O crescimento das vendas foi de 19% em julho na base anual, segundo os dados mais recentes da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec)

A pandemia da covid-19 intensificou a lavagem das mãos e os banhos, cuidados apontados como duas das principais ferramentas de prevenção da doença e estimularam as vendas de itens de higiene pessoal. O crescimento foi de 19% em julho na base anual, segundo os dados mais recentes da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec). Mas o aumento dos custos de produção já passa a limitar esse avanço em um cenário de renda familiar menor, com desemprego crescente e valor do auxílio emergencial pela metade.

A Abihpec estima aumento dos preços dos insumos de 25% a 30%. “Ficamos receosos com o fim do ano, porque os dissídios salariais serão baixos e o auxílio emergencial menor. Então, fazer o reajuste de preços é difícil”, diz João Carlos Basílio, presidente da associação. Além disso, conta ele, quem não tinha grandes estoques já fala em falta de produtos.

A escassez e o aumento de preços de insumos têm pressionado a indústria. Um levantamento da Fiesp, feito no começo de setembro com 314 empresas de diferentes setores, mostrou que 63% das companhias estão com estoques abaixo do nível normal. De acordo com o levantamento, entre os motivos para a escassez e o aumento de preços estão: uma redução inicial da demanda interna, a desvalorização cambial, a forte recuperação da economia chinesa e a retomada mais robusta e acelerada da atividade doméstica.

No caso da indústria de higiene pessoal e beleza, a Abihpec cita as caixas de papelão, os tubos de alumínio e o sebo bovino como alguns dos produtos cuja oferta está restrita e os preços bem mais elevados. “O reajuste do alumínio deve ficar acima de 18%”, diz Basílio.

No grupo Boticário, a demanda maior por produtos de higiene pessoal fez a produção da divisão de autocuidados (cremes, sabonetes e xampus) crescer 14,5% no terceiro trimestre, quando comparado ao mesmo período de 2019, mas a escassez e o aumento de preços entraram no radar da companhia.

Sérgio Sampaio, diretor-geral de operações do grupo, explica que se esse cenário perdurar por 120 dias, mesmo as grandes empresas sofrerão com falta de produtos. “Até fevereiro as fábricas não irão mais parar a produção em dias de feriado, para conseguirmos reabastecer nossos estoques. Mas o preço e a falta de abastecimento de produtos como papelão, plásticos para embalagens e alumínio podem frear o avanço da indústria de beleza.”

A maior procura por itens de higiene pessoal fez a Johnson & Johnson (J&J) lançar um sabonete líquido para crianças de 2 a 7 anos que não estava no cronograma de lançamentos, conta o vice-presidente de estratégia, Ricardo Wolff. Na propaganda, o sapo, que não lavava o pé, agora lava muito bem as mãos e a música do comercial dura 20 segundos, tempo recomendado pelas autoridades de saúde para a higienização adequada. As vendas de sabonetes líquidos da empresa, exclusivos para o público infantil, cresceram 20%. “Vimos claramente acontecer uma maior valorização da higiene”, diz Wolff. Os sabonetes em barra, cujo portfólio se estende ao público adulto, também viram forte crescimento. “Não sentimos a falta de insumos porque fomos rápidos no contato com os fornecedores, mas há uma preocupação em relação à valorização do dólar, já que uma boa parte dos insumos está atrelada à moeda.”

Uma das grandes preocupações do setor tem sido o preço do sebo bovino, que compõe quase a totalidade dos sabonetes em barra fabricados no Brasil. A cotação da tonelada passou de R$ 3 mil em janeiro para mais de R$ 6 mil nas últimas semanas de setembro. “Nosso principal insumo dobrou de preço e fazer o reajuste não é fácil. É uma situação delicada, de margem pressionada. E só piora”, conta Breno Grou, presidente da Associação Brasileira da Indústria Saboeira (Abisa) e da Sinter Futura, empresa que produz para grandes companhias e é dona das marcas Farnese e Cloy.

No caso do sebo, parte do aumento de preço é atribuída à maior destinação para a produção do biodiesel. Com o dólar alto, os produtores de óleo de soja intensificaram a exportação e a gordura animal ganhou mais espaço na composição. Além disso, a oferta de sebo no mercado também diminuiu por causa da queda dos abates, diz Décio Coutinho, que comanda a Associação Brasileira de Reciclagem Animal (Abra). “Com a suspensão de restaurantes, eventos e turismo, o consumo interno de carne caiu fortemente e os frigoríficos reduziram os abates. Por outro lado, o dólar se valorizou e a cotação do boi subiu, o que é estímulo para exportar e para reduzir o abate de fêmeas a fim de aumentar a produção de bezerros”, explica Décio, que estima a normalização dos preços só a partir do segundo semestre de 2021.

Dados da balança comercial, mostram que a importação de óleos e gorduras animais saltou 207% em setembro de 2020 quando comparado ao mesmo mês de 2019, para 13,2 mil toneladas. Fabricante de sabonetes para as grandes marcas, a JBS tem respondido por grande parte dessas importações de sebo, segundo fontes. Procurada, a empresa não quis comentar.

Mas nem mesmo os produtos com composição vegetal têm conseguido escapar da alta dos preços. Sócia da marca de produtos veganos e orgânicos AhoAloe, Larissa Pessoa conta que optou por segurar o reajuste para as lojas parceiras que vendem sus produtos, mas foi necessário um “pequeno aumento de preço” para o consumidor. Ela conta que as maiores pressões têm sido por custos de logística, escassez de caixas de papelão e preços elevados de matérias-primas com preços atrelados ao dólar. Os óleos vegetais, por exemplo, costumam acompanhar os preços do óleo de soja. “Produzir nossa babosa e algumas ervas, o que responde por 50% da produção, ajudou a conter os custos.”

À frente da secretaria especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do governo federal, Carlos da Costa argumenta que o ‘efeito chicote” observado nos preços recentemente é resultado de uma retomada mais rápida do que se imaginava e “qualquer medida do governo geraria mais distorção”. Quanto ao dólar, o secretário defende que as cotações do passado é que estavam mais “desajustadas”, com os juros mais altos sobrevalorizando o real.

Para os fabricantes o momento é de equilibrar os pratos. Tanto Sampaio, do Boticário, quanto Wolff, da J&J, avaliam que o custo precisará ser absorvido pela indústria. “O consumidor está muito sensível a centavos de reajuste”, diz Sampaio.

Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/10/13/consumidor-quer-comprar-mas-ha-gargalo-na-industria.ghtml

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