Vendas de remédio sem receita médica e de produtos de higiene pessoal crescem 12%, para R$ 46,1 bi – esse ritmo deve ser mantido

As vendas de medicamentos que dispensam receita médica e de produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos cresceram 12% no ano passado, para R$ 46,1 bilhões e devem manter esse ritmo nos próximos anos. Conhecido como OTC (“over the counter” ou fora do balcão), esse segmento vem atraindo mais empresas, e aumentando a competição entre as marcas e os investimentos de marketing.

Segundo Sérgio Mena Barreto, CEO da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), o setor de OTC cresceu 12% em 2023 sobre o ano anterior, o que significa vendas de R$ 46,1 bilhões, segundo dados das 30 redes associadas, que representam mais da metade do faturamento do varejo farmacêutico nacional. “Acreditamos que a tendência natural seja a manutenção do crescimento de dois dígitos nos próximos três anos”, diz Barreto.

Os investimentos em publicidade no segmento de OTC somaram R$ 1,89 bilhão em 2023, segundo o IbopeMonitor, com aumento de 1% sobre o ano anterior. Em 2022 houve salto de 23%, mas é considerado um movimento atípico devido à pandemia.

Esse mercado em ascensão está atraindo indústrias farmacêuticas que até então atuavam em outros segmentos como oncologia, medicamentos com prescrição médica e genéricos. É o caso da brasileira Eurofarma, que no ano passado estreou em higiene e beleza com a marca OAZ – uma linha de 16 produtos para saúde bucal, cuidados com a pele e higiene íntima.

Segundo Donino Scherer Neto, diretor da unidade de negócios que lançou a OAZ, a ambição da Eurofarma é grande. “Na categoria de protetores solares queremos estar entre os primeiros do ranking de vendas em dois anos”, diz ele. Nos meses de novembro e dezembro de 2023 e janeiro de 2024, o protetor solar da marca da OAZ, com apenas um ano e meio de vida, já estava em quinto lugar entre os mais vendidos do mercado. Até o fim do ano, a OAZ deve ter 60 produtos e a eles irá se somar a marca Valda, de pastilhas, gomas e xaropes, adquirida em dezembro de 2022 por R$ 725 milhões.

A Cimed, indústria especializada em medicamentos genéricos, vai entrar nos mercados de produtos para bebês, perfumaria e maquiagem. Seu presidente, João Adibe, disse ao Valor na semana passada que esses novos negócios podem levar a empresa a aumentar a receita de R$ 3 bilhões, em 2023, para R$ 5 bilhões em 2025.

Outra movimentação que chamou a atenção do mercado farmacêutico foi a contratação de José Vicente Marino para liderar o laboratório farmacêutico Aché no ano passado. Marino é um executivo com vasta experiência no setor de bens de consumo (ex-Avon, Natura e J&J) e a sua própria presença já dá uma pista do interesse do Aché no segmento. “A área de MIP [medicamento isento de prescrição] é um foco importante do Aché pois já temos uma das marcas mais comercializadas, o descongestionante nasal Decongex Plus, [terceiro no ranking dos mais vendido no país] e queremos expandir ainda mais no segmento de medicamentos isentos de prescrição”, diz, acrescentando que “grandes marcas que são muito icônicas e concentram um grande volume trazem um elemento diferente que é a força da confiança, da reputação. No caso desse segmento isso é ainda mais forte”.

A publicidade nesse segmento exige especialização. Apesar de um produto OTC dispensar receita médica, é importante o consumidor receber informação detalhada sobre o que está buscando. “Quanto mais informações de qualidade a pessoa tiver, melhor ela vai gerir sua cadeia de saúde com foco na prevenção”, diz João Consorte, presidente do grupo IPG Health, grupo de agências que atua em marketing e comunicação de saúde, entre elas McCann Health e FCB Health. Há mais de 25 anos o executivo atua na área da comunicação de medicamentos, uma das mais sensíveis da publicidade. Montou no IPG Health uma equipe multidisciplinar – profissionais da saúde, criativos e engenheiros de dados, entre outros – para garantir que toda campanha ou ação de OTC tenha um parecer científico assim como nos medicamentos prescritos.

