Em 1994, o consultor inglês Christopher Freeman recebeu a tarefa de encontrar um comprador para a farmacêutica Granado, que era administrada pela terceira geração do fundador da companhia, o imigrante português José Antônio Coxito Granado. Seu neto, o empresário Carlos Granado, não tinha herdeiros nem um plano de sucessão e decidiu vender a companhia criada em 1870, no Rio de Janeiro.
Freeman não conseguiu achar nenhum interessado em adquirir 100% da empresa e resolveu ele mesmo ficar com o negócio. Juntou suas economias, fez alguns empréstimos e comprou a Granado por US$ 8 milhões.. Era o início de uma nova fase para a empresa que começou como uma pequena botica.
A Granado cultivava suas próprias plantas medicinais em uma chácara em Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro. Dali saíam as ervas e as flores usadas como matéria-prima para a produção de águas de colônia, cremes e talcos que caíram no gosto da nobreza da época: D. Pedro 2º concedeu à Granado o título de ‘Pharmacia Oficial da Família Imperial Brasileira’.
Nas décadas seguintes, a botica cresceu e tornou-se a maior empresa farmacêutica do Brasil. No início dos anos 1990, porém, se encontrava em declínio, sofrendo com a hiperinflaçãoe a falta de investimentos.
‘A Granado estava parada no tempo. Não tinha nem sequer um computador e fazia toda a contabilidade manualmente’, lembra Freeman, 74.
Depois de analisar os balanços durante meses, o inglês concluiu que valia a pena apostar no negócio. ‘A empresa era relativamente sólida, sem dívidas e tinha marcas e produtos que realmente funcionavam e que agradavam aos consumidores.’
Entre esses produtos se destacava o polvilho antisséptico, um talco para pés criado em 1903 e que até hoje é um dos carros-chefes da Granado.
A sorte esteve ao lado de Freeman no início de sua gestão. Ele fechou a compra da Granado no dia 15 de junho de 1994. Duas semanas depois, em 1º de julho, entrou em vigor o Plano Real.
Na época, a inflação passava de 70% ao mês. As redes de varejo vendiam os produtos da Granado e pagavam somente 45 dias depois, o que corroía os lucros. Com a estabilização da economia propiciada pela nova moeda, a Granado conseguiu gradualmente recuperar sua margem de lucros.
Com o caixa reforçado, Freeman pôde ampliar seus negócios. Em 2004 adquiriu outra marca brasileira tradicional de cosméticos, a Phebo, criada em 1930, no Pará. O inglês passou a trabalhar com duas marcas complementares: a Granado, com produtos de tratamento, e a Phebo, voltada para cosméticos e beleza.
Nessa época, a Granado iniciou um trabalho de revitalização da marca. Quem liderou a iniciativa foi Sissi Freeman, filha de Christopher e hoje diretora de marketing e vendas da companhia. Ela convenceu o pai a renovar e padronizar as embalagens para valorizar o lado ‘vintage’ da marca. O logotipo ganhou a palavra ‘Pharmácias’ para remeter ao português usado na época da fundação da empresa.
‘A Granado nasceu como uma farmácia e seus produtos sempre têm uma fórmula com um ingrediente natural, que promove um tratamento’, diz Sissi. ‘Com a renovação, procuramos mostrar a tradição e a história por trás dos nossos produtos. Qualquer empresa pode ser uma farmácia, mas poucas com ‘ph’.’
O mercado brasileiro de cosméticos e beleza apresenta algumas características sem paralelo no mundo, segundo o consultor Alberto Serrentino, da Varese Retail, especializada em varejo. Uma delas é o domínio de marcas locais, uma liderança construída em torno de estruturas de distribuição que não se veem em outros países.
Em nenhum outro mercado maduro a comercialização porta a porta atingiu o grau de penetração que se observa aqui. A brasileira Natura se tornou a maior empresa de vendas diretas do mundo ao concluir a aquisição da americana Avon, no início de 2020.
Diante da inexistência de lojas de departamentos -o principal canal de marcas de prestígio lá fora-, o mercado brasileiro permitiu a expansão também de empresas como o Boticário, a maior rede de franquias em cosméticos do planeta, com mais de 3.800 pontos de venda no país.
Diante dessas gigantes, a Granado tem uma fatia minúscula do mercado. De acordo com a provedora de pesquisa de mercado Euromonitor International, a liderança do mercado brasileiro de beleza e cuidados pessoais é disputada pelo trio Natura (com uma fatia de 11,9%), Boticário (11,8%) e Unilever (11,5%), segundo dados de 2019.
