A líder do ranking investiu 2,4% da receita de R$ 14,4 bilhões em P&D e fez da inovação um meio para gerar benefícios econômicos, ambientais e para a comunidade
Pioneira em integrar metas de sustentabilidade ao seu negócio, a Natura se impôs nos últimos anos um desafio mais ambicioso: gerar impacto econômico, social e ambiental positivo com sua atividade. É mais do que compensar as emissões de carbono decorrentes da produção e distribuição de cremes, xampus e batons com o plantio de árvores ou projetos de recuperação de nascentes. É considerar, por exemplo, que benefício será gerado para a comunidade da região de onde é extraído o insumo de um produto, antes de investir em seu lançamento. Ou pesquisar um uso novo (e rentável) para um material que seria descartado em determinado processo produtivo.
Este é o norte do trabalho de inovação da companhia. “Para nós, só é inovação se tiver impacto positivo”, diz Roseli Mello, diretora global de inovação da Natura. A importância de olhar para o todo ficou mais atual do que nunca, diante da disseminação global da covid-19. “Acho que a pandemia trouxe muito dessa interdependência”, acrescenta a executiva. “Não adianta eu estar sozinha bem, num ambiente que não está bem.” Não à toa, a Natura alcançou neste ano a primeira posição no ranking das 150 empresas mais inovadoras, elaborado pela Strategy& – consultoria estratégica da PwC – para o anuário Valor Inovação Brasil.
Uma conquista recente retrata bem como esse conceito é colocado em prática. A Natura foi a primeira empresa brasileira de cosméticos a obter, no ano passado, o registro de uma “patente verde” do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), ligado ao Ministério da Economia. Pesquisadores da empresa, em conjunto com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), de São Paulo, desenvolveram uma técnica para aproveitar os resíduos gerados com a extração de óleo de um ingrediente da Amazônia usado em cosméticos da marca. Antes, a biomassa formada por essas sobras era usada como adubo ou como ração. Agora, servirá de insumo para um novo produto para a pele, a ser lançado até o início do ano que vem.
“Temos várias linhas de pesquisa em biotecnologia que buscam um destino mais nobre para os resíduos que a gente gera, porque aí aumentamos também a renda e o desenvolvimento na comunidade onde acessamos nossos ingredientes”, explica Roseli. “Foi o que aconteceu com essa biomassa específica para a qual conseguimos a patente verde.” O ingrediente que serviu de base para a pesquisa ainda é mantido em sigilo pela empresa.
No ano passado, a companhia investiu 2,4% de sua receita líquida, de R$ 14,4 bilhões, em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Os estudos culminaram no lançamento de 330 produtos, 41% mais que em 2018. Quase 60% da receita bruta do grupo é gerada por itens colocados no mercado nos últimos dois anos. Os projetos são desenvolvidos nos dois centros de inovação da Natura no país: um localizado em sua sede, em Cajamar (SP), e outro em Benevides, no Pará, no meio da floresta amazônica. O trabalho com ativos da biodiversidade brasileira é uma das marcas da companhia. A empresa tem registrados mais de 30 ativos proprietários.
Segundo Roseli, os avanços da área de P&D do grupo têm sido impulsionados principalmente pela combinação de genômica – ramo da genética que faz o sequenciamento do DNA – com ciência de dados. “Hoje, praticamente não tem projeto que a gente não use a ciência de dados. Aumenta a produtividade, porque permite olhar para muitos genes ao mesmo tempo”, ao mesmo tempo”, afirma. Essa combinação, trabalhada mais intensamente pela companhia a partir de 2016, reduz em 40% o tempo de análise para se chegar à vocação de um ativo e sua aplicação ideal.
Desde o momento de bioprospecção, quando o estudo de uma semente ou planta começa, com a extração de seu óleo, manteiga ou extrato, até a composição de uma fórmula que será o protótipo de um cosmético, são feitas análises físico-químicas e sensoriais, que revelam diversas características – se o ingrediente ativa a fabricação de colágeno ou se tem ação no folículo capilar, por exemplo. Todas estas informações compõem um grande banco de dados, cujo cruzamento e simulações permitem chegar às melhores combinações antes da fórmula ir para a bancada do laboratório.
Tome-se como exemplo o patauá, um fruto originado de uma palmeira da Amazônia que é a base de uma linha de produtos lançada em 2018. Por meio do mapeamento dos genes desse ingrediente, a Natura descobriu propriedades capazes de aumentar a velocidade de crescimento do fio de cabelo. “Com todas essas pesquisas, sei exatamente o que deve entrar na formulação, nem mais, nem menos, para chegar a esse resultado”, conta Roseli.
“Em paralelo, uma equipe identifica como vamos manejar essa árvore, em qual época do ano tirar a semente, como deve ser conservada para estruturarmos uma cadeia de comércio justo com rastreabilidade, em que o benefício volte para a comunidade de onde tiramos esse ativo”, acrescenta.
Este processo ficou ainda mais ágil no ano passado, com a inauguração de um novo laboratório de fórmulas em Cajamar, que permite integrar todos os dados gerados desde a fabricação de protótipos, que são as fórmulas testadas para dar origem a um produto. Por ano, a área de inovação trabalha com cerca de dois mil protótipos em diferentes fases de desenvolvimento. “A gente chega a usar o equivalente a 300 computadores para poder processar os dados”, conta Roseli. A empresa tem um acordo com o Google, que disponibiliza espaço na “nuvem” computacional de acordo com a necessidade para aquela semana ou dia.
Além do investimento interno em P&D, a companhia também se apoia na inovação aberta, fomentando contribuições da comunidade acadêmica, fornecedores e startups de diversas áreas. A gama de atores envolvidos nesse processo aumenta a cada ano. Em outubro do ano passado, a Natura fez o maior chamado de inovação aberta de sua história, o desafio “Natura Innovation Challenge – Zero Waste Packaging”. O objetivo era receber projetos que envolvessem a redução de resíduos e de embalagens em qualquer uma das etapas da atividade cosmética, do desenvolvimento de produtos e sua fabricação, até sua distribuição e consumo.
O programa teve participação da comunidade científica, empresas e startups, colaboradores, consultoras da marca e até do público em geral. Ao final, recebeu 570 propostas, de 35 países. “Essa é a expansão [que temos buscado], usar de fato toda a rede que está conectada à Natura e que pode contribuir olhando o desafio de resíduos cada um do seu lugar afirma Roseli. Oito projetos foram pré-selecionados e três foram escolhidos para seguir em desenvolvimento conjunto com pesquisadores da Natura. No momento, estão em fase de testes.
A capacidade de olhar o todo e entender demandas diversas de toda sua cadeia de relações – dos funcionários e consultoras ao consumidor – ajudou a companhia a obter bons resultados mesmo durante a pandemia. A empresa criou protocolos e se organizou de forma a manter, de maneira segura, a produção de itens de higiene e viabilizar a fabricação de álcool em gel. Paralelamente, desenvolveu novas ferramentas digitais para que suas 1,5 milhão de consultoras mantivessem o contato com seus clientes. Com estas e outras medidas, a receita da marca Natura cresceu 7,9% no Brasil no segundo trimestre do ano. As vendas, que chegaram a cair 23,5% em abril – período de adaptação ao novo cenário –, cresceram 23,6%em maio e 29,4% em junho, na comparação com os mesmos períodos de 2019.
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