Sissi Freeman, diretora da Granado.

Durante a pandemia, a diretora de marketing e vendas repensa procedimentos e investe em iniciativas como reorganização do e-commerce, produção de álcool gel e olhar especial para produtos para se cuidar em casa

As embalagens retrô e a linguagem visual vintage da Granado não são apenas estratégias de mercado. A marca que está prestes a completar 150 anos está há 25 ganhando novos horizontes, mas sempre conectada com sua origem. Adquirida pelo inglês Christopher Freeman em 1994, segue hoje sob o olhar atento e preciso da herdeira Sissi, que chegou na empresa em 2004 para comandar o processo de expansão. Nessa trajetória, coordenou o salto de duas para 82 lojas, chegando a um portfólio de mais de 300 produtos, criação de novas linhas, modernização da marca e redefinição de estilo. E agora assume o desafio de chegar ao público em um momento sensível, em plena pandemia. Ainda assim, os números não param de crescer. Em uma conversa com Marie Claire, Sissi Freeman, diretora de marketing e vendas, 39 anos, nascida em Boston, mãe da Helena e da Luiza, fala sobre a sua chegada na empresa, das mudanças que coordenou e acompanhou, das mulheres nos cargos de chefia, na sua relação com os produtos, em como a Granado está explorando o universo digital para chegar na casa das pessoas e sobre o que as mudanças que estamos enfrentando vão deixar de legado para os métodos de consumo.

A sua família comprou a Granado quando você tinha 14 anos. Que impacto isso teve na sua vida? Você gostava de cosméticos? Experimentava tudo em casa?
Eu sempre gostei. Quando o meu pai comprou a empresa, a Granado fazia, essencialmente, tônicos. Então ele criou muitas linhas, como a Bebê e a Pet, e levava para casa para a gente experimentar tudo. E essa é uma prática que até hoje é mantida. Tanto eu com as minhas filhas (Helena, 4 anos e Luiza, 6 anos), quanto até os próprios colaboradores com suas famílias. É importante saber a preferência das pessoas, conhecer os hábitos, entender a melhor maneira de usar. Meu pai começou isso e a gente continua. As pessoas sempre perguntam sobre o meu produto preferido e é muito difícil porque depois que lança eu nem uso mais. Estou sempre testando os novos, a gente tem muitos lançamentos, então eu mudo muito. A linha Terrapeutics, por exemplo, eu testei inteira. Os sabonetes mudam muito a formulação, surgem novos. Eu testo pessoalmente tudo durante o processo. Como eu tenho a pele muito seca, gosto dos produtos mais hidratantes, com glicerina principalmente. Nossos sabonetes têm manteiga de murumuru, então eu uso sempre. Mas os fornecedores apresentam muitas matérias-primas diferentes. E eu tenho muita curiosidade de testar. Sou cobaia mesmo.

Vocês trabalham majoritariamente para um público feminino. Você ser uma diretora mulher faz diferença?
Para a gente esse é um olhar muito natural, porque a maioria dos cargos de chefia da empresa é de mulheres. A diretora financeira é mulher e as gerentes contábil, de varejo, de controle de qualidade, de produção, de desenvolvimento de produto, todas são mulheres. Todo mundo que visita o escritório fica impressionado com isso. Na verdade, eu sinto essa questão feminina versus presença masculina no mundo corporativo quando eu saio, quando eu fiz o curso em Harvard, quando eu vou dar uma palestra e percebo que a maioria das pessoas à frente de grandes empresas são homens. Mas não é uma realidade que eu viva.
Pode até ser que o fator feminino ajude quando a gente fala de questões mais específicas quando a gente fala de cabelo, de fragrâncias. Mas os homens se mostram muito interessados também. A Granado, por conta do varejo, trabalha com muito lançamento, muita novidade, então todo mundo se envolve. As pessoas ficam muito curiosas. Não sei depois da pandemia, mas até então as pessoas estavam sempre buscando novidades, que eram definitivas para o faturamento das lojas. Então é uma questão bem geral, todo mundo quer saber qual vai ser o perfume do Natal, como vai ser o kit. Todos querem participar, dar opinão.
 

O quadro de chefias femininas já era assim ou mudou quando você chegou na empresa?
Ele cresceu. A diretora financeira e a gerente fiscal já estavam quando eu cheguei. Mas muitas mulheres foram entrando e crescendo. Nossa gerente de varejo começou como menor aprendiz na loja, depois foi vendedora. E ao longo dos anos foi crescendo. A gerente de desenvolvimento de produto foi uma trainee que cresceu e conquistou a vaga. Mas o meu pai sempre diz que as mulheres conseguem fazer mais tarefas ao mesmo tempo, são mais objetivas, mais criativas. Na empresa nunca teve essa questão de salário diferenciado também. Tem zero gap salarial. E acho que isso dá mais conforto para todo mundo, mais motivação, e as pessoas crescem dentro da empresa.

