Pelo vidro de um dos laboratórios da fábrica da Natura, em Cajamar, no interior de São Paulo, é possível ver uma jovem aprendiz misturar com conta gotas essências e álcool para a produção de uma nova colônia. A composição passa pelas mãos de uma assistente perfumista até chegar ao crivo de Verônica Kato, profissional da área de assinatura já conhecida. O trabalho é um misto de alquimia, uso de dados e neurociência, além de boas pitadas de marketing. Desse processo chegarão cerca de seis amostras para a equipe de marketing, que deve escolher em torno de três para serem submetidas a pesquisas, a fim de validar qual agrada mais ao público e produz as emoções que a criação se propôs a estimular.
Há cerca de dois anos, a Natura passou a empregar pesquisas de neurociência no desenvolvimento de novos perfumes. A companhia também reformou recentemente todo o prédio de laboratórios de perfumaria e decidiu marcar os investimentos em tecnologia com a inauguração de uma exposição multissensorial que deve ser aberta futuramente às revendedoras da empresa e ao público em geral. Ao fim da visita, o público se depara com uma parte dos novos laboratórios. No local, onde o Broadcast visitou, são produzidos cerca de 16 lançamentos por ano.
O desenvolvimento de um novo produto pode levar de seis meses a dois anos. O prazo menor é para novas edições de marcas já existentes. Nesse caso, a equipe parte de um “caminho olfativo” já trilhado. Ou seja, a base da criação e dos ingredientes já existe. O prazo mais longo é para a criação de um produto completamente novo, e, aí, o caminho precisa ser pavimentado. Como todo processo que envolve criatividade, os fluxos não são sempre lineares. A diretora global de perfumaria da Natura, Denise Coutinho, diz que a perfumista e sua equipe muitas vezes trabalham espontaneamente em determinadas criações que, lá na frente, acabam se encaixando em uma ideia de lançamento proposta pelo marketing.
No geral, o fluxo se dá assim: a estratégia de marketing cria um projeto com diretrizes do que a nova fragrância tem de atingir. Ali é definido, por exemplo, o público-alvo e quais emoções o novo cheiro tem de causar para atingir seus objetivos. A partir daí, com base em dados já catalogados, a perfumista passa a selecionar os ingredientes de sua nova receita, que conhecidamente despertam essas sensações. Depois de testar as melhores proporções, sua equipe envia as opções de volta à equipe de marketing para que sejam selecionadas quais irão para a fase final de pesquisas. Nessa última etapa, se encaixa um processo relativamente novo.
A pesquisa neurocientífica busca avaliar com respostas rápidas, de menos de um segundo, quais sensações o perfume provoca. Por meio desse resultado, e dos dados coletados sobre a agradabilidade dos produtos por parte do público, é que é feita a escolha para o lançamento. Por vezes, mais de uma opção tem resultados promissores. Quando isso acontece, uma delas fica em modo de espera e continua a ser aperfeiçoada para lançamentos futuros. Assim, uma série de novas ideias podem ser tocadas simultaneamente, o que permite o alto número de novos produtos anualmente. Alguns deles podem ser virtuais, ou seja, durar apenas por determinado tempo, sem se tornar personagem fixo do elenco de perfumes da marca.
Tecnologia
Denise conta que a Natura ainda faz parcerias com empresas de tecnologia e startups para buscar inovações na área, seja para o desenvolvimento de produtos, ou para ações junto ao público. Exemplo disso, foi o tablet que produz cheiros, lançado pela marca ainda em 2020 como uma ferramenta de vendas em lojas do grupo. Além da exposição “A Casa de Perfumaria do Brasil”, a ser lançada amanhã (10/02), a marca ainda deve propor mais ações do tipo para interagir com o público.
A nova exposição busca criar um tipo de imersão nos ingredientes e inspirações da marca. A intenção é capturar tanto o público de revendedoras do Brasil, quanto dos países vizinhos, além dos grupos de estudantes, pesquisadores, entre outros, que já visitam diariamente as instalações da empresa em Cajamar.
Em 2020, a empresa direcionou R$ 233 milhões para projetos de inovação, incluindo os laboratórios do Centro de Inovação, onde a Casa de Perfumaria está localizada, uma expansão de 9% em relação a 2019. “Isso equivale a um investimento de 2,1% da receita líquida em inovação. Nesse mesmo ano, lançamos 211 produtos e publicamos 38 patentes, registrando o índice de inovação mais alto dos últimos cinco anos, 67,1% – que mede participação da venda de produtos lançados nos últimos 24 meses sobre a receita bruta total dos últimos 12 meses”, afirmou a companhia em nota.
A empresa não abre o quanto o segmento de perfumaria representa do negócio, nem informou o montante exato investido na reforma dos laboratórios da área. No último balanço divulgado ao mercado, referente ao terceiro trimestre de 2021, a Natura &CO teve queda de 8,4% em sua receita líquida, somando R$ 9,5 bilhões, o Ebitda ficou em R$ 953 milhões, com queda de 34,5%. O consumo de caixa foi de R$ 672,9. O resultado repercutiu mal no mercado e a companhia citou como justificativas o impacto da pandemia, aumento de capital de giro em razão do aumento de estoques e a retomada de investimentos (capex) da empresa, sem citar valores.
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