Fabricantes tentam driblar desafios para atender um mercado em ascensão
Naturais, veganos, livres de componentes animais, sustentáveis. As classificações de produtos também chamados de “verdes” é tão extensa quanto a oferta de itens à disposição do consumidor, em praticamente todos as seções do varejo. Só o mercado de cosméticos naturais no Brasil, estimado em R$ 10 bilhões, em 2020, pela pesquisa Natural Personal Care, realizado pela consultoria Factor Kline, deve chegar a 2025 com receita na casa dos R$ 17 bilhões, de acordo com o mesmo estudo.
Já a Euromonitor Beauty and Personal Care 2020 Brasil, outro levantamento sobre o setor, mostra que, enquanto o mercado de cosméticos tradicionais cresceu em média 5%, os naturais cresceram 10% no mesmo período.
Os bons números sustentam o otimismo com que os fabricantes falam do futuro, mas não minimizam os desafios enfrentados no dia a dia para colocar itens sustentáveis no mercado. “Não há legislação no Brasil que regulamente o que é natural e o que não é. E isso traz problemas muito sérios. Da confusão que causa no consumidor ao greenwashing”, afirma Beatriz Branco, diretora de marketing da marca suíça Weleda.
O greenwashing a que ela se refere, ou maquiagem verdade, em tradução livre, é o termo usado para empresas e produtos que se apresentam como sustentáveis sem serem. O que, para a Weleda, que há mais de 100 anos só trabalha com produtos à base de plantas, é um grande problema. “O conceito mais percebido pelo consumidor brasileiro é o teste em animais. Mas isso não tem nada a ver com o produto ser natural ou não. Nunca testamos em animais, mas não quer dizer que somos veganos”, completa a executiva pedindo ética das companhias para posicionarem seus produtos como eles realmente são.
A disputa pela atenção do consumidor, porém, vai muito além do posicionamento de cada concorrente. Produtos sustentáveis podem custar entre 30% e 40% mais que os tradicionais, e não só por usarem matérias primais mais nobres, mas sobretudo pela pouca disponibilidade desses insumos.
Um exemplo é o silicone, de origem mineral, cuja aplicação vai dos cosméticos a próteses e automóveis. “Como nosso consumo é menor que outros setores, quando há falta na cadeia de distribuição, estamos no fim da fila dos fornecedores”, exemplifica o diretor de pesquisa e desenvolvimento do grupo O Boticário, Gustavo Diemant citando outros exemplos, como óleo de girassol, cujos maiores produtores globais são Rússia e Ucrânia.
Suelma Rosa, líder de reputação e assuntos corporativos no Brasil e América Latina da Unilever não apenas concorda como acrescenta outras dificuldades ao extenso rol de barreiras a transpor. “Quando se pensa em ingredientes, tem-se duas limitações importantes: o custo é alto, a oferta é baixa e há muitos novos entrantes no mercado. Por outro lado, todo o processo de desenvolvimento de novos componentes é extremamente demorado. No caso de pesquisas científicas, pode-se levar até dez anos”, afirma a executiva. Ela acrescenta que uma das estratégias da companhia para ampliar a oferta de produtos sustentáveis tem sido, além de pesquisa e desenvolvimento, a aquisição de marcas já estabelecidas no mercado, a exemplo da compra da brasileira Mãe Terra, de alimentos naturais e orgânicos, em 2017.
No Boticário, diz Diemant, o processo de introdução de novos fornecedores e de matérias-primas não demora menos que 60 dias, com avaliação de itens que consideram se o candidato a novo fornecedor não faz uso de produtos químicos, como solventes, se não tem trabalho escravo na ponta da cadeia, e se o item em questão não provém de desmatamento. “São 90 itens de avaliação e um deles é se há traço animal na matéria-prima”, conta.
Na Natura que, de acordo com a diretora de marketing, Denise Coutinho, usa cerca de 41 ingredientes biológicos em suas fórmulas, há 85 cadeias de fornecimento, envolvendo cerca de 40 comunidades instaladas especialmente nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, com mais de 8 mil famílias envolvidas, a matéria-prima é uma questão relativamente resolvida para atender um portfólio onde 93% dos produtos são veganos e 96% são biodegradáveis. “Sempre começamos pela estruturação da cadeia de fornecimento para desenvolver a escala”, explica ela.
De acordo com a executiva, o grande problema na Natura hoje é obter escala com vidro reciclado. Quando a empresa começou em perfumaria, em 2006, nem 20% dos vidros era reciclados. “Hoje estamos entre 30% e 40%. E todos or produtores estão buscando a mesma coisa, não só na área de cosméticos”, completa.
O preço que a indústria paga por embalagens, matérias primas e logística para oferecer produtos mais sustentáveis, inevitavelmente vai parar no ponto-de-venda. “Eu perco no preço porque não tem separação entre o meu produto, que é realmente natural, e os que não são”, lamenta Branco, da Weleda.
Rosa, da Unilever, adiciona à discussão a questão da falta de reconhecimento por parte do consumidor do que é sustentável e o que não é. “E o ponto-de-venda é essencial para ajudar nessa distinção”, pontua.
O Grupo Pão de Açúcar, varejista que trabalha com mais de 1,2 mil produtos orgânicos nas lojas, tem uma estratégia para essas linhas. “Colocamos os produtos verdes de forma agregada, criamos um ambiente saudável e oferecemos uma boa experiência de compra para os clientes”, explica Renata Amaral, gerente de sustentabilidade da empresa (veja matéria abaixo).
Difícil encontrar empresa de grande porte que não esteja ao menos começando sua jornada mais sustentável. No Boticário, diz Diemant, mais de R$ 100 milhões já foram investidos em práticas ESG. O esforço, porém, ainda não se traduz em receita, quando o assunto são as vendas de produtos verdes. Segundo ele, 75% dos consumidores percebem valores sustentáveis por trás dos produtos, mas apenas 30% a 40% optam por comprá-lo. “Quando você coloca um produto ao lado do outro, a opção é pelo mais em conta.”
A pandemia deu impulso ao auto-cuidado e também acentuou a percepção de que o que é natural é melhor para o mundo. Mas enquanto os fabricantes não resolvem os atuais gargalos, a conta continuará em equilíbrio no ponto de venda.
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