Quando você chegou na empresa, como ela era? Em que fase estava?
Eu vim trabalhar em 2004, tinha 24 anos. Na época, 97% das vendas era atacado, principalmente supermercados, redes de farmácias e drogarias. O mix era bem restrito: sabonete em barra, polvilho antisséptico, alguma coisa de sabonete líquido, e só. E foi o ano em que a gente adquiriu a marca Phebo, da Sara Lee. A gente já tinha comprado a fábrica, mas a marca ainda não era nossa. Então, quando o meu pai comprou a Phebo ele me chamou. Eu morava em Nova York e o meu pai estava negociando com um designer francês, que também morava em Nova York, e eu comecei a fazer as reuniões com ele, o contato. As embalagens não coincidiam muito com a história da marca, elas não conversavam entre elas, e eu acabei me envolvendo nesse redesign – e vim pro Brasil só para esse projeto. E nessa mesma época a Granado começou com o projeto do varejo. A gente tinha duas drogarias, uma na Tijuca e outra no centro do Rio de Janeiro (a primeira, a matriz), e elas não vendiam esse conceito. Então quando a gente foi relançar a marca, como já tinha o acervo, os móveis originais da família Granado, a gente achou que seria bacana relançar dentro desse universo, com essa referência retrô, e começar o projeto de varejo. E também vimos que precisaria de mais produtos, porque não daria para ter uma loja só de sabonetes em barra, e começaram os dois canais. Hoje as lojas são 25% do faturamento e o mix que elas vendem é muito mais para presentes, linhas especiais, colônias, e fomos diversificando. Quando eu cheguei, a venda era muito concentrada em poucos produtos e poucos clientes. A ideia era diversificar a linha para a gente ter outros produtos de sucesso. Se milhares de pessoas usam diariamente o polvilho e elas tem tanta confiança nesse produto, no sabonete de glicerina, será que elas não experimentariam outro produto dessa marca? Hoje a gente tem 82 lojas – 5 Phebo e 77 Granado – três lojas na França e a ideia é essa, diversificar canal, mix, países, para que financeiramente seja cada vez mais saudável, para que a gente não seja dependente de um só perfil de cliente, de um só produto. O que fez com que a gente ficasse mais preservado na crise atual. Se fosse só varejo ou só tivesse medicamento, ou só perfume, estaríamos mais prejudicados. Mas como somos mais diversificados, acabamos sentindo menos.

Quando foi o principal impulso para ampliar a marca?
Quando eu morava fora eu trazia uns produtos que eu gostava, esfoliantes, máscaras de cabelo, e tinha muita vontade de produzir. Na época a gente só vendia em supermercados e farmácias. Hoje as farmácias ampliaram muito o mix de produtos, você encontra muita coisa. Mas na época não era assim. Hoje em dia abriu-se muito espaço para os dermocosméticos. Meu pai sempre achava legal os produtos que eu trazia, mas a gente não tinha onde vender. Não se vendia esfoliantes, velas em supermercado. Então com o varejo a gente conseguiu um canal de venda para criar novos produtos. E acabou ajudando muito a imagem da Granado, que tem um preço acessível mas não é o produto mais barato da gôndola. Quando você pensa na Granado como aquela que tem as lojas e os produtos, apesar de ser um dos mais caros, ele ainda é barato porque é vendido dentro daquela estrutura, a loja com armários de madeira, o conceito todo.
 

Qual foi o primeiro produto do processo de ampliação?
Foram duas linhas: a Terrapeutics (produtos para banho, corpo e casa) e a Pink. No Brasil as mulheres usam muito sandália, sapatos abertos, e não queria passar o polvilho nos pés. Assim como o cuidado com as mãos. A brasileira faz muito manicure. Então a cerinha [Cera Nutritiva Unhas e Cutículas] nos fez ver que existia mercado para esse tipo de produto, para mãos e pés, com essa pegada, e criamos a Pink. Junto com isso veio a onda dos produtos vintage, com ares retrô. E a linguagem das lojas era essa também. Quando a família Granado vendeu a loja para o meu pai eles deixaram um acervo muito rico, e a gente se inspira nele até hoje. Tem um equipe de digitaliza todo esse material, um projeto que começou com a minha mãe. Então está tudo catalogado, os projetos, as parcerias. Fizemos um projeto muito legal com a Clube Chocolate, de empresas antigas no mercado, com uma embalagem diferente. Esses dias me trouxeram do acervo esse projeto, que foi o meu primeiro. O trabalho de marketing dessa época envolvia muitas parcerias com marcas legais, teve a Clube Chocolate, a Isabela Capeto, que começamos o perfume, o Amir Slama, a Isolda. A gente sempre tenta ter essas parcerias, ações de experimentação em restaurantes, hotéis – e acaba trazendo novos clientes, fideliza.

