Há apenas alguns anos, a Natura era um dos raros casos de empresas latino-americanas com ambições verdadeiramente mundiais.
A fabricante brasileira de cosméticos, que se orgulha de ser uma das líderes na questão da sustentabilidade, embarcou em uma ofensiva de crescimento internacional na última década por meio de aquisições que a levaram à Austrália, à Europa e à Ásia.
A compra total das ações da empresa de venda de cosméticos porta-a-porta Avon por US$ 2 bilhões, em 2019, transformou a Natura no quarto maior grupo do mundo com foco exclusivo na área de beleza, com um conjunto de quatro marcas, entre elas a The Body Shop.
Império no vermelho
Mas os dias emocionantes de construção de império acabaram. Depois de uma queda prolongada no preço de suas ações durante a segunda metade da pandemia e com as contas no vermelho, a empresa, que tem sede em São Paulo, está prestes a passar por uma reformulação.
Afetada pelo aperto nos gastos do consumidor e pelo conflito na Ucrânia, a prioridade da empresa agora é melhorar os resultados, de acordo com seu executivo-chefe (CEO), Fábio Barbosa, ex-executivo do setor bancário que assumiu o comando no ano passado.
“O foco é mais sobre margens e geração de caixa do que sobre crescimento das vendas”, disse Barbosa.
Junto com uma reorganização empresarial, a direção tem revisto o modelo de negócios da Natura e sua presença em mercados de baixo desempenho.
Não discutimos mais programas de expansão
“Programas de expansão, geografias que você pode ter tido no passado, não discutimos mais isso”, disse Barbosa em uma entrevista ao “Financial Times”.
Fundada em 1969 como uma pequena loja de cosméticos em uma rua de um bairro nobre de São Paulo, a Natura foi pioneira na área de vendas diretas na América do Sul, à semelhança da ex-concorrente Avon.
A empresa também é muito reconhecida por suas credenciais sociais e ambientais. Por mais de 20 anos, sua marca de mesmo nome obtém ingredientes para sabonetes, hidratantes e xampus da Amazônia, onde ajuda a preservar vastas extensões de terra ao trabalhar com as comunidades locais.
Propósito e lucratividade
Investidores vão querer ver propósito combinado a lucratividade mais uma vez. As ações da Natura caíram 80% em relação ao pico de um ano e meio atrás, o que eliminou cerca de US$ 12,5 bilhões de sua capitalização de mercado. Hoje está avaliada em apenas R$ 16,9 bilhões (US$ 3,2 bilhões).
Quando os varejistas fecharam suas lojas durante a pandemia de covid-19, o conglomerado do setor de cuidados pessoais ficou em vantagem inicialmente, por causa de suas vendas diretas e do impulso no comércio eletrônico. Mas desde então o volume de negócios encolheu.
As atividades da Natura têm se mantido razoavelmente bem na América Latina, onde tem O Boticário como um de seus rivais. A maioria dos problemas se concentra em outros países e muitas vezes são causados por fatores externos, de acordo com Thiago Macruz, analista do Itaú BBA.
Operações mundiais – Avon e The Body Shop
“Qual é o desafio aqui? As operações mundiais estão com muitas dificuldades”, explicou Macruz. “Elas foram pegas por alguns imprevistos consideráveis no caminho.”
Na Avon, as vendas foram prejudicadas pelo conflito entre a Rússia e a Ucrânia (a Natura não é dona da marca na América do Norte). Ao mesmo tempo, a grande carteira de lojas da The Body Shop por toda a Europa sofreu com a inflação no continente, que corroeu a renda disponível para compras não essenciais.
Isso contribuiu para um terceiro trimestre consecutivo de perdas no ano passado, que elevou o déficit de nove meses da Natura para quase R$ 2 bilhões (US$ 380 milhões), enquanto as receitas caíram 9% em termos de moeda constante, para R$ 26 bilhões (US$ 5 bilhões) durante o período.
Metas descartadas
Metas financeiras foram descartadas, entre elas a economia de custos que seria obtida como resultado da fusão com a Avon.
Virada com a Aesop
Hoje a direção faz sua aposta na menor empresa do grupo, que se mostrou como o ponto positivo em meio às dificuldades. A expectativa é de que a