A Granado detinha uma participação de 0,3%, ocupando o 25º lugar entre as 53 empresas pesquisadas.
Para não bater de frente com as líderes do setor, a Granado optou por trilhar um caminho próprio. Até há alguns anos, a distribuição de seus produtos era feita por meio de farmácias e supermercados. Para valorizar sua marca, decidiu investir em lojas próprias. A primeira foi aberta em 2005, no mesmo endereço onde funcionou sua primeira farmácia, no centro do Rio.
A loja ganhou decoração retrô, com móveis clássicos, quadros antigos e peças publicitárias originais, recriando o ambiente de uma botica do início do século passado. Foi a primeira de muitas: hoje são 82 unidades próprias no mercado brasileiro, responsáveis por 25% do faturamento da empresa.
Todos os pontos de venda seguem o mesmo conceito e se localizam em bairros nobres, atraindo um público mais sofisticado.
A ampliação da rede permitiu à Granado escoar sua crescente linha de produtos.
‘Com mais lojas próprias, passamos a oferecer produtos que não conseguiríamos vender em grande volume em farmácias e supermercados, como velas perfumadas e kits de presentes’, diz Sissi.
Em 2005, a Granado vendia cerca de 60 itens de produtos. Hoje são mais de 800, incluindo linhas exclusivas para bebês, para mulheres e até para animais de estimação.
Serrentino considera ‘brilhante’ o trabalho de reposicionamento feito pela Granado, que conseguiu explorar as características de seus produtos, resgatar a tradição da marca e fazer a curadoria do legado acumulado em 150 anos.
‘As lojas tiveram um papel importantíssimo na qualificação da distribuição, pois permitiram contar a história que existe por trás da marca’, diz o consultor. ‘A Granado continua sendo distribuída em farmácias e supermercados, mas, dentro do varejo massificado do mercado de cosméticos, virou uma marca mais premium e aspiracional.’
A pandemia do coronavírus atrapalhou o desempenho das lojas físicas em 2020, o que foi em parte compensado pelo aumento das vendas no canal online, que cresceu mais de 1.000% em relação ao ano anterior. Entre perdas e ganhos, a Granado fechou o balanço do ano passado com uma receita líquida de pouco mais de R$ 600 milhões, 5% a mais que no ano anterior.
Levando-se em conta o ano atípico por causa da Covid-19, foi um crescimento expressivo, embora abaixo da média dos anos anteriores. ‘Nos últimos 15 anos, crescemos sempre a uma taxa de dois dígitos, ano após ano’, afirma Sissi.
Ainda que o controle da pandemia permaneça nebuloso, a Granado está otimista. ‘Em 2021, queremos recuperar as vendas que deixamos de fazer no ano passado e voltar a crescer dois dígitos’, diz Freeman.
Até o fim deste ano, a empresa planeja abrir mais oito lojas, ampliando sua rede para 90 unidades. Pretende retomar também o plano de expansão da marca no exterior.
A venda de uma participação minoritária de 35% da empresa para a espanhola Puig, dona de marcas de perfumes como Carolina Herrera e Paco Rabanne, em 2016, injetou cerca de R$ 500 milhões na Granado, que ganhou fôlego para dar os primeiros passos para se tornar uma marca global.
A empresa já tem três lojas em Paris, escolhida como base para a distribuição de produtos em toda a Europa.
Um velho sonho de Freeman é abrir uma loja na Inglaterra, seu país de origem. Ele se mostra atento às oportunidades. ‘O aluguel de imóveis em Londres era um absurdo, mas, com a pandemia, muitas lojas fecharam e os preços estão caindo bastante’.
Raio-x
Atual líder da empresa
O inglês Christopher Freeman chegou ao Brasil no fim dos anos 1970, após uma transferência de trabalho. Tornou-se consultou independente e, em 1994, adquiriu a Granado
Contexto histórico
No fim do século 19, as precárias condições sanitárias no Rio de Janeiro propiciaram o surgimento de muitas boticas para manipular medicamentos e bálsamos para aliviar os males da população. A Granado foi uma delas
Visão de negócio
O imigrante português José Antônio Coxito Granado fundou a Pharmácia Granado com o objetivo de produzir medicamentos que competissem com importados da Europa. Hoje os novos produtos mantêm elementos que remetem à sua história
Receita de longevidade
Modernizar sem abrir mão da tradição. A Granado procura aproveitar o legado acumulado em 150 anos de história, lançando produtos e abrindo lojas que remetem ao seu passado
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