Vocês investiram muito em loja física. Como era a atuação online da Granado e o que vocês estão pensando pro futuro por conta da pandemia?
O online vem crescendo muito nos últimos anos O nosso recorde, até março de 2020, tinha sido a última Black Friday, em outubro. E por conta desse crescimento e desse movimento específico, a gente repensou e reformulou todo o back office e logística do site – porque a gente faz tudo internamente. Tivemos, em um ano, um crescimento de 600% em vendas online. E em abril, já em isolamento social, fechamos com 10 vezes mais o volume, muito além das nossas expectativas. E ainda assim, estávamos preparados para entregar. Então não ficamos com nenhum atraso, nenhum delay. Claro que quando você tem 80 lojas, não compensa investir só no site. No ano passado a gente teria vendido R$ 350 mil nessa época, e nesse ano, por conta da pandemia, vendemos R$ 2 milhões. Foi um crescimento muito grande. E uma coisa que a gente acredita bastante é o coleta em loja, que tem um ano e meio: compra pelo site e retira direto, reduzindo o tempo e  o contato dentro da loja. O que a gente começou agora é a venda por aplicativos de delivery. Os best sellers você pode comprar pelo Rappi, por exemplo. E outra questão que a gente percebeu: novos clientes online acima de 50 anos. São pessoas que não tinham o hábito de comprar online, e a gente acredita que tenho uma experiência positiva, vão voltar a comprar nesse formato. Principalmente se você já sabe o que você quer comprar. A loja é uma experiência, para experimentar uma novidade ou se você está em dúvida. Mas para uso contínuo, o site é bem mais prático.

Com o isolamento social, as pessoas estão muito em busca de bem-estar, criar rituais, fazer pequenas terapias em casa. Você percebeu o crescimento de algum produto específico nesses últimos meses?
A venda de itens para casa, como difusor e velas, cresceu muito e, claro, sabonetes em barra e sabonetes líquidos. Também a linha Pink, de cuidados com mãos e pés. Com os salões fechados, a busca por fazer manicure em casa aumentou muito. As pessoas não conseguem ficar sem fazer as unhas. Sem falar no ressecamento das mãos por causa do álcool gel, que a gente também começou a produzir em meados de março. Quando começou a pandemia nós transformamos duas das nossas linhas de produção de perfume em linha de álcool gel e álcool líquido. Também os produtos destinados a hotéis, bombonas de 5 litros, nós doamos para comunidades do Rio, em parceria com a Unicef. E no mês de abril a gente doou 10% das vendas do site para uma instituição União com Rio / Rio contra a Covid-19, com foco nas comunidades cariocas. 

Próximos passos
A produção de álcool gel já estava nos nossos planos. É uma categoria que veio para ficar. Seria mais para o final do ano, quando a empresa completa 150 anos. A linha antissépica é muito tradicional, então já tínhamos desenvolvido algumas fórmulas. Mas antecipamos e hoje a gente acha que faz sentido manter no nosso portfólio. Mesmo se a demanda cair um pouco. Apesar de que eu acho que é um produto que vai entrar na rotina das pessoas, os comportamentos vão mudar. Um campo tanto do sabonete líquido quanto do álcool gel. E também a questão da casa. As pessoas aproveitam mais as velas, os difusores, para curtir mais a casa. Sem falar no spa em casa. Acho que as pessoas vão ao salão com menos frequência e vão intercalar com uma máscara capilar em casa, fazer manicure que dure um pouco mais.
Para o segundo semestre estamos revendo muitas coisas – vitrines, lançamentos que façam sentido, datas comemorativas, tudo está sendo reprogramado. Acredito que a retomada vai ser devagar, mas é uma empresa com história. A Granado já passou por duas guerras, pela Gripe Espanhola, acho que temos essa longevidade e essa confiança.

Fonte: https://revistamarieclaire.globo.com/Beauty-Tudo/noticia/2020/06/work-sissi-freeman-renova-granado-sem-se-afastar-da-essencia.html

 

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