Em entrevista exclusiva ao NeoFeed, o dono da rede varejista fala sobre novos hábitos que permanecerão para sempre depois da crise do coronavírus, um novo jeito de trabalhar que implementará na sua empresa, analisa o impacto do lockdown no varejo e as medidas do governo

O fechamento abrupto de lojas e shoppings ao redor do Brasil criou dois problemas para o empresário João Appolinário, CEO e fundador da Polishop e uma das estrelas do programa Shark Tank Brasil.

O primeiro foi o de interromper as vendas do varejo físico, que representavam 78% do faturamento da empresa. O segundo foi o de ter de mudar boa parte de seu modelo de negócios.

A Polishop, com 278 lojas espalhadas pelo País, trabalha no melhor estilo omnichannel. Dentre os vários formatos, ela vende na internet e usa a loja como um ponto de distribuição.

Justamente por isso, 60% de seu estoque estava nos pontos de venda que foram fechados. Para conseguir atender seus clientes, ele teve de montar uma operação de guerra, retirar os produtos das lojas e voltá-los para o Centro de Distribuição da empresa.

Agora, trabalha para fortalecer outros canais de venda e preservar os empregos de seus 3,2 mil funcionários. Ao mesmo tempo, começa a exercer o seu otimismo e enxergar novos tempos para a Polishop depois dessa crise.

“O eixo do consumo daquilo que as pessoas valorizam mudou completamente”, diz Appolinário ao NeoFeed. E prossegue. “O hábito mudou, as pessoas estão valorizando produtos inovadores como os que vendemos.”

Na entrevista que segue, ele diz que vai adotar o home office em vários departamentos mesmo depois de a pandemia passar, fala sobre a operação, o que está fazendo para manter a empresa e o que espera do governo. Acompanhe:

Passadas essas duas semanas de shoppings fechados e lojas fechadas, qual é situação?
As lojas físicas até então representavam entre 73% e 78% do total das nossas vendas. E é onde nós temos a maior vertical de pessoas e o maior custo de aluguel.

São quantas lojas no total?
São 278 lojas. Mas é importante dizer que, dentro do nosso modelo, que é omnichannel, as nossas lojas são integradas com outros canais de venda. Ou seja, a pessoa compra pelo site e busca na loja, compra pelo site e recebe da loja mais próxima para ter uma entrega mais rápida. Os vendedores do porta em porta se abastecem com os produtos da loja. Os nossos canais não são independentes. Não tenho um e-commerce independente da minha loja, não tenho um porta em porta independente da loja. Usávamos as lojas para atender outros canais. Todo o processo de omnichannel é integrado. Na hora que tem o fechamento de lojas, você quebra a engrenagem.

Então o fechamento das lojas não prejudicou apenas as vendas do varejo físico, também mexeu com as vendas online…
Exatamente isso. O modelo omnichannel não previa fechar todas as lojas, ao mesmo tempo, da noite para o dia. Tenho, por exemplo, produtos que estão nos estoques das minhas lojas, mas que acabaram no nosso centro de distribuição.

Mas você não pode buscar esses produtos nas lojas?
Nas lojas mais próximas, estamos fazendo uma logística reversa. Mas é meio que uma operação de guerra. Você ir lá, desmontar uma loja, pegar todo o estoque e trazer de volta para o seu Centro de Distribuição já é um custo e uma operação bem complicada. Tem de fazer notas de devolução, negociar com os shoppings que estão trancados, que não te permitem entrar.

Vocês não podem entrar nos shoppings onde têm lojas e pegar os produtos?
Eles permitem, mas não é algo automático que você chega lá e entra. Você tem que pedir autorização e não é um processo simples. E cada shopping tem uma regra específica. Acho que houve uma falha porque deveria fechar o shopping para o público e não para os lojistas.

O que isso representaria?
As lojas poderiam mandar um representante e todas aquelas vendas feitas pelo aplicativo poderiam ser entregues pelas lojas. Poderiam virar lojas delivery. Os restaurantes não fizeram isso? As lojas poderiam ter feito também.

“Usávamos as lojas para atender outros canais. Todo o processo de omnichannel é integrado. Na hora que tem o fechamento de lojas, você quebra a engrenagem”
E produtos que estão em outros Estados, como trazer para o seu Centro de Distribuição?
Quando você manda um produto para outro Estado você tem que recolher o imposto antecipadamente. Ou seja, paguei o imposto para ir para aquele Estado e agora tenho de trazer ele de volta. Nesse momento de dificuldade de caixa, se eu vender, tenho de pagar o imposto novamente. Tem uma parte tributária a ser verificada e isso também significa custo. Essas engrenagens não foram discutidas com os setores para ver como seria feito o fechamento. Não foi tomado esse tipo de cuidado.

