O debate Medicamento: Produto e Direito, o impacto da propriedade intelectual no desenvolvimento nacional e no trabalho do farmacêutico, realizado nesta sexta-feira (26) à noite na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), contou com a presença do pesquisador da Fiocruz e médico Jorge Bermudez; e a professora de Direito Internacional da UFRJ, Carol Proner.

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No início da década de 1990 a Fenafar se posicionou firmemente a respeito da questão das patentes de medicamentos, a partir do debate sobre a quem deve atender o desenvolvimento científico e tecnológico. A informação é do presidente da entidade, Ronald dos Santos, que ainda elencou como conquistas da categoria o reconhecimento do farmacêutico como profissional de saúde e a consolidação, recente, da farmácia como um estabelecimento de saúde. O presidente da federação fez questão de demarcar o simbolismo do local onde foi realizada discussão, a Faculdade Nacional de Direito UFRJ. Ronald afirmou que o Brasil passou por alguns momentos que representaram saltos civilizacionais, como a abolição da escravatura, a instituição da República e a revolução de 1930, e demarcou que o auditório da Faculdade Nacional de Direito foi palco desses procesos.

Medicamentos na agenda mundial da saúde

O pesquisador Jorge Bermudez, que compôs o Painel de Alto Nível do Secretariado-Geral das Nações Unidas em Acesso a Medicamentos, apresentou a maneira como a questão dos medicamentos entra na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Unidas (ONU), e lançou a pergunta: por que os medicamentos estão na agenda mundial da saúde? Em resposta à questão, explicou que “vivemos uma situação crítica em termos de acesso a medicamentos”, completando que por ser um problema de todos os países, a questão exige ação coletiva, envolvendo parlamentos, governos e sociedade.

O pesquisador discorreu sobre as características mercadológicas dos medicamentos, que são diferentes de outros produtos. Neste sentido, destacou a assimetria de informação entre o consumidor e aquele que prescreve a receita, o fabricante, etc., e afirmou que geralmente os médicos não conhecem o preço dos medicamentos, além de serem alvo de pesados lobbies. Somando a isto o fato de ser uma indústria de concorrência limitada, em função principalmente das patentes, a consequência é que “os preços são impostos pela indústria farmacêutica”, vaticina o pesquisador.

Bermudez destaca que a expectativa de patente no Brasil chega a 32 anos, afinal, são cerca de 12 anos para conseguir a patente, e durante esse período o monopólio é mantido pela corporação, que ainda terá direito a mais 20 anos sobre ela. O palestrante denunciou, ainda, a perpetuação da propriedade intelectual, por meio das patentes de segundo uso: “há produtos com 69 incrementações, com pedido de patente no INPI, isso estende a patente dos produtos, uma tendência que a indústria pratica, não apenas no Brasil (…) isso se perpetua, mantendo o monopólio indefinidamente”.

Lei de Propriedade Intelectual

Jorge Bermudez, defende, ainda, que a crise em relação ao preços de medicamentos deveria representar uma oportunidade para que seja revista a Lei de Propriedade Intelectual no Brasil, destacando o PL 139/99, dos ex-deputados federais Newton Lima e Dr. Rosinha. O objetivo da reforma da legislação seria estabelecer algumas salvaguardas de proteção à saúde pública ante o Acordo TRIPS (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio), tratado Internacional integrante do conjunto de acordos assinados em 1994 que criou a Organização Mundial do Comércio (OMC). Tais salvaguardas, defende Bermudez, teriam como objetivo de curto prazo assegurar concorrência durante a vigência da patente; e a médio prazo visaria a evitar a concessão de patentes indevidas, combatendo estratégias de evergreening.

Bermudez finalizou sua apresentação convocando os trabalhadores da área a resistir: “nós temos que estar sempre denunciando, sempre correndo à frente e sempre lutando”. Antes de passar a palavra a Carol Proner, Ronald Ferreira provocou: “O que é o principal? O direito à vida ou o direito à propriedade?”

