Inflação crescente, impacto cambial e aumento do preço de matérias-primas e commodities têm comprometido as margens da multinacional brasileira

Maria Aparecida Pereira Toscana, 59 anos, não faz ideia de quem seja Fabio Barbosa. Não sabe que o comando das marcas Natura e Avon, que ela revende há quase 30 anos, passou há cinco meses às mãos do executivo -que traz no currículo a presidência do Santander Brasil e da Febraban (Federação Brasileira de Bancos). 

Mas existe uma coisa que ela tem estranhado: o preço dos produtos já subiu duas vezes neste ano e deve subir a terceira em dezembro. “E muito produto tem ficado em falta. Mal começa um ciclo de promoções, de que todo mundo está atrás, e eu quase não consigo fechar o primeiro pedido, já esgotou”, diz Cida, dona de um ponto de venda em uma galeria, na zona oeste de São Paulo. “Ou os produtos estão com limite de compra, o que é ruim, porque não consigo atender minhas clientes.”

As observações de Cida refletem a ponta de um iceberg que a multinacional brasileira de cosméticos Natura&Co. -dona das marcas Natura, Avon, The Body Shop e Aesop- vem tentando contornar com mais afinco desde a contratação de Barbosa, que já fazia parte do conselho de administração da companhia. 

A inflação crescente nos principais mercados do grupo -Europa e América Latina-, acompanhada do impacto cambial, do aumento do preço de matérias-primas e commodities, como óleo de palma, resinas e plásticos, têm comprometido as margens da multinacional brasileira.

Outros impactos são a guerra na Ucrânia (que aumentaram os custos com energia, por exemplo) e a queda no poder de compra da população.

O resultado foram menos promoções e falta de produtos com preços atrativos.

A julgar pelos resultados do terceiro trimestre da companhia, divulgados na noite de quarta-feira (9), ainda há muito trabalho a fazer. O grupo amargou prejuízo de R$ 559,8 milhões entre julho e setembro deste ano, contra um lucro de R$ 272,9 milhões no terceiro trimestre do ano passado. A receita líquida caiu 5,7% no período, na comparação anual, para R$ 9 bilhões.

O Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização), que mede o potencial de geração de caixa de uma empresa, recuou 5,7%, para R$ 772,5 milhões.

Apesar de ruins, os números do terceiro trimestre -o primeiro sob a gestão de Barbosa-, são quase um alento considerando o acumulado dos primeiros nove meses de 2022, na comparação anual: prejuízo de R$ 1,97 bilhão (frente a lucro de R$ 352,6 milhões), queda de 9% na receita líquida, para R$ 25,9 bilhões, e Ebitda 20% menor, para R$ 2,06 bilhões.

“É claro que não estamos satisfeitos com estes números”, disse Barbosa nesta quinta-feira (10), em teleconferência com analistas e, depois, com a imprensa. “Nossa prioridade é melhorar as margens e o fluxo de caixa.”

Spin-off, IPO ou sócio são opções para a lucrativa Aesop

Uma queda de quase 70% no valor das suas ações negociadas na B3, a Bolsa de Valores brasileira, separa a Natura de novembro de 2021 da Natura de hoje. Em 10 de novembro do ano passado, as ações ordinárias, com direito a voto (ON), eram negociadas em torno de R$ 40. Nesta quarta-feira (9), fecharam o pregão cotadas a R$ 13,14. No período, o Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, subiu cerca de 4%.

Após comprar a australiana Aesop em 2013, a Natura adquiriu a britânica The Body Shop em 2017 e a americana Avon, em 2019. Com isso, tornou-se a Natura &Co., com a proposta de virar uma plataforma global de marcas de beleza, no estilo L’Oréal.

Mas a companhia ficou grande e complexa demais para lidar com rapidez com problemas distintos em diferentes regiões geográficas. Foi obrigada a descentralizar as tomadas de decisão.