Quais outras dificuldades você tem encontrado?
Estamos tendo problemas de logística com os caminhões nas estradas. Estamos tendo muita dificuldade em trazer essas mercadorias de volta e na entrega do produto vendido pelo e-commerce. Estamos tendo de administrar produto a produto, caso a caso.

Quanto do seu estoque estava em loja?
Algo ao redor de 60%. Quando digo loja são produtos que já não estavam no meu Centro de Distribuição. Tem muita coisa em transportadora, em trânsito. Nessas duas últimas semanas tivemos de mudar toda a estrutura da empresa. Mas tem coisas boas.

Quais coisas boas?
Descobrimos que existem departamentos e situações que existem no nosso escritório que nunca mais teremos internamente no nosso espaço porque não precisa. Estão tendo performance tão boa ou melhor até do que se estivessem no próprio escritório.

Quais áreas?
Por exemplo, o nosso call center, que conta com cerca de 300 pessoas. Passamos ele para home office, as pessoas vão lá, se logam e hoje têm apresentado uma performance muito melhor trabalhando de casa. Imagina que muitos levavam duas horas de transporte para chegar no trabalho, ficavam no escritório por um turno de seis horas e levavam mais duas horas para chegar em casa. Ou seja, para trabalhar seis horas, ficavam quatro horas se locomovendo. O mundo está descobrindo oportunidades num momento de crise. A crise sempre traz benefícios, por mais que seja uma crise.

“A crise sempre traz benefícios, por mais que seja uma crise”
Então, passada a crise, eles começarão a trabalhar em casa?
Sim, vai permanecer o que está acontecendo hoje. O SAC também ficará em home office. E a empresa terá economia de vale transporte, os funcionários terão economia de tempo. Estamos estudando também para que a nossa agência interna de propaganda e criação faça o mesmo. Isso não é novidade, já sabíamos disso, mas não tínhamos vivido isso na prática. E está dando certo. São vários paradigmas que estão sendo quebrados. Aquela necessidade de ter todo mundo ali, os funcionários entrando e saindo, mudou.

O que mais essa crise trouxe de mudança para o seu negócio?
Olhando no médio e no longo prazos, acho que a Polishop será mais valorizada do que ela é hoje. Nossa preocupação sempre foi vender benefícios para as pessoas. As pessoas nem sempre valorizavam os produtos inovadores que tínhamos, achavam que eram inúteis ou supérfluos. Por quê? Porque no Brasil a gente tem uma mão-de-obra barata, tinham pessoas fazendo aquilo, as pessoas não tinham tempo para ver a cozinha, o piso. Agora, as pessoas estão preocupadas com isso, estão dando valor para esses produtos que têm benefício, como máquinas que higienizam com vapor, panelas elétricas, aspirador de pó que é um robô.

Você acha que isso vai ficar?
Acho que o eixo do consumo mudou completamente. As pessoas estão valorizando outras coisas. Você acha que as pessoas vão deixar de comprar álcool em gel quando essa pandemia passar? Provavelmente não. As pessoas mudaram seus hábitos. É a mesma coisa com os equipamentos de ginástica que passamos a vender bastante agora nessa crise, as pessoas estão fazendo exercício em casa. Não vejo, no dia seguinte ao fim dessa crise do coronavírus, todo mundo indo nas academias. Ali você tem contato com o suor dos outros, tocando em todos os aparelhos, respirando no mesmo lugar, e você começou a dar valor para a sua saúde de uma forma diferente do que você dava antes.

Essa crise é ruim, mas você está conseguindo enxergar oportunidade…
O que eu vejo é que está tendo uma aceleração na percepção de valor da inovação. A indústria investe milhões por ano em inovação e, muitas vezes, essa inovação não é valorizada no dia seguinte. As pessoas estão entendendo mais aquela inovação e o benefício que traz para elas.

“Está tendo uma aceleração na percepção de valor da inovação”
As vendas do e-commerce estão conseguindo suprir as vendas do varejo físico?
No Brasil, as vendas online representam entre 4% e 5% das vendas do varejo. No nosso caso, estamos tendo crescimento grande no online e no call center. Antes, as vendas fora dos estabelecimentos físicos representavam 22% e agora já representam 32%. Mas o varejo físico, as lojas, são muito importantes, são quase 300 lojas.

