No ano passado, as vendas de medicamentos no Brasil chegaram a US$ 20,70 bilhões, um aumento de 22% em comparação com os resultados de 2021. Em unidades, foram vendidos 5,34 bilhões de caixas de medicamentos, o que representou acréscimo de 7,66% sobre 2021, segundo levantamento do IQVIA. E o ritmo de crescimento é firme em dois dígitos por ano, nos últimos cinco anos. Os laboratórios nacionais seguem na liderança com mais de 62% desse mercado.

Mas o país continua muito dependente de importações na área de medicamentos. Neste ano, a efervescente discussão é sobre a retomada da produção brasileira de medicamentos – os fármacos ou insumos farmacêuticos ativos (IFAs) — para melhorar a segura sanitária do país.

O governo anunciou a agenda de fortalecimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Ceis), prevendo produzir no país, em até dez anos, 70% das necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS) em medicamentos, equipamentos, vacinas e outros materiais médicos. Hoje, segundo o Grupo FarmaBrasil, que dialoga com o governo sobre o tema, mais de 90% da matéria-prima usada no país para produção de insumos como vacinas e medicamentos é importada. Dos medicamentos prontos, a produção local responde por cerca de 60%.

Parte dos medicamentos comprados pelo SUS, o maior instrumento de política pública de saúde, é hoje atendida pelas Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) firmadas nos últimos cinco anos. E o SUS atende mais de 150 milhões de brasileiros – cerca de 75% da população depende da rede pública de saúde. Um mercado gigante e atraente para qualquer laboratório farmacêutico global.

“Para pensarmos seriamente em produção local em larga escala de IFAs, temos que ter condições competitivas como fornecedores regionais de peso, pelo menos nas Américas. O que significará rever questões tributárias, incentivos a pesquisas, como as clínicas e médicas, onde o Brasil pode facilmente ser muito competitivo. Ou seja, tem que ser uma política de Estado, e não de um governo apenas”, diz Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticas (Sindusfarma).

Segundo ele, um grande laboratório indiano, que na pandemia sofreu com a limitação da produção de IFAs na Índia, está no país avaliando investimento local, mas manifestou estranheza pelo fato de que um projeto greenfield, ou seja, ainda incipiente, tenha que pagar Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) ou previdência durante sua instalação, antes de começar a gerar receita.

No Brasil, o maior parque farmacêutico é o da União Química, com nove plantas fabris. E a empresa está “constantemente avaliando ativos nos mercados nacional e internacional para novas aquisições”, diz Fernando Castro Marques, presidente da companhia. Em 2022, teve crescimento de 21,6%, enquanto o mercado avançou 16,9%, ainda na esteira da elevada demanda de anestésicos injetáveis, que compuseram o “kit intubação” durante a pandemia e levaram a companhia a acelerar sua expansão na unidade de Pouso Alegre (MG). A empresa também destinou boa parte dos seus investimentos à unidade Bthek, de biotecnologia, em Brasília (DF), para transferência de tecnologia destinada à produção local de vacinas. Os gastos com pesquisa e desenvolvimento da empresa no ano passado somaram R$ 220 milhões (6% da receita líquida) e “devem continuar crescendo a uma média de dois dígitos ao ano”, diz Marques.

A alemã Bayer, que tem no Brasil seu maior parque industrial no mundo, enfrenta o desafio de elevar a 50%, em 2023, sua receita no país, no mercado institucional, de governos a hospitais. Atualmente, no Brasil, a companhia conta com cerca de 40 moléculas, considerando todas as fases de estudo clínico, entre elas o asundexian, para complicações cardiológicas, e o elinzanetant, para tratamento de sintomas vasomotores durante a menopausa, que deve reforçar o portfólio de saúde feminina da Bayer, atualmente voltado a anticoncepcionais, como os DIUs hormonais. A estratégia da Divisão de Pharma da Bayer na América Latina, onde o Brasil tem o maior mercado, é a oferta de medicamentos de alta complexidade, como doença de Parkinson, doença de Pompe e insuficiência cardíaca congestiva, que exigem terapias avançadas, como a manipulação de material genético e células vivas.

