O desenvolvimento de medicamentos inovadores à base da biodiversidade caminha devagar no Brasil
Apesar da exuberância botânica do país e da vasta literatura científica sobre fitoterapia publicada, o desenvolvimento de medicamentos inovadores à base da biodiversidade caminha devagar no Brasil. Sem investimento público de longo prazo para alavancar o setor, o país perde a chance de aproveitar sua riqueza natural para ganhar competitividade no cenário global em uma indústria trilionária. A riqueza do patrimônio genético não se restringe às plantas – ecossistemas, animais, microorganismos e as interações entre as espécies podem render uma infinidade de moléculas com propriedades curativas. “O Brasil é megabiodiverso e não estamos levando a sério este potencial incalculável”, diz Glauco Villas Bôas, coordenador da Farmanguinhos, Instituto de Tecnologia em Fármacos da Fiocruz.
Ele lembra que o país nunca teve uma política de bioprospecção. “Precisamos de políticas públicas baseadas em um novo modelo de ciência e tecnologia que fomente a inovação a partir desta riqueza, com desenvolvimento local, geração de renda e repartição de benefícios. É crucial inserir comunidades agrícolas e povos tradicionais na cadeia para que eles possam ter voz ativa e participar das decisões”, opina. Uma das prioridades da Farmanguinhos é o desenvolvimento de fármacos da biodiversidade. Atualmente, porém, do seu portfólio de 32 medicamentos fornecidos ao SUS, todos são sintéticos.
Enquanto financiamento e programas públicos fazem falta, o setor privado tenta impulsionar a área. O grupo Centroflora, líder na fabricação de insumos e extratos vegetais para a indústria farmacêutica, inaugurou há três anos o Centroflora Inova, no Techno Park, em Campinas. É uma planta-piloto dedicada à inovação onde 40 pesquisadores aplicam tecnologia de ponta no desenvolvimento de compostos com foco em espécies nativas. Eles estão estudando a genética da flor da paixão, trepadeira da família do maracujá, o ansiolítico natural mais usado no país. Desde 2003, o grupo extrai sais de pilocarpina, um alcalóide, do jaborandi em parceria com coletores de folhas no Piauí. Ele é usado para tratar glaucoma há 60 anos e a Centroflora fornece dois terços da substância consumida no mundo.
“Existe muita biodiversidade estrangeira nas prateleiras da farmácia. Gostaria que mais empresas nacionais pensassem em P&D de fitoterápicos. O país precisa sair da posição de importador maciço de medicamentos para gerador de inovação radical e propriedade intelectual”, defende Peter Andersen, CEO do Centroflora.
O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), instituição privada supervisionada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, possui um programa para fármacos. A partir de uma coleção de raízes, folhas, frutos e cascas de 600 plantas brasileiras, cientistas tentam mapear moléculas bioativas capazes de interagir com proteínas-alvo de células doentes usando altíssima tecnologia, com ajuda do acelerador de partículas Sirius, desenvolvido no CNPEM.
Iniciada em 2014, um dos projetos do programa envolvendo plantas, em parceria com Centroflora e o laboratório Aché, apresentou bons resultados no combate ao câncer. A pesquisa corre em sigilo. Para a pesquisadora Daniela Trivella, coordenadora do projeto, a biodiversidade é o trunfo do Brasil, mas o país está atrasado no drug discovery. “Estamos atrás até mesmo de alguns pares dos BRICS nessa corrida. Acho essencial, sobretudo, preservar. Em seguida, conhecer o patrimônio; e o Estado precisa financiar porque essas pesquisas e tecnologias são caras e o investimento é de risco. Aqui, pelo menos, demos um start.”
Mais dinâmica, a cadeia dos cosméticos da biodiversidade beneficia-se de menor rigor para regularização dos produtos na Anvisa – e maior rapidez. A demanda favorece o segmento. O Brasil é o quarto mercado mundial de produtos de beleza. Enquanto o desenvolvimento de um medicamento pode levar 20 anos, o tempo médio entre prospecção e lançamento de um cosmético é de três anos.
A pioneira Natura começou a estudar os ativos da biodiversidade amazônica nos anos 90. Hoje, 8.155 mil famílias fornecem 41 bioingredientes da floresta para a empresa. Já a Beraca, adquirida pela suíça Clariant, entrou no mercado em 2000 com uma fábrica em Ananindeua, no Pará. Ela fornece óleos e manteigas de castanhas da Amazônia e do Cerrado para gigantes como Unilever e L’Óreal e estuda substituir pigmentos sintéticos por argilas coloridas, do litoral catarinense.
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