Projeto de cisão para Avon Internacional prevê listagem, mas será preciso enxugar estrutura e atrair investidores ao negócio
A Natura vai centrar seus esforços em suas operações da América Latina e no plano que está sendo traçado para os ativos da Avon Internacional, concentrados em 37 países entre Europa, África e Ásia – uma boa parte considerada pouco estratégica para os negócios do grupo.
Fábio Barbosa, presidente da holding da gigante brasileira de cosméticos, coordena os estudos com um grupo de advogados e bancos para atrair investidores para a divisão fora da América Latina. “Nosso negócio hoje não é expansão, não é pensar novamente em operações internacionais nem aquisições. Eu brinco que, se alguém falar de aquisição aqui, ponho para fora da sala”, disse o executivo em entrevista ao Valor.
Há quase dois anos à frente do grupo, Barbosa, que estava no conselho de administração da companhia, foi “convocado” pelos três fundadores da Natura – Antônio Seabra, Guilherme Leal e Pedro Passos – para reestruturar a empresa, altamente endividada em 2022 e com resultados fracos.
De lá para cá, o grupo vendeu dois importantes símbolos do processo de internacionalização da companhia – a marca de luxo Aesop, por US$ 2,6 bilhões para a francesa L’Oréal, e The Body Shop, por 207 milhões de libras, para a gestora Aurelius, por um quinto do 1 bilhão de libras pago pelo ativo. O desafio está na estruturação da Avon Internacional.
Para o executivo, as sinergias entre Natura e Avon na América Latina estão claras e os investimentos nas marcas serão retomados, com a Natura como âncora. “A gente quer consolidar nossa liderança no Brasil, trabalhar nas margens e integrar a Avon dentro das operações de Natura em toda a região.”
A ideia agora é listar o segundo negócio em bolsa, atraindo investidores que não têm interesse necessariamente em ativos da América Latina. As operações da Natura &Co já são tratadas pela companhia de forma distinta, inclusive na divulgação de resultados financeiros. João Paulo Ferreira responde por América Latina e Kristof Neirynck pela outra divisão.
O formato, contudo, está em estudo, mas a pergunta que fica no mercado é: como atrair capital para um negócio que não é considerado mais o “core” da Natura?
Do pacote de 37 países da Avon Internacional, são poucos os mercados mais relevantes para essa divisão de negócio, como parte do leste europeu, África, Oriente Médio e a Ásia. A Rússia tornou-se um ponto sensível, sobretudo com a guerra na Ucrânia. Em algumas regiões, a Avon deve limitar sua presença à distribuição de produtos. Não será o caso da Polônia, por exemplo, que conta com um complexo fabril e uma área administrativa já estruturada.
“A estratégia é rentabilizar as operações da Avon Internacional, estancar a queda das receitas e escolher os países com maior potencial e rentabilidade em detrimento dos que não têm”, disse Barbosa.
A cisão dos negócios – e eventual listagem, como pretende o grupo – permitirá uma visibilidade distinta das operações do grupo no mercado, afirmam analistas ouvidos pelo Valor. “O que não está claro ainda é como vai ser a alocação de ativos e passivos entre as duas empresas separadas. Talvez a Avon Internacional tenha de ter caixa, mas não sabemos quanto vai ser alocado lá. Ainda é preciso aguardar por desdobramentos da cisão como acordos comerciais”, apontou Vinicius Strano, do UBS.
Não está claro como será a alocação de ativos e passivos entre as duas empresas”
— Vinícius Strano
João Soares, analista do Citi, vê sentido na cisão como forma de simplificação dos negócios e reconhece que as operações da Avon Internacional são “completamente diferentes” da atuação da holding na América Latina, em aspectos como rentabilidade e execução de risco. A integração entre as marcas Avon e Natura na América Latina deve acentuar ainda mais as diferenças entre as duas operações. “A grande questão é em relação aos royalties que a operação da América Latina pagaria para Avon.”
A Natura ainda não tem resposta para parte dessas questões, mas sinaliza que mercados mais importantes para o grupo vão receber mais investimentos. “A ideia é listar, mas é preciso efetivamente entender a complexidade e os passos necessários que passam pela questão tributária, financeira e organizacional para ter a clara compreensão do apetite do investidor, de maneira que ele possa ser beneficiado com essa decisão, não prejudicado. É importante dizer que os acionistas, se o assunto for adiante, serão os mesmos inicialmente nas duas [empresas]. Depois cada um se posiciona como quiser.”
Com carreira consolidada no mercado financeiro, Fábio Barbosa, que completa 70 anos em outubro, recebeu um mandato claro ao deixar o conselho da companhia para assumir o comando da companhia para “arrumar a casa”.
“A primeira delas foi trabalhar a estrutura financeira. O grupo estava com endividamento alto. Foi preciso sanear essa questão. O segundo mandato, vamos dizer assim, era a simplificação da estratégia e estrutura organizacional que havia sido montado para lidar com várias operações mundo afora. E, inclusive, criando uma holding relevante naquele momento em Londres. Tivemos de simplificar a estrutura administrativa e a estratégia. E terceiro, recuperar as margens e lucratividade.”
A venda da Aesop foi importante para reduzir a alavancagem – já com o desinvestimento da The Body Shop, o objetivo foi a simplificação estratégica do grupo, uma vez que essa marca tinha uma atuação menor no varejo no Brasil, mas muito grande, especialmente na Inglaterra, Estados Unidos e Austrália, e foi duramente impactada pela covid-19, como as operações de varejo de forma geral.
Em 2023, a Natura teve lucro líquido de R$ 2,9 bilhões, revertendo prejuízo de R$ 2,8 bilhões do ano anterior, e encerrou o ano com caixa líquido de R$ 1,7 bilhão. O quarto trimestre, porém, teve prejuízo de R$ 2,7 bilhões. Com a venda da Aesop, R$ 7,6 bilhões foram para pagar dívidas, que, em 2022, estavam em R$ 7,4 bilhões. Com isso, o grupo passou a ter uma posição líquida de caixa de R$ 1,65 bilhão. A companhia anunciou quase R$ 1 bilhão em dividendos.
Barbosa disse não ter um prazo para deixar o dia a dia do grupo. “No momento, não tenho nenhum outro plano a não ser consolidar Avon e Natura na América Latina e equacionar a Avon Internacional.”
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