Atualmente, os maiores laboratórios farmacêuticos do país cuidam de readaptar suas linhas de produção ao fim da demanda emergencial gerada pelos três anos em que a covid-19 dominou o cenário farmacológico global. “Na pandemia, chegamos a fretar um avião especialmente para garantir entregas refrigeradas de medicamentos para fertilidade e esclerose múltipla”, lembra Arnaud Coelho, presidente da Merck do Brasil. “Hoje, voltamos à normalidade das nossas operações, com funcionamento de 24 horas nos sete dias da semana na nossa fábrica de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, e a previsão é de crescermos mais 15% em 2023.”

A Merck, que comemora cem anos de operação no Brasil em 2023, investiu R$ 125 milhões na sua fábrica carioca, que atingirá a produção de três bilhões de comprimidos até o fim do ano, e tem duas novas moléculas para submeter à aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) até 2025: uma para câncer de cabeça e pescoço, a Xevinapante, e outra para esclerose múltipla (inibidora de respostas das células B), a Evobrutinibe.

A pandemia guindou a Pfizer ao patamar dos líderes globais de imunizantes. E o foco da companhia permanece nessa direção. “Mesmo com o recuo da pandemia, nossas linhas de covid-19 continuaram contribuindo significativamente para os negócios, com uma receita global combinada de US$ 7,1 bilhões durante o primeiro trimestre, ante o faturamento total de US$ 18,3 bilhões no período, e ao mesmo tempo nossas receitas não relacionadas à covid-19 também cresceram 5%”, diz Marta Diez, CEO da Pfizer Brasil.

A rota da tecnologia do RNA mensageiro, responsável pelo sucesso da sua vacina anti-covid-19 em parceria com a Biontech, abre um novo horizonte para a companhia. “Paralelamente, também caminhamos para aumentar nossas receitas não relacionadas à covid-19. Esperamos lançar globalmente até 19 novos produtos para oncologia, hematologia, doenças raras a imunologia (vacinas), e mais de um terço do nosso pipeline (35 estudos, de um total de 101) está na fase III de teste ou de registro, que são as etapas finais. Um período empolgante para a Pfizer”, afirma Diez. O aporte mundial para pesquisa e desenvolvimento da empresa neste ano ficará entre US$ 12,4 bilhões e US$ 13,4 bilhões.

A Eurofarma, outra líder de medicamentos do país, aposta na inovação (incremental ou radical) para manter sua média de crescimento de 20% ao ano em mais de uma década. Maria del Pilar Muñoz, vice-presidente da Eurofarma, adianta que há mais de 270 projetos na empresa, que lança em média 40 novos medicamentos por ano no Brasil. O investimento em pesquisa e desenvolvimento em 2022 somou R$ 591 milhões, o equivalente a 7,4% da receita líquida, e a projeção para 2023 é superior a R$ 700 milhões. Um dos focos das inversões da Eurofarma é a nova unidade fabril de Montes Claros (MG) para reforçar a diversificação da oferta de remédios da companhia, que abrange desde as áreas de medicamentos sob prescrição médica, de uso restrito hospitalar, a genéricos e venda livre em balcão. Recentemente a sua planta de Itapevi foi aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos, equivalente à Anvisa, para exportações para aquele país.

A suíça Novartis, com 90 anos no mercado brasileiro, acredita que o acordo com o Ministério da Saúde concluído em dezembro de 2022, que permitiu a incorporação da primeira terapia gênica, destinada ao tratamento de atrofia muscular espinhal, com a implementação do primeiro compartilhamento de risco com o SUS, é um marco promissor no Brasil. Renato Garcia Carvalho, presidente da Novartis Brasil, comanda inversões de R$ 1 bilhão em estudos e pesquisas clínicas nos últimos quatro anos, que evolvem mais de 80 estudos clínicos no país.

A fábrica brasileira da Novartis, localizada em Cambé (PR), é responsável pela produção de orais sólidos e pelo abastecimento do portfólio local de genéricos, comercializados pela sua coligada Sandoz. “Nossa projeção de crescimento em 2023 é de 13,8% no canal varejo e de 22,3% no canal institucional, um aumento superior ao esperado para esses dois mercados, 8,2% e 12,4%, respectivamente, conforme dados da IQVIA”, afirma Carvalho. A Novartis projeta para o ano fiscal de 2023 importações de cerca de 12 milhões de unidades, alcançando US$ 485 milhões.

Fonte: https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/saude/noticia/2023/06/30/remedios-em-profusao-na-industria-farmaceutica.ghtml

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