Aliás, qual foi a política adotada com os funcionários das lojas?
Pagamos banco de horas, colocamos outros em férias e a minha prioridade é manter as pessoas. Até onde der, evidente que isso não é infinito, quero preservar os empregos. Até agora não tomamos nenhuma decisão de corte. Ainda. Porque também temos limite e temos de preservar o nosso caixa hoje para poder pagar os salários das pessoas amanhã. Não temos claro se vai ter uma ajuda do governo em relação a isso, mas tenho na minha cabeça que não posso deixar as pessoas sem comer. E, localmente, cada loja tem seu Instagram, mantendo contato com os seus clientes, fazendo um trabalho virtual com os públicos que eles atendem.

Você tem caixa para aguentar quanto tempo?
O varejo trabalha da mesma forma: não pode parar de vender. Estou priorizando o meu caixa com as pessoas, pequenos fornecedores. Por enquanto foram duas semanas, estamos entrando no mês de abril e temos um comitê de crise para avaliar. Nossas resoluções são diárias. Falo internamente que temos que pensar no curto, médio e longo prazos. Mas as nossas ações têm de ser diárias. Todo dia nos reunimos as 14h, cinco pessoas apenas, e saímos de lá com os deveres de casa do que faremos no dia seguinte.

“Agora está cheio de palpiteiros e todos viraram ‘especialistas’ em vírus e bactérias”
Como você está enxergando a atuação do governo nesse processo?
Estou procurando hoje manter o meu negócio sustentável porque ali tenho, direta e indiretamente, uma grande quantidade de vidas que dependem dele. A nossa decisão interna é ‘temos que olhar o dia a dia o que está acontecendo de fato, não o que estão falando’. Não quero saber o que estão falando, só aquilo que virou norma. Já falaram que tem dinheiro, um monte de coisa. Mas não é nisso que estou me baseando, apenas no que é concreto. Por isso, nossas medidas e decisões estão acontecendo diariamente.

E as medidas do governo têm sido concretas?
Por enquanto, na ponta, chegou muito pouco. As medidas foram tomadas, mas acho que o governo vai operacionalizar essas medidas.

Sob o ponto de vista de postura dos governos, faz o lockdown ou não faz? É uma gripezinha ou não é?
Eu procuro me colocar da seguinte forma: na minha empresa, eu tenho especialistas. Tenho o diretor financeiro, o diretor comercial, o diretor de RH, o diretor jurídico. Então, por mais que eu seja o coordenador disso tudo como CEO, eu escuto o que esses especialistas falam. Os governadores, estão cada um deles, escutando os seus especialistas na área de saúde. Não quero tirar conclusões minhas sobre isso. Agora está cheio de palpiteiros e todos viraram “especialistas” em vírus e bactérias, já tenho problema para resolver. Vamos seguir o que cada Estado disser o que temos de fazer.

Falando em especialista, o ministro da Saúde (Luiz Henrique Mandetta) é um especialista e o presidente não segue as recomendações dele. Saiu às ruas, no fim de semana passado, em Brasília…
O especialista vê o problema só médico e também tem o problema econômico. É uma situação muito complicada, não condeno e nem aplaudo. Já está faltando alimento na boca do povo. Quando o presidente saiu, ele foi perguntar para o povo sobre o que estava acontecendo.

Mas não dá para minimizar os efeitos da doença, dizer que é uma gripezinha…
Não, de jeito nenhum. Não acho que seja e as pessoas não têm como saber. Para muitas pessoas, de fato, é um resfriadinho. Mas para outras pessoas é letal, isso já está sendo comprovado. Se você pegar uma pessoa que mexe com estatística, ela vai dizer que a fome mata mais do que o vírus. Mas não é por causa disso que vai deixar o vírus entrar. Como eu já tenho decisões muito difíceis para tomar, para as pessoas que estão do meu lado e para quem depende diretamente do negócio Polishop, estou me limitando a cuidar desse assunto. Não estou entrando no outro assunto, não vai resolver ficar tendo histerismo de um lado ou do outro. Temos de acreditar nos nossos governantes e lá na frente veremos o que vai acontecer.

Como você definiria a situação que estamos vivendo?
É uma coisa jamais imaginável.

Fonte: https://neofeed.com.br/blog/home/o-eixo-do-consumo-mudou-completamente-diz-joao-appolinario-ceo-da-polishop/

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