Os tratamentos com cannabis medicinal devem movimentar R$ 10 bilhões nos próximos cinco anos no Brasil. A projeção partiu de Allan Paiotti, CEO da Cannect, ecossistema de cannabis medicinal que tem como objetivo democratizar o acesso à terapia, conectando pacientes, médicos, instituições de saúde, pesquisadores e fornecedores.
O executivo concedeu uma entrevista exclusiva para o Panorama Farmacêutico e falou sobre o potencial do uso da cannabis para mais de 130 milhões de pacientes no Brasil. Ele defende a disseminação do conhecimento sobre as potencialidades da planta como forma de desmitificar seu uso entre os pacientes e ampliar a rede de prescritores.
Como você enxerga o mercado de cannabis neste momento?
Em relação ao acesso, as informações mais recentes disponibilizadas pela Anvisa são do fim de 2022 e dão conta de que cerca de 250 mil a 300 mil pacientes foram tratados com cannabis medicinal no país. E a expectativa para este ano é superar 500 mil. Tratamos quase 35 mil pessoas ao longo dos últimos dois anos e devemos encerrar 2023 com aproximadamente 60 mil pacientes.
O que falta para ele atingir um nível de maturidade maior?
É fundamental ampliar cada vez mais a rede de informação tanto para a sociedade civil como para os diversos players que atuam no segmento. Isso tende a dirimir a barreira de preconceitos e desconhecimento em relação ao uso do produto. Um exemplo claro é que, entre 2018 e 2020, cerca de 70% das reportagens veiculadas na mídia em geral sobre cannabis tinham enfoque muito voltado para o lado pejorativo da maconha, do uso recreativo e da figura estereotipada do “maconheiro”.
Já entre 2020 e fim de 2021 ocorreu uma inversão e, hoje, 75% das matérias já abordam o viés de produto de saúde, os estudos científicos, com relatos de pacientes e médicos sobre os benefícios do tratamento. Estamos colhendo os frutos dessas informações mais qualificadas. Trata-se de uma mudança de paradigma.
Nesse ponto, o quanto o mercado avançou na aceitação da prescrição pela classe médica?
Os números indicam que existem hoje 5 mil profissionais no mercado brasileiro, com conhecimento adequado para prescrever cannabis. Mas se fizermos um recorte por especialidade, temos mais ou menos 300 mil médicos que podem se habilitar a prescrever o tratamento depois de treinados. Temos uma trajetória de crescimento pela frente, com 100 mil médicos prescrevendo nos próximos quatro anos. Mas, para esse mercado ser escalável, a educação ainda é uma parte crítica.
Estamos em um período transacional, de surgimento de uma nova opção terapêutica. Nesse contexto, os hospitais especializados estão assumindo um protagonismo trazendo jovens médicos para seu corpo clínico.
Em São Paulo, com a aprovação da lei que garante o fornecimento de cannabis medicinal no SUS, capacitamos mais de 2 mil médicos da rede pública, com conhecimento técnico-científico para habilitá-los na prescrição do medicamento. E, com base nas evidências científicas desenvolvidas ao longo dos últimos 20 anos, estimamos que exista 130 milhões de pessoas no Brasil com patologias e sintomas potencialmente tratáveis com cannabis medicinal.
O preço ainda é impeditivo para o acesso de muitos pacientes. Quanto custa um tratamento atualmente?
Em 2021, o custo médio dos tratamentos variava de R$ 800 a R$ 1.000 e o paciente ainda tinha que desembolsar mais R$ 400 de frete, o que representava quase 50% do valor do produto. Com aumento da escala, gradativamente conseguimos trazer produtos de qualidade e mais acessíveis. Hoje, o frete gira em torno de R$ 100 e o tratamento custa de R$ 300 a R$ 350 por mês. O tempo de entrega também caiu de 50 para dez dias, tornando os importados muito mais competitivos. Além disso, o marketplace inclui os medicamentos comercializados em farmácia, na qual também começamos a ver uma estratégia de reposicionamento com redução no preço.
Como a inovação ajuda na escolha do melhor tratamento para o paciente?
A pergunta que sempre fazemos é como usar a tecnologia para trazer soluções e ferramentas que ajudem o médico a escolher a terapia mais adequada para aquele caso específico, uma vez que dois pacientes podem ter a mesma patologia, mas o organismo de cada um reage de modo diferente.
Para isso, desenvolvemos um teste genético que ajuda o médico a entender como cada indivíduo vai reagir em relação aos canabinoides. A ferramenta analisa se o paciente precisa de um produto isolado ou que contemple todos os espectros da planta – se precisa de um CBD, de uma baixa concentração de THC, um CBN ou dos terpenos da flor.
Há uma série de informações que ajudam o médico a conduzir a melhor estratégia de tratamento. A inovação atua nesse processo, harmonizando ciência com dados clínicos para fazer com que o tratamento seja mais assertivo. Também estamos discutindo como usar a inteligência artificial para ajudar o médico a antecipar alguns processos de avaliação.
A inclusão da terapia no rol da ANS poderia dar um fim aos problemas de judicialização. Como está esse mercado hoje?
A judicialização impacta de uma maneira bastante relevante a saúde suplementar, mas as operadoras perceberam que é melhor tratar o tema como um protocolo proativo do que gastar tempo, energia e dinheiro em uma disputa judicial. É um processo de amadurecimento.
Atualmente, já conseguimos mostrar ao setor o que chamamos de estudos de mundo real e como o uso do medicamento em determinados pacientes crônicos pode ajudar a evitar internações e idas recorrentes ao pronto-socorro, diminuindo os custos do tratamento. Alguns planos já estão testando os protocolos.
Fonte: https://panoramafarmaceutico.com.br/tratamentos-com-cannabis-devem-movimentar-r-10-bilhoes/
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