Quando a manicure paulista Valdenice Souza decidiu revender produtos de beleza, em 2006, fez uma pesquisa com suas clientes para identificar as marcas preferidas. Feita a enquete, não teve dúvidas: passou a andar para tudo que é lado com catálogos das fabricantes de cosméticos Natura e Avon, líderes absolutas do mercado de vendas diretas de cosméticos no país.
Por um tempo, funcionou bem: nos melhores meses, ela ganhava até 1 300 reais no novo negócio. Mas, nos últimos dois anos, algo começou a mudar. As clientes passaram a pedir opções mais baratas — e Valdenice teve de oferecer catálogos de outras três empresas: a americana Jafra, a brasileira Abelha Rainha, especializada na classe C, e O Boticário.
“As clientes cansam de produtos parecidos e pedem mais opções de preço também”, diz. Casos como o de Valdenice viraram um pesadelo para a Natura, maior fabricante de cosméticos do Brasil. Para entender o motivo, basta multiplicar as mudanças recentes vividas por Valdenice por 1,3 milhão, o número total de “consultoras” de vendas da Natura no Brasil.
O americano Alan Kennedy, por décadas o responsável pela área comercial da Avon, dizia que o fundamental no mercado de venda direta é convencer as vendedoras — as consumidoras vêm em segundo lugar, segundo ele. Por isso, as empresas sempre evitaram confronto com as revendedoras.
Naturalmente, sua estratégia de vendas acabava um tanto engessada — vender em outro canal seria uma traição que poderia colocar tudo a perder. A fidelidade às consultoras fez com que a Natura abandonasse pelo menos cinco projetos para diversificar as vendas nos últimos anos. Conselheiros e diretores sempre concluíram que não queriam comprar essa briga.
Mas, enquanto a Natura ficava imobilizada, o mercado mudou. Hoje, quem está dando cada vez menos bola à Natura são as próprias revendedoras. “Temos de admitir claramente que hoje nós compartilhamos o canal com outras empresas”, disse Roberto Lima, presidente da Natura, em teleconferência com analistas no fim de outubro. “Temos de reconquistar a preferência das consultoras.”
Ou seja: depois de tanto zelo para não trair as vendedoras, a Natura acabou sendo a traída da história. A oferta de produtos disponíveis para quem quer revender cosméticos só faz crescer. Em cinco anos, o número de empresas vendendo cosméticos e itens de higiene pessoal porta a porta mais que dobrou no Brasil. Já são mais de 300.
Há seis anos, 70% das consultoras vendiam apenas Natura e Avon, segundo uma estimativa da consultoria DirectBiz. Hoje, 70% delas vendem mais de três marcas antes irrelevantes ou inexistentes, como Di Brescia, Eudora, Hinode, Inspiração, Jafra, Jequiti ou Racco.
A Natura começou a ter concorrência de empresas que também têm a sustentabilidade como apelo, como a Naturais da Amazônia e a Nação Verde. Resultado: a participação da Natura na venda direta de itens de beleza e higiene pessoal caiu de 37% para 28% desde 2010. A receita média de cada revendedora diminuiu 8% só no último trimestre, acentuando a queda do último ano.
Como a Natura não tem outro canal de vendas relevante, esse recuo pesa nos resultados. A receita no Brasil caiu 6% nos primeiros nove meses do ano. “Um milhão de vendedoras é um diferencial importante, mas o modelo está cansado”, diz Guilherme Assis, analista do banco Brasil Plural. Hoje, a Natura se vê diante de um desafio duplo: reconquistar as vendedoras e tirar de vez do papel os planos de diversificação.
A tarefa é tão complexa que os três principais acionistas e cofundadores da Natura, Guilherme Leal, Luiz Seabra e Pedro Passos, reaproximaram-se do dia a dia da empresa — em especial Passos, o mais novo dos três, que é o presidente em exercício do conselho de administração. O presidente, Roberto Lima, ex-presidente da Vivo, conseguiu bons resultados na administração do dia a dia.
Diminuiu as despesas em 15% neste ano e negociou com empresas de telefonia um pacote para as consultoras, para muni-las com aparelhos novos que processem pagamentos com cartão de crédito ou débito. Também foi o principal promotor de um novo projeto de vendas em farmácias. “Lima deu uma oxigenada importante na empresa.
Fonte: http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1101/noticias/pare-a-natura-e-mudar-ou-mudar
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