Como convencer uma empresa com 6 milhões de vendedores, milhares de produtos e lojas, de que a não derrubada de uma árvore na Amazônia é importante para manter todo o negócio de pé? Essa é uma das tarefas da Natura &Co, gigante do setor de cosméticos, com receita líquida de R$ 14 bilhões no ano passado, para vencer a contradição entre extrair matéria-prima do meio ambiente e preservá-lo ao mesmo tempo. Dono da Natura, Avon, Body Shop e Aesop, o grupo traçou um plano para zerar a emissão de carbono até 2030, certificar toda a linha de produção das quatro empresas e inserir mais diversidade em seu quadro de funcionários.
Dono da Natura, Avon, Body Shop e Aesop, o grupo traçou um plano para zerar a emissão de carbono até 2030, certificar toda a linha de produção das quatro empresas e inserir mais diversidade em seu quadro de funcionários.
Além disso, assumiu um compromisso ousado: ajudar a zerar o índice de desmatamento na Amazônia em cinco anos. Para isso, serão investidos cerca de US$ 800 milhões (R$ 4,3 bi) nos próximos dez anos.
É possível evitar a boiada?
Não à toa, o grupo faz parte parte do Conselho Nacional da Amazônia Legal, grupo criado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) neste ano e chefiado por Hamilton Mourão. O vice-presidente tenta, desde então, mediar o desgaste da gestão de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, considerada radicalizada e com índices recordes de desmatamento entre os biomas brasileiros. Os índices negativos têm pesado no bolso e afastado investidores.
Questionado se Salles e falas como “passer a boiada” mais atrapalham do que ajudam neste objetivo, o presidente-executivo do conselho e CEO da Natura &Co, Roberto Marques, afirma que o posicionamento da empresa sobre os próprios objetivos já está dado.
“A nossa posição é muito clara. De maneira muito transparente, a gente coloca que nosso compromisso daqui para 2030, dentro da nossa visão, é que um dos pilares importantes é a proteção da Amazônia”, diz. “Obviamente, não depende só da Natura &Co. A gente acredita que tem o papel de dialogar com outros atores”, em referência a ONGs, instituições públicas, privadas e universidades.
Segundo ele, o grupo utiliza 38 ingredientes da natureza e atua com 33 comunidades locais na Amazônia, tendo impacto sobre 22 mil pessoas somente na região. A ideia é dobrar os R$ 30 milhões já investidos anualmente nessas comunidades.
Para evitar que árvores de ucuúba fossem derrubadas para a produção de vassouras, vendidas no comércio local, o grupo resolveu pagar o dobro do valor que a comunidade amazônica recebia pelo trabalho. Em vez do corte, passaram a ganhar mais para manter as árvores de pé e extrair apenas as sementes, que têm propriedades hidratantes para a produção de cremes – a Natura tem uma linha de produtos com a semente desde 2015.
No ano passado, só a Natura vendeu 374,4 milhões de unidades de cosméticos no Brasil, responsáveis por uma receita bruta de R$ 8,8 bilhões.
Outra demanda é mapear e certificar toda a linha de produção das quatro empresas no mundo. Especialmente, elementos como o óleo de palma, já que a extração do insumo elevou índices de desmatamento no sudeste asiático e na África. A empresa mantém áreas controladas por pequenas comunidades para a preservação do óleo — e exige reflorestamento da área de onde é extraído.
O objetivo é ampliar para 3 milhões de hectares a área preservada na Amazônia até 2030. Atualmente, são 1,8 milhão de hectares protegidos na região.
Devido à concentração de dezenas de hectares, produtos, tecnologia e consumidores, a produção do grupo será usada por um instituto de ciência para elaborar protocolos sobre como diminuir o impacto ambiental. Por exemplo, desenvolver uma métrica unificada para a diminuição da degradação de rios com uso reutilizável da água. O método será aplicado às quatro empresas no mundo e servirá como precedente para outras do ramo.
O plano envolve também as consultoras, aquelas que batem de porta e porta. Junto com o catálogo de produtos, também devem receber guias e instruções sobre todo o processo de extração dos insumos da natureza.
O que tem a ver meio ambiente e inclusão?
Nos últimos anos, executivos engravatados encamparam a bandeira da inclusão como boas e rentáveis práticas de negócios. Para o CEO, a diversidade no quadro de colaboradores também tem a ver com redução do impacto ambiental.
“É uma visão holística que a gente tem de pensar na sustentabilidade, que tem um componente de meio ambiente, mas também um componente social. É muito difícil separar”, diz.
A meta do grupo é ter posições de lideranças com 50% de mulheres, e 30% em diversidade racial, étnica, de identidade de gênero, pobres e pessoas com deficiência no grupo até 2023.
O executivo, responsável por fazer o “namoro” virar casamento entre Natura e Avon, então duas competidoras, afirma que a pandemia gerou um chamamento para empresas públicas e privadas se mexerem e evitarem ainda mais intensificação destas desigualdades.
“Apesar de não discriminar, o vírus tem um impacto maior em populações mais carentes”, diz. “A gente pode reconstruir um mundo mais sustentável do ponto de vista ambiental. Aí, também entra um mundo mais justo, com mais inclusão não só do ponto de vista de gênero, mas racial”, conclui.
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