Como um acidente e o zelo da família contribuíram para a criação do perfume mais vendido do Brasil
Há pouco mais de dez anos, o empresário Miguel Krigsner, dono de O Boticário, sofreu um acidente que o obrigou a ficar parcialmente imobilizado. No mesmo período, sua família tinha agendado uma viagem para o Chile e, como seus familiares não quiseram deixá-lo sozinho, ele acabou indo junto. Mas, para não atrapalhar a programação dos seus entes, Miguel precisou ficar quietinho. Durante o passeio nos vinhedos da Concha y Toro – uma das mais importantes vinícolas do mundo –, no Chile, ao ver que Miguel estava sozinho, uma funcionária o convidou para conhecer as caves. Ali, em meio aos barris de carvalho que guardavam o líquido precioso e imerso em todo o ritualístico mundo do vinho ele teve um insight: por que não unir o mundo do vinho e o da perfumaria em um perfume?
Foi assim, meio ao acaso, que nasceu a ideia central de Malbec. Certamente, Miguel não tinha noção que pouco mais de dez anos depois, a ideia que ele teve ali iria se converter no perfume mais vendido da sua empresa e hoje, também, o mais vendido do País. O Boticário não divulga os números, mas as vendas do perfume já superam os seis milhões de frascos por ano. O sucesso é tamanho que Malbec está entre as dez fragrâncias mais vendidas pela casa de fragrância que o criou, a IFF, em todo o mundo (a título de comparação, a casa tem no seu portfólio blockbusters internacionais como Polo, Flowerbomb, Eternity e Le Vie Est belle).
O nascimento de Malbec, em 2004 representou um momento de virada para O Boticário, que com ele retomou a áurea de inovação na categoria depois de um período de grandes lançamentos em perfumaria na segunda metade dos anos 1990 e da reorganização do portfólio no início dos anos 2000. “Malbec foi um ponto de partida. Ele veio depois de um hiato e representou um momento de renovação de energia para a empresa”, explica Andrea Mota, diretora Executiva de O Boticário.
Mas o que representa a comemoração de uma década de vida de um perfume, ainda mais em uma das categorias em que alguns brincam que se o perfume permanecer no mercado com boas vendas por 12 meses, ele já pode ser chamado de clássico? Para O Boticário, a data atesta a iconicidade do perfume que, além de líder de vendas, traz toda uma personalidade que é adotada pelo usuário de Malbec: a masculinidade e a sofisticação. “Quando um homem usa Malbec e ele deixa aquele lastro, deixa ali a sua marca e isso é identificado em pesquisas”, diz a gerente de perfumaria de O Boticário, Marselha Tinelli.
A executiva lembra que, apesar do sucesso comercial, Malbec ainda não atingiu a sua curva de maturidade. “Nós estamos agregando público novo. Tem um público-alvo de personalidade, nossa marca penetra em jovens homens a partir dos 18 anos até homens mais velhos. A penetração vem crescendo ano a ano e como a penetração da categoria ainda é relativamente baixa, existe muito espaço ainda não ativado para crescer com a marca”, completa Marselha.
A importância de Malbec para a perfumaria brasileira vai além do sucesso comercial. Primeiro porque introduziu as fragrâncias amadeiradas à primeira divisão da perfumaria masculina, até então dominada pelas criações frescas e masculinas da família Fougére. Em segundo lugar, porque a marca brasileira trouxe uma inovação para a perfumaria mundial: o álcool vínico, uma criação patenteada pelo O Boticário que, ao mesmo tempo em que ajuda a composição a ficar mais redonda, garante ainda mais veracidade a proposta do perfume.
Verdade por trás da história
Para dar vida ao conceito, Miguel contou com a criatividade e o talento das suas equipes e com o trabalho da IFF, que para ele teve um desempenho fora do normal. “Tínhamos que criar algo totalmente novo. Era mergulhar em algo no qual você não sabia o que estava procurando. A gente só sabia o que não era”, relembra Miguel. A única certeza era a de que o perfume não poderia cheirar a vinho.