Carol Proner, que além de professora da UFRJ é também Co-Diretora do Programa Máster Oficial da União Européia, Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo, nas Universidades Pablo de Olavide e Univesidad Internacional da Andaluzia, na Espanha, iniciou o debate afirmando que o Direito é pensado como um conjunto de regras abstratas, e convocando os estudantes presentes a refletirem as normas pensando no impacto na vida das pessoas. Para a debatedora, quando não há outro caminho, a judicialização do direito à saúde é importante, “mas entre judicialização e políticas públicas não há nem dúvida”, afirmou, justificando que a judicialização atende apenas a casos isolados, enquanto as políticas públicas possuem caráter universal.

10 princípios da concentração de riqueza e poder

A pesquisadora baseou sua apresentação no documentário do intelectual estadunidense Noam Chomsky intitulado Requiem for the American Dream (O fim do sonho americano), em que o ativista relata como a riqueza e influência se concentraram nas mãos de poucos nos Estados Unidos, e estabelece 10 princípios da concentração de riqueza e poder. Carol lembra que, atualmente, um décimo da população concentra 80% da riqueza mundial e afirma que tal dado tem relação com os formuladores do TRIPS, acordo que nasceu da comissão trilateral, “daquelas empresas e cidadãos mais ricos do planeta”, afirma, para em seguida disparar: “o capitalismo é tão totalizante que não há nenhuma área, nem os seres vivos, livre da privatização”. Ela afirma, ainda, que o grupo de empresários que criou o TRIPS, elaborou também a lei de patentes brasileira: “um setor privado de alto nível criou nosso sistema atual”. Ela ressaltou, ainda, a maneira como foi constituída a OMC, afirmando que os países, para fazer parte, deveriam aceitar todos os acordos firmados, sob pena de ficarem isolados do comércio global: “ao princípio da igualdade entre nações, eu chamo do princípio da desigualdade entre nações”, ressaltando que os acordos ignoram as abissais diferenças econômicas e de desenvolvimento entre os países. Para ela, tais princípios, como o do favorecimento das nações (se uma regra favorece uma nação, tem que favorecer a todas), partem do pressuposto de que o comércio é justo, o que, segundo a pesquisadora, é uma ficção.

Carol Proner discorreu sobre os 10 pontos elencados pelo documentário de Noam Chomsky, quais sejam: reduzir a democracia; moldar a ideologia; redesenhar a economia; deslocar o fardo de sustentar a sociedade para os pobres e classe média; atacar a solidariedade; controlar os reguladores; controlar as eleições; manter a ralé (the rabble) na linha; fabricar consensos e criar consumidores; marginalizar a população. A debatedora descreveu o processo de aparelhamento de Estados, junto aos diversos poderes, inclusive judiciários, denunciou a cooptação de ONGs e a forma como os discursos são naturalizados para que se aceite a forma como funciona a produção. Ela ainda ponderou que a tradução do termo rabble como “ralé” talvez não seja preciso, que o sentido de rabble na argumentação de Chomsky tem mais a ver com raiva, revolta, é um termo destinado a falar daqueles que resistem, “como os sindicatos, como a Fenafar”, disse.

Horror tecnológico

Às teses formuladas por autores franceses de que estaríamos vivendo um período histórico de horror econômico (Viviane Forrester) e político (Jacques Généreux), Carol Proner adiciona o horror tecnológico, acrescentando que “o Brasil ainda não está nessa situação, temos laboratórios públicos, mas cada vez com menos condições”. A palestrante denunciou um forte esquema de proteção dos monopólios, de concentração corporativa dos farmacêuticos no país, incluindo lobbies junto a médicos (que nesse caso possuem metas de receitas prescritas por medicamento) e políticos. Falando sobre a indústria farmacêutica, Carol afirma que “é um mercado que desconhece recessão”

Por fim, Carol Proner criticou a medida recente que permite às indústrias farmacêuticas remarcarem os preços dos medicamentos a qualquer momento, bem como a mudança do papel da ANVISA em relação às patentes de medicamentos (a partir de agora, a agência fornecerá um parecer, mas a decisão passa a ser do INPI).

Fonte:http://www.vermelho.org.br/noticia/297542-1

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