nós vendemos produtos com serviços agregados.
Valor: A empresa estuda criar novas marcas?
Lima: Organizar as submarcas que a Natura tem, criar uma hierarquia de marcas forte e bem definida é um dos desafios que nós temos. Em que segmentos de mercado a gente não atua e nos quais talvez pudéssemos atuar, tudo isso faz parte da nossa reflexão, mas nós temos que ter uma operação muito forte, muito bem-sucedida. Uma das decisões é: se eu for fazer isso, com que marca eu vou? É com a marca Natura ou eu posso colocar uma outra marca? Mas essas são decisões quase que operacionais, ao nível do marketing da empresa. É muito mais a forma de ir a mercado do que uma grande questão estratégica.
Valor: Mas não pode haver um desgaste da marca?
Lima: Eu acho que a escolha do que a gente vai colocar embaixo do guarda-chuva da Natura se pauta primeiro pela questão da essência da empresa, se o que nós formos colocar para a comunidade cria esse efeito do “bem-estar” para cada pessoa individualmente e do “estar bem”, que é ela com o seu ambiente. Eu não vejo esse risco como uma coisa incontornável. Nós sempre vamos poder usar marcas alternativas se a gente perceber que aquilo que a gente está propondo é muito diferente daquilo que a Natura propôs até hoje, mas dificilmente seria uma coisa que foge da essência, dos princípios e dos valores da Natura. Isso é inquestionável.
Nós temos um negócio na venda direta enorme…A gente vê a necessidade de se desenvolver em outros canais
Valor: O grupo Boticário se expandiu para outros canais mais rapidamente que a Natura. É importante ter presença forte no varejo?
Lima: Nós temos um negócio na venda direta com uma dimensão enorme. Toda e qualquer iniciativa em outros canais de comercialização começa com uma dimensão menor do que nós temos. A gente vê a necessidade, sim, de se desenvolver em outros canais, como o varejo. Com o Rede Natura [plataforma de venda on-line em que as consultoras têm páginas próprias], temos as primeiras experiências no mundo digital. Nós vamos internacionalizar a Rede Natura. […] Tem também a questão da conveniência. A Rede Natura, que já está em funcionamento em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, permite que a pessoa receba os produtos em até 48 horas, no caso de cidades na região Sudeste. Essas são iniciativas que já foram tomadas e que cabe à gente reforçar para que possam se desenvolver mais rapidamente.
Valor: A Natura pode ter uma marca para ser vendida em farmácias e supermercados?
Lima: É uma das coisas que a gente tem em estudo hoje. Estamos fazendo avaliações, pesquisas. É prematuro dizer. Estamos estudando outras marcas e canais. Temos hoje marcas muito fortes e que trazem todo o conceito da Natura, como Ekos, TodoDia e Chronos. É inevitável que a gente valorize cada vez mais a assinatura que a Natura pode dar para as suas marcas. Podemos até criar marcas, mas a gente jamais vai esquecer que isso é uma iniciativa da Natura. E a gente não vai querer que as pessoas esqueçam, porque elas têm uma percepção de que o que a Natura faz tem qualidade e compromisso.
Valor: O senhor olha outros continentes para expansão?
Lima: O nosso ‘hub’ em Nova York tem a responsabilidade de analisar o que a gente pode fazer fora do Brasil […]. A posição dos fundadores da empresa é fundamental porque eles mantêm a mesma coragem, a mesma vontade de se desenvolver internacionalmente. Embora nós tenhamos que ter um foco muito grande em uma boa execução no Brasil, eu não vejo que as coisas são incoerentes. Em paralelo, podemos fazer sim, porque temos recursos. Temos gente muito boa para tocar esses projetos.
Valor: A Natura já testa a venda de produtos de casa e moda, fabricados por terceiros. A empresa busca aquisições em outros setores?
Lima: Não necessariamente em outros setores, mas pode acontecer. A gente teve uma experiência muito boa com a Aesop [comprada em 2012]. É uma empresa australiana, na área de cosméticos, de varejo, com um portfólio mais reduzido, bem diferente da Natura. Houve uma empatia muito forte com a empresa, que cresce mais de 50% este ano, se expande geograficamente e vai abrir uma loja em 1º de dezembro em São Paulo. Isso nos estimula. Foi uma operação bem sucedida e que nos faz estar prontos para analisar outras oportunidades.
Valor: Analistas citam a eficiência operacional e o corte de custos como traços de suas gestões anteriores. É algo que o senhor vai trazer para a Natura?
Lima: Eu não me lembro de ter feito um programa de corte de custos em lugar nenhum onde eu fui, mas sempre fiz programas para utilizar todos os recursos que a empresa tinha à sua disposição, da maneira mais eficiente possível. É voltar a empresa para fora e evitar que boa parte de seus recursos sejam consumidos internamente.
Valor: O senhor pensa em fazer alguma mudança no comitê executivo da empresa?
Lima: Se eu fosse fazer alguma mudança, eu não contaria para um jornal [risos]. Quando saí das empresas onde estive, para outras empresas, eu não levei executivos. Mas se eventualmente a gente identificar que tem uma oportunidade ou uma necessidade na Natura de alguém que eu conheço que tenha esse ‘skill’, por que não?
Fonte: http://www.valor.com.br/empresas/3768922/novo-presidente-da-natura-quer-agilizar-projetos
Deixe um comentário