Com a vinda de Barbosa, a empresa anunciou uma reestruturação, a fim de tornar a holding mais leve e eficiente. O grupo também estuda “destravar valor” da sua marca de luxo, a Aesop, que tem um plano de expansão consistente na China: a primeira loja da marca foi inaugurada neste ano em Xangai.

Para isso, estuda um IPO (oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês), um spin-off (a empresa passa a ser independente do grupo) ou um novo sócio para a marca, vindo do mercado de private equity.

Quanto à desvalorização recorde das ações da companhia, Barbosa afirma que a recuperação dos papéis virá como consequência da implementação das ações da companhia para aumentar as margens e as sinergias entre Avon e Natura, especialmente na América Latina, com destaque para Brasil, Colômbia e Peru em 2023. “É preciso acelerar esta integração e a reorganização do grupo.”

Segundo Barbosa, o quarto trimestre da empresa vai ser “muito forte”, mas ainda com margens pressionadas, por conta da inflação.

Para analistas, grupo pode vender operações da Avon International

Na opinião de Thiago Macruz, analista do Itaú BBA, a Natura se tornou uma empresa pesada, principalmente depois da aquisição da Avon, com várias áreas de suporte a cada marca.

“Mas, com a chegada de Barbosa, a gente percebe um esforço do grupo em criar maior autonomia para diversas áreas, descentralizando as tomadas de decisão, o que tende a deixar a empresa mais ágil.”

Para Macruz, a Natura deve se voltar à América Latina, seu principal mercado. Na região, a receita líquida cresceu 10% no terceiro trimestre, na comparação anual.

Já na Europa, a empresa está mais exposta à inflação e às pressões de custo, como reflexo da guerra na Ucrânia. “Não me surpreenderia se o grupo vendesse algum ativo no exterior para gerar caixa, como operações da Avon International ou da The Body Shop”, afirma o analista.

No terceiro trimestre, a receita líquida da Avon International (que engloba todas as operações da Avon fora da América Latina) caiu 8,1% em moeda corrente. Na The Body Shop, a queda foi de 19,5%. Já a Aesop registrou alta de 21,5% no período.

Para Danniela Eiger, analista da XP, também faria mais sentido se o grupo deixasse mercados deficitários da Avon International. “De qualquer forma, a empresa precisa acelerar a integração entre Natura e Avon na América Latina, para gerar mais sinergias”, afirma.

A analista da XP também chama a atenção para os resultados ruins da The Body Shop. “Houve um desbalanceamento da operação no pós-pandemia, com fechamento de canais de venda”, afirma. “A performance da marca é muito aquém do esperado.”

Danniela afirma que, em 2023, a empresa, como todos os grandes grupos de consumo, vai ter que lidar com o aumento da pressão inflacionária, de um lado, e um certo alívio com o controle da pandemia, de outro. “Aqui mais atividades voltaram ao presencial do que na Europa, apesar da nova onda ômicron”, diz.

Para Ana Paula Tozzi, sócia da AGR Consultores, houve um erro estratégico na compra da Avon, com a manutenção das decisões centralizadas na holding. “O back office [funções administrativas] ficou muito pesado”, afirma.

“Os negócios ficaram com pouca autonomia e velocidade de transformação”, diz ela, que acredita que o desempenho das ações na Bolsa deve melhorar.

Ana Paula também espera que a companhia centre esforços na América Latina no ano que vem. “Haverá recessão na Europa em 2023, e 2024 continuará muito ruim”, diz. “Com exceção do mercado de luxo, segmento da Aesop, que vai muito bem.”

Raio-X da Natura&Co.

(Dados de 2021)

Fundação: 1969

Funcionários: 35 mil

Receita líquida: R$ 40,1 bilhões

Lucro líquido: R$ 1 bilhão

Presença: Mais de 40 mercados nas Américas, Europa, Ásia e Oceania

Principais concorrentes: O Boticário, L’Oréal, Nivea

Fonte: https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2022/11/14/internas_economia,1420850/queda-de-70-nas-acoes-e-prejuizo-de-r-2-bi-o-que-ha-com-a-natura.shtml

 

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