Desafio do Grupo Boticário está na evolução do modelo de gestão e do modelo de consumo num mundo digital
Se fosse uma companhia listada em bolsa, o Grupo Boticário poderia ver suas ações derreterem com o anúncio de saída de Artur Grynbaum da presidência. Afinal, ele comandou mais de uma década bem-sucedida da companhia e ainda é novo para pendurar as chuteiras, o que causaria um susto no mercado. Mas, na prática, a entrada de Fernando Modé na presidência-executiva não representa um distanciamento de Grynbaum da administração. O empresário vai ter assento de destaque no conselho e coordenará os comitês internos – como quer ser ativo na nova missão, brinca que a gestão da companhia será conjunta. Mudança, pero no mucho.
O verdadeiro desafio para o Grupo Boticário está na evolução do modelo de gestão (e não em quem ocupa a cadeira) e do modelo de consumo num mundo digital. Grynbaum liderou a trajetória de crescimento da empresa, apertou a disputa com a Natura, criou uma carteira ampla de marcas e de canais de vendas em diferentes nichos de mercado. Agora, ele quer implementar o “mindset de jornada.”
É o termo da moda no mundo do marketing e estratégia e o pote de ouro que todas as companhias estão buscando com o suporte da tecnologia. A “jornada do cliente” é todo o processo que resulta na compra – a pesquisa, a curiosidade sobre um produto, a comparação de marcas, a compra por impulso, a compra programada. Por que diabos a consumidora pesquisou as marcas famosas, comparou preços e acabou comprando aquela desconhecida? Porque viu um post de uma influencer no último minuto.
Na pandemia, entender essa jornada no Boticário passou por entender que boa parte das suas consumidoras de produtos para cabelos deixaram de tingir as madeixas e passaram a buscar xampus e cremes que tratassem os fios brancos, por exemplo. Sem a vizinha consultora batendo à porta e com lojas fechadas na quarentena, a companhia colocou vendedoras em atendimento de WhatsApp, para o consumidor que não queria somente ler a descrição no site de vendas e que funciona também para o pós-venda.
Em outra frente, o Boticário montou em outubro um grupo de 200 mulheres com mais de 40 anos para receber treinamento e se tornarem influenciadoras digitais. Nesse nicho, a consumidora está interessada em experiências reais, sem tanto filtro e colágeno quanto as “nativas digitais”.
No ano passado, a companhia comprou o e-commerce Beleza na Web, um markeplace de cosméticos com um estúdio de gravação de vídeo em seu centro de distribuição para a produção de conteúdo. É esse tipo de coisa que marcas de beleza que já nasceram na era digital fazem rapidamente e com custo baixíssimo de operação, como a Sallve e a Beyoung.
A aproximação do universo de startups do grupo Boticário se dava principalmente pelo BotLab, incubadora e aceleradora que já está em seu terceiro ano. Grynbaum quer sair desse olhar esporádico e de fato incorporar o Boticário nesse universo. Os ajustes em diretorias anunciados pelo grupo seguem essa pegada. Duas vice-presidências vão integrar o marketing de todas as marcas do grupo e também a logística, coisas que eram feitas separadamente por bandeira. A companhia quer deixar de tratar suas marcas como unidades de negócio verticalizadas.
“O formato que temos hoje, que privilegiou unidades de negócio e profundidade de cada marca, foi uma estratégia correta. Agora, queremos operar por jornada, independente de que área pertença”, afirma Grynbaum. “É uma nova forma de olhar, de gerir uma companhia madura trazendo alguns insights de startups.”
Ele não quer, por exemplo, um departamento despachando problema para o outro porque não é de seu escopo ou não é da marca que atende. A descrição lembra os ‘squads’ de tecnologia, onde um grupo é responsável de uma ponta à outra do processo ou da resolução de um problema.
A jornada digital continuará sob comando familiar. O Boticário liderava, ao lado de Rede D’Or, a lista de empresas que os banqueiros sonham em levar para a bolsa e que resistem à ideia. No Boticário, esse anseio externo é alimentado anualmente pelo “Banking Day”, data que o Boticário mantém há quase 20 anos com reuniões e apresentações dos números e estratégias dos bancos.
Pois a D’Or acabou mudando de ideia e justamente no dia da estreia do grupo hospitalar na B3, o Boticário anunciou mudanças. Mas a Faria Lima que se acalme. Grynbaum continua querendo distância da bolsa. “IPO, nem no curto, nem no médio prazo”, diz. (Em tempo: na estreia, as ações da D’Or chegaram a subir 14%).
Deixe um comentário