“O que nos preocupa são os ‘influencers’ que ficam falando de remédios”
— Nelson Mussolini

No Brasil, a propaganda para o público em geral é restrita a medicamentos OTC. Para outros remédios, a publicidade só é permitida em publicações especializadas. Cabe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) monitorar e fiscalizar a propaganda, promoção e informação de medicamentos no país.

Segundo o presidente do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), Nelson Mussolini, as redes sociais, com a presença cada vez maior de influenciadores falando sobre saúde, são uma preocupação: “O que nos preocupa são os ‘influencers’ que ficam falando de remédios, indicando ingestão de suplementos sem qualquer base científica”, diz ele.

Quando o consumo é feito de forma cuidadosa, o impacto positivo pode ser importante para a saúde pública. Um estudo da Consumer Healthcare Products Association (CHPA), que representa os principais fabricantes e comerciantes de medicamentos OTC dos Estados Unidos, divulgado no final de 2022, concluiu que, em média, cada dólar gasto em medicamentos OTC poupa US$ 7,33 ao sistema de saúde dos EUA.

Segundo Paulo Paiva, vice-presidente corporativo da Close-Up Internacional, empresa que audita o setor farmacêutico, uma farmácia que tem alta presença de categorias de não medicamento pode crescer até 30% acima de uma farmácia que não tem, pois é um segmento que alavanca vendas de todos os segmentos. “A farmácia passou a ser um ponto importante para não-medicamentos: perfumaria, cosméticos, tratamento bucal, proteção solar, fraldas, alimentos, produtos para idosos e crianças. Tudo isso passou a compor o mix do estabelecimento”, diz Paiva.

Não à toa, a rede de farmácias RaiaDrogasil vem apostando há 10 anos nesse segmento com marcas próprias. A Needs, que reúne 50 produtos – cuidados da pele, fraldas e primeiros socorros, entre eles – respondeu por vendas de quase R$ 1 bilhão (em 12 meses até outubro de 2023). A rede tem cinco marcas próprias, que faturam R$ 1,2 bilhão – Needs faz 80% disso. O grupo conta também com Nutrigood, de alimentação saudável; Natz, de suplementos e vitaminas; a Caretech, de equipamentos de saúde como termômetro e medidor de pressão.

Segundo Fernanda Pincherle, diretora de marketing da Kenvue, embora a loja física tenha um papel relevante para OTC, os consumidores muitas vezes optam por comprar em canais on-line devido à conveniência, privacidade e variedade de opções disponíveis. A Kenvue fabrica produtos de marcas como Band-AID, Cotonetes, Neutrogena e Tylenol. De acordo com dados da Iqvia, na comparação do terceiro trimestre de 2023 em relação ao mesmo período de 2021, o e-commerce farmacêutico cresceu significativamente em valor (95,7%), observa a executiva. “Avaliando crescimento absoluto, os OTC/MIPs têm a segunda maior relevância dentre as cestas, atrás de medicamentos de prescrição”, diz. Na Kenvue, a avaliação é que o comércio eletrônico será cada vez “mais essencial para chegar na casa das pessoas de forma rápida”.

A indústria farmacêutica no país deve crescer mais de 30% até o final de 2027 e registrar mais fusões e aquisições, segundo estudo da Redirection International, especializada nesse tipo de operação. O economista e sócio da empresa Gabriel Loest Cardoso diz que a tendência de envelhecimento da população e uma maior conscientização da sociedade sobre a importância de uma vida saudável motivam o desenvolvimento de novos produtos. “Os avanços na tecnologia, o acesso à saúde digital e os cuidados personalizados são algumas das mudanças estruturais que devem impactar positivamente o setor e otimizar a cadeia de abastecimento de produtos farmacêuticos”, afirma. (Colaborou Natália Flach)

Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/03/04/por-que-industria-e-varejo-disputam-o-mercado-de-otc.ghtml

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