Entre os envolvidos na criação, um ponto comum apontado para o sucesso duradouro de Malbec – talvez o mais importante – é a honestidade empregada na construção do conceito e da fragrância. “A gente sentia que ia ser uma coisa grande. Você nunca tem certeza, mas vai vendo que a ideia é boa, o conceito é bom, a conexão com as madeiras… O desafio era como traduzir isso em notas olfativas”, conta o vice-presidente da IFF, Dionisio Ferenc. Como lembra a diretora do centro criativo da IFF, Elena Novas, depois que a criação está pronta tudo parece óbvio, mas até acertá-la foram testes e mais testes para chegar ao ponto correto.
“O briefing era bastante inspirado e o projeto bastante inovador. Nós sabíamos que não queríamos. Malbec não ia cheirar vinho. Mas ele tinha que traduzir o gestual do vinho e o universo dele. Vinho é sedução. E foi por esse caminho que seguimos”, explica o perfumista Napoleão Bastos Jr., criador da fragrância de Malbec. Como não era um especialista no universo do vinho, o perfumista e a equipe envolvida no projeto foram estudar.
“Contratamos um enófilo que nos introduziu no mundo do vinho: as uvas, os varietais, os vinhos de guarda, as regiões. De repente ele começa a entrar nos descritores do vinho, em como os especialistas se comunicam entre eles. Um dos descritores, é obvio, era a madeira. Além de alguns que não nos interessavam, como taninos, apareceram frescor, amadeirado, frutas cítricas, ligeiramente verde. Ele estava falando a nossa língua. Falando de coisas que a gente usa na perfumaria. Todos esses descritores estão no perfume. Só que as características de inovação desse projeto eram enormes e isso só não seria suficiente. Então fomos para a França e desenvolvemos uma qualidade especial de cardamomo para Malbec, que está até hoje em todos os produtos de Malbec. Este é um condimento e condimentado é um descritor muito importante para o vinho. Quando alguém fala que o vinho é condimentado eles param para avaliar. E também é fresco”, descreve o criador. Mas O Boticário ainda queria mais inovação. “Então fomos para Mendonza, a terra do Malbec. E fomos com um equipamento de headspace (que faz a captação do cheiro de qualquer coisa e permite que depois se faça a análise molecular dele). Mais uma vez, nenhum dos envolvidos sabia exatamente que cheiro captar. Entramos numa cave com todos aqueles barris de carvalho e nós sabemos que com a maceração, os vinhos perdem uma parte do álcool e carregam uma parte do odor para o ambiente. Isso foi usado no primeiro Malbec e já cheira vinho, mas é usada em quantidades bem controladas. Tudo isso está no projeto. Sendo assim, Malbec é inimitável, porque a captação do cheiro daquela cave, naquele dia jamais não será nunca a mesma”, completa Napoleão.
Melhorem o meu Malbec
Segundo Isabella Wanderley, diretora de Marketing de O Boticário, os homens que usam Malbec têm um senso de propriedade. Com esta visão de que trata-se de uma marca plenamente masculina, ela diz que a empresa entende que não cabe desenvolverem uma versão feminina. Pelo contrário, a companhia quer sempre melhorar o perfume. E foi com essa ideia que lançaram a edição especial Malbec Supremo.
Para isso, há dois anos e meio, procuraram conversar com os consumidores de Malbec para entender quem era esse consumidor e como ele evoluiu. Segundo a dirigente, viram que ele exige cada vez mais sofisticação e padrão internacional. “E nós descobrimos que eles gostavam da cor do frasco, mas achavam que podia ser um pouco mais escuro, que a história era importante mas não estava na embalagem. E nas pesquisas de uso, descobrimos que as tampas sempre se perdiam”, situa Isabella. Desta maneira, a embalagem ganhou um ombro e frasco mais robustos, uma sinalização mais perfeita e a tampa com a válvula on/off. “Começamos isso com o Quasar, mas fizemos com esse movimento de giro. A tampa tem o certo reclive e a praticidade”, revive.
