Embalagens constituem um dos pontos nevrálgicos da economia circular. São elas que compõem a maior parte do descarte que poderia ser reaproveitado industrialmente. “Circularidade é quando a embalagem do produto retorna para o transformador e ele consegue fazer um novo produto. Na reciclagem, o material não chega ao aterro, porque passa por reaproveitamento mas não necessariamente retornando ao processo produtivo”, explica Maurício Medeiros, analista de inteligência de mercado da Associação Brasileira de Embalagens (Abre).
As dificuldades encontradas para a circularidade são muitas. “Como aumentar a separação e o descarte adequado dos resíduos, a falta de coleta seletiva em todo o território nacional, a baixa disponibilidade de resina pós-consumo para compra e os altos preços desses materiais (versus resina virgem) são questões que se colocam contra a aceleração da economia circular”, diz Leandro Fagundes, coordenador de desenvolvimento de embalagens da Unilever Brasil. Ele fala especialmente do plástico, o mais complexo dos materiais para circularidade.
Para Gustavo Dieamant, diretor de pesquisa e desenvolvimento do Grupo Boticário, essa é uma pauta coletiva. “As ações de circularidade de materiais acontecem de modo participativo de toda cadeia envolvida no processo, como consumidores, logística, parceiros, fornecedores e indústrias.” Já Roseli Mello, líder global de P&D da marca Natura, defende investimentos em inovação e na reciclagem como caminhos para aumentar a circularidade das embalagens, envolvendo cooperativas de catadores, empresas recicladoras dos resíduos, tecnologia de reciclagem, empresas geradoras de embalagens e os consumidores. Além desses, é primordial “ter uma rede ampla de rotas e parceiros logísticos para que o sistema siga sustentável em todos os sentidos, ambientalmente e economicamente”, completa Eloi Castelhano Junior, gerente industrial da Gomes da Costa.
O movimento pela circularidade é recente, ainda restrito, e não apenas no Brasil. “Estamos no princípio de um novo caminho que será a base dos negócios do futuro”, diz Luiz Egreja, consultor de business transformation da Dassault Systèmes, empresa que acaba de lançar a ferramenta Sustainable Innovation Intelligence, que faz análise on-line do ciclo de vida de um produto, considerando impactos ambientais e materiais empregados.
No Brasil, projetos movimentam a agenda da circularidade de indústrias de forma colaborativa. O plano de negócios Unilever Compass estabeleceu como uma das metas a “redução absoluta de plástico”, afirma Fagundes. Nesse caminho, as embalagens dos produtos das marcas Rexona, Seda e TRESemmé já usam plástico flexível reciclado nas tampas. Seda, Dove, Comfort e Fofo atingiram 100% de plástico rígido reciclado em suas embalagens.
Entre as marcas de alimentação, a Knorr adotou embalagens de material reciclável nas linhas Meu Assado e Sopinhas. Para a nova linha de arroz especial Ritto, da marca Mãe Terra, usa embalagem stand up pouch, totalmente produzida a partir de uma única matéria-prima, sem a tradicional laminação com função de barreira de proteção, o que facilita a reciclagem.
Dona de marcas de bebidas, como Antarctica, Brahma, Skol e Budweiser, a Ambev determinou até 2025 a meta de 100% dos produtos em embalagens retornáveis ou feitas, majoritariamente, de conteúdo reciclado, de modo a garantir a circularidade, diz Caio Miranda, diretor de sustentabilidade. Desde 2012, o guaraná Antarctica utiliza garrafa PET 100% reciclada. Ele cita também a cerveja Corona como a primeira marca global de bebida a ser neutra em resíduos plásticos, por recuperar mais plástico do que utiliza em sua cadeia de produção e distribuição.
Em 2022, a marca de cerveja Colorado lançou a primeira garrafa de vidro 100% reciclada do Brasil em escala industrial, afirma Miranda. “Esse pode ser considerado um feito inédito pela complexidade do processo de utilização de 100% de caco de vidro para a produção de uma garrafa nova, evitando, desta maneira, o uso de matérias-primas virgens no processo de fabricação”, destaca. A empresa começou a testar em Curitiba (PR) garrafas long neck retornáveis da cerveja Corona.
“A long neck retornável gasta menos energia e gera um impacto socioambiental e financeiro para a cadeia”, afirma Rodrigo Clemente, CEO da Ambipar Enviroment Glass Recycle, comprada em setembro pela Ambipar, dona também da Boomera e da Recitotal. Segundo ele, ao girar a tampa para abrir a cerveja, o movimento provoca microfissuras no bico da garrafa, inviabilizando o retorno. Com as garrafas long neck retornáveis, a indústria não precisa reprocessar o vidro a partir de cacos. Clemente diz que só a Ambipar Enviroment Glass Recycle retorna para a indústria 18 milhões de toneladas de garrafas de vidro inteiras por mês.
No Grupo Boticário, dono de seis marcas de consumo (O Boticário; Eudora; Quem Disse, Berenice; Dr Jones; Vult; e O.U.I), as embalagens têm papel fundamental na agenda ESG, assegura Dieamant. O diretor conta que desde 2006, o grupo mantém o Boti Recicla, um programa que recolhe embalagens de produtos de beleza em quatro mil pontos de coleta.
