Poucos setores enfrentam problemas com a disparada do dólar como o farmacêutico. A razão: entre 90% e 95% dos insumos são importados e os preços dos remédios são controlados pelo governo. Como resultado, a rentabilidade dos laboratórios instalados no país tem encolhido. Mas as empresas, especialmente as de São Paulo, investem maciçamente em tecnologia e se capacitam para atender à demanda por produtos de saúde que, apesar de tudo, deve se mandar alta.

Essas companhias se aproveitam das vantagens das Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP), programa do governo federal para reduzira dependência
da importação de medicamentos e equipamentos de ponta para o Sistema Único de Saúde (SUS). O programa facilita a transferência de tecnologia dos principais laboratórios do exterior, especialmente no segmento dos medicamentos biotecnológicos. São fármacos de alta complexidade, à base de proteínas de células de organismos vivos geneticamente modificadas. Tem mais eficácia, mas desenvolvimento muito mais tecnológico e demorado. Necessitam até cinco vezes mais testes antes de chegar ao mercado.

Um dos importantes investimentos na área é o da Bionovis, fundada neste ano, que está investindo RS 740 milhões em laboratórios em Valinhos, região metropolitana de Campinas. A empresa é uma joint-venture entre as companhias EMS, Hypermarcas, Aché e União Química. “O cenário de turbulência econômica e política preocupa quem investe”, diz Odnir Finotti, presidente da Bionovis, para quem o país está 35 anos atrasado em tecnologia de biofármacos. “Mas sabemos que isso não vai durar para sempre e estamos nos preparando para o futuro. O Brasil precisa fechar esse ‘gap’, e empresas como a Bionovis estão conquistando tecnologia de ponta para isso.”

Valinhos foi escolhida por estar próxima de um grande polo de tecnologia, ao redor da Unicamp, em Campinas, o que deve facilitar o recrutamento de técnicos das áreas de farmacologia e bioquímica. No total, a Bionovis vai contratar 200 funcionários quando estiver pronta para produzir, provavelmente em 2018. Numa primeira fase, a empresa vai importar dos parceiros internacionais dos quais vai adquirir a tecnologia.

Outro exemplo de empresa criada para o filão das PDP é a Orygen, joint-venture entre os laboratórios nacionais Eurofarma e Biolab, que vai construir fábrica para receber transferência de tecnologia em São Carlos. A estimativa é de investimento de R$ 500 milhões para começar a operar em 2017 e passar a produzir medicamentos para venda ao SUS em 2019. “Antes da produção, vamos começara comercializar medicamentos para tratar câncer e artrite reumatoide da Pfizer, que é nosso parceiro internacional”, afirma o presidente da Orygen, Andrew George Simpson, que prevê a contratação de pelo menos cem funcionários para a primeira fase de produção.

Também a gigante Cristália, indústria farmacêutica fundada no município de Itapira em 1972, que emprega 4 mil funcionários em suas quatro unidades-além de Itapira, tem outras em Pouso Alegre (MG), Cotia (SP) e a terceira, em Buenos Aires, na Argentina, está no segmento. A empresa investiu US$ 100 milhões (R$ 220 milhões no câmbio da época) em duas plantas também em Itapira para desenvolvimento de biofármacos. A primeira fábrica já produz, em fase de testes clínicos, medicamentos para o tratamento de câncer de mama, doenças autoimunes como artrite reumatoide e psoríase, além de hormônio do crescimento humano, via PDP para transferência de tecnologia do exterior. A segunda, para biofármacos anaeróbicos, vai produzir o “IFA colagenase”, com pesquisa desenvolvida localmente, cujo princípio ativo hoje importado é utilizado na produção de pomadas para tratamento de feridas, úlceras, queimaduras e tecidos necrosados.

“Nossas duas novas plantas já foram certificadas pela Anvisa e vão produzir princípios ativos para medicamentos biológicos de ponta”, diz Ogari Pacheco, presidente do Laboratório Cristália. “Não somos imediatistas. Independentemente do momento de crise no país, o Cristália tem visão de longo prazo e vai continuar investindo em pesquisas e soluções para o avanço da saúde no Brasil.”

Na mesma trilha, o tradicional laboratório nacional Libbs Farmacêutica iniciou a construção, no seu complexo industrial em Embu das Artes, de unidade de medicamentos biotecnológicos. Nela, serão produzidos anticorpos monoclonais para o tratamento de câncer e artrite reumatoide, entre outras doenças, em parceria com a Mabxience (empresa farmacêutica controlada pelo grupo argentino Insud). A previsão de investimento da empresa para o quadriênio 2014/2017 é da ordem de RS 800 milhões. Esse valor contempla
a nova fábrica de biológicos, outra de medicamentos oncológicos sólidos, além de investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Os primeiros lotes-piloto de medicamentos devem começar a sair da unidade em 2016.

“Somos otimistas e acreditamos no potencial do Brasil e que a recessão vai passar”, afirma Márcia Martini Bueno, diretora de relações institucionais da Libbs. “Entendemos que este momento é de oportunidades. Enquanto muitos seguram os recursos, estamos construindo os alicerces para colher os resultados, não só daqui a cinco anos, mas daqui a uma década.”

Na indústria farmacêutica, a busca por inovação é contínua, e isso reforça a característica do setor de que não se pode pensar produtos e investimentos em curto prazo, segundo Reginaldo Arcuri, presidente do Grupo FarmaBrasil, associação das empresas nacionais que participam das parcerias envolvendo o governo federal (que por meio de laboratórios farmacológicos públicos, como o Pasteur, torna-se o proprietário da tecnologia adquirida) e os laboratórios internacionais. “Vale lembrar que um ‘biossimilar’ não é um genérico. E produção a partir um derivado da engenharia genética, o que exige muitos anos de desenvolvimento.”

Os medicamentos biotecnológicos representam hoje entre 4% e 5% das compras físicas do SUS, mas alcançam 60% em valor das aquisições por se tratar de medicação de última geração para tratamentos de doenças como o câncer, Alzheimer, esclerose múltipla, vitiligo e outras autoimunes – aquelas em que o sistema imunológico passa a atacar tecidos do organismo por engano. “É um momento complicado para o setor, mas a essência do negócio da indústria farmacêutica é pensar a longo prazo. O programa de transferência de tecnologia – que assegura vendas ao governo federal – tem colaborado para manter os investimentos, principalmente nos medicamentos biológicos”, afirma o presidente do Sindicato da Indústria Farmacêutica (Sindusfarma), Nelson Mussolini.

A PDP é uma forma eficaz para fazer com que o país tenha capacidade tecnológica para cumprir a garantia constitucional de cuidar da saúde das pessoas, afirma Arcuri. “Entre outras coisas, para oferecer remédio de maior qualidade e eficácia, principalmente para a população mais pobre, sem ter que recorrer à importação.”

Leia sobre PDP: Politica_de_desenvolvimento_produtivo

Fonte: http://sindusfarma.org.br/cadastro/index.php/site/ap_imprensas/imprensa/964

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