Ainda de acordo com Isabella, movimento não é intuitivo no primeiro momento. “O princípio era não mudar demais a embalagem. Frasco ganhou mais fundo, mais ângulos, mais curvos. Queríamos melhorar o Malbec e era isso que os consumidores queriam também. A tradução do especial para um produto que já é especial em si”, resume ela.
Mais masculino, provocativo e ousado
Na medida em que “amadurece” com o lançamento de edições especiais, O Boticário sempre se vê perante a um desafio: o de reinventar em cima de algo que é tão marcante. Segundo Ana Ferrel, diretora de Branding da empresa, o que procuram fazer neste momento é realçar os traços que estão no original. Por exemplo, no caso da versão Absoluto o couro foi bastante usado e agora, no Supremo, a codestilação visa realçar a virilidade. Para o lançamento da mais recente versão, a empresa apostou em uma campanha mais ousada, porém masculina. “Procuramos trazer estímulos que nos levem a outros universos. Romper, inovar, com uma campanha em várias plataformas. Dá uma dica do que irá pela frente, um posicionamento mais moderno, coloca a marca em um ambiente mais moderno, mais ousado”, contextualiza.
Ana lembra ainda do fato de que as mulheres respondem por 30% do consumo de Malbec. “Além disso, atualmente é o perfume com a maior penetração nos lares brasileiros, de acordo com a empresa de auditoria Kantar Worldpanel”, emenda a dirigente. Sobre o fato de ser um dos perfumes mais vendidos da história, Miguel acredita que essas coisas acontecem na vida de maneira surpreendente. “Quando você menos espera, vêm grandes ideias. A gente fala muito em inovação, mas às vezes ela está em juntar duas ou três coisas separadas e fazer algo diferente. Eu nunca imaginei que fosse ser esse sucesso. Mas a arte de juntar o vinho, à perfumaria e ao amor é algo milenar. Nas celebrações para os deuses havia sempre o vinho e o incenso, sempre existiu essa mistura e nós buscamos resgatar essa magia”, registra o empresário.
Malbec Supremo foi desenvolvido com um ingrediente exclusivo, chamado pela empresa de Madeiras Supremas e obtido por meio da co-destilação artesanal da união de duas madeiras nobres, o cedro e o carvalho, num processo extremamente refinado realizado pelo Laboratoire Monique Rémy – o braço especializado em óleos naturais da casa de fragrâncias IFF, na França.
A inovação do álcool vínico
Envelhecido, quando se macera, logo que é produzido, o álcool vínico tem pequenas quantidades de aldeído, ésteres, que na maceração se arredondam. A maceração é ação uma resultante de uma série de reações químicas entre esses produtos que, como consequência, fica mais redonda. Além disso, o álcool tem uma poder de solubilização sobre os poderes olfativos do barril de carvalho e ele acaba extraindo essa parte olfativa. É isso que faz uma matéria-prima ser algo único, e não dá para reproduzi-lo. E nada tem a ver com o álcool padrão que se usa na perfumaria.
E para realizar o suporte ao crescimento, Richard Schwarzer, diretor de P&D de O Boticário, diz que é preciso planejar antes. Qualificação de fornecedor é visto desde a origem de cada projeto já prevendo o crescimento de escala que ele vai ter. “A gente sabe que a escala é um desafio e que em algum momento podemos ter que lidar com a necessidade de fazer escolhas. Mas temos projeções, acompanhamento, por mais que elas superem as nossas expectativas, como tem acontecido recentemente”, completa.
Fonte:http://www.cosmeticanews.com.br/leitura.php?n=classico-nao-por-acaso&id=5343
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