Entre os projetos de circularidade, ele cita a produção do perfume Malbec Club Intenso, na qual cerca de 180 toneladas de vidro por ano são reutilizadas. Na linha Nativa SPA Verbena, as embalagens são produzidas com 30% de PET PCR. Recentemente, a empresa lançou a versão em refil de alumínio do perfume Arbo, de O Boticário, e dos perfumes da O.U.I. “Os refis, após o uso, podem ser facilmente descartados para uma das maiores cadeias de reciclagem (a de alumínio).” Com a Suzano, o Boticário desenvolve amostras de perfumes usando matéria-prima reciclável em substituição a 30 milhões de flaconetes.
Já a Natura estima que até 45% dos vidros de sua linha são reciclados e as tampas feitas em 100% de plástico pós-consumo. A empresa estabeleceu a meta de chegar até o fim da década com 100% do material de suas embalagens sendo reutilizável, reciclável e compostável. Hoje, esse percentual está em 81%. A marca opera dois programas de reciclagem: o Elos, de rastreabilidade, que recuperou 13,2 mil toneladas de material pós-consumo em 2021; e o Recicle, com a Natura, com 650 pontos de coleta de qualquer produto das marcas do grupo (Natura, Avon, The Body Shop e Aesop).
Entre as mudanças em embalagens da Gomes da Costa, empresa de pescados enlatados do grupo espanhol Calvo, Castelhano aponta a linha de patês cujas tampas de plástico foram substituídas em 2021 por tampas de metal e com rótulo reciclável. Assim, a embalagem pode ser toda reaproveitada. Operando a própria fábrica de embalagens, produz em torno de 70 milhões de unidades, entre latas e tampas, por mês e participa do Programa Recupera, que coletou cerca de três toneladas de embalagens em 2021.
Em outubro, a Dow Química anunciou a criação da unidade de negócios Circular & Renewable Solutions, voltada aos segmentos de embalagens e plásticos especiais, diz Marcelo Cantu, diretor de serviço técnico & desenvolvimento da área de embalagens e especialidades plásticas e responsável pelo time de inovação, pesquisa e desenvolvimento da empresa para a América Latina. Uma das metas é coletar e reutilizar até três milhões de toneladas de plásticos pós-consumo (PCR) ao longo dos próximos dez anos. É nesse contexto que se enquadra a parceria da Dow com a Boomera Ambipar para obter uma resina que seja totalmente produzida com material pós-consumo, como frascos de xampu.
Como parte da estratégia de circularidade, a Braskem comprou em agosto participação na Wise Plásticos, player de reciclagem de plásticos flexíveis, que tem entre os clientes a Unilever e a Natura &Co. A intenção com o aporte é dobrar a capacidade atual da empresa para 50 mil toneladas de reciclados até 2026. Também inaugurou em agosto o Cazoolo, apresentado como o primeiro Centro de Desenvolvimento de Embalagens para Economia Circular do Brasil. Ali, os projetos envolvem desde a escolha do formato da embalagem e a composição do material até a definição de rotas de circularidade, engajamento do consumidor e solução de fim de vida do produto, diz Yuri Tomina, líder do Cazoolo. Em parceria com a Valoren, está construindo a primeira planta de reciclagem avançada no Brasil, prevista para entrar em operação em 2023. Com essas medidas, a meta é incluir 300 mil toneladas de resinas termoplásticas e produtos químicos com conteúdo reciclado até 2025 e um milhão de toneladas até 2030.
Maior produtora de papéis do Brasil e também a maior recicladora do material, a Klabin produziu 2,2 milhões de toneladas de papéis em 2021, sendo que 400 mil toneladas de papel de reciclagem, observa Francisco Razzolini, diretor de tecnologia industrial, inovação, sustentabilidade e projetos.
Para inovação, a Klabin inaugurou em outubro um centro de tecnologia de embalagens, localizado em Jundiaí (SP). Entre as iniciativas de circularidade, ele cita o lançamento de um tipo de papel que agrega propriedades de barreira, como resistência à umidade, para assim facilitar a reciclagem de embalagens do tipo longa vida, de pizza congelada ou de ração para pets. “Monomaterial aumenta o potencial de reciclagem da embalagem.” Razzolini aponta ainda o projeto Território 100% Circular, desenvolvido em Telêmaco Borba (PR). Do projeto participam o Hub Incríveis, a prefeitura, duas cooperativas, a Heineken, a Dow Química e a ONG Vir a Ser.
Conforme Quintin Testa, diretor-geral da Verallia para América do Sul, um dos maiores fabricantes de embalagem de vidro para alimentos e bebidas do mundo, aumentar o índice de reutilização de vidro constitui um dos maiores desafios, ainda que o material seja 100% reciclável. Para aumentar a circularidade do vidro, a empresa participa de programas como o Vidro Vira Vidro, em parceria com a processadora Massfix. Por enquanto, o programa tem contêineres instalados em cidades de três Estados e no Distrito Federal.
Segundo a Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), em 2020, 844 mil toneladas de embalagens plásticas pós-consumo retornaram ao processo produtivo. Ao todo, o país produziu 7,1 milhões de toneladas de transformados plásticos nesse ano. Para avançar, a entidade planeja lançar, em janeiro de 2023, o programa de rastreamento digital de resíduos plásticos do descarte até a reinserção como matéria-prima na fabricação de um novo produto. Para isso, firmou parceria com a Central de Custódia, que tem acordo semelhante com a Associação Brasileira de Embalagem de Aço (Abeaço) no Prolata. A entidade investiu ainda no desenvolvimento da ferramenta Retorna, on-line e gratuita, que calcula o índice de reciclabilidade da embalagem plástica pós-consumo.
Fonte: https://valor.globo.com/inovacao/noticia/2022/11/29/embalagem-move-agenda-da-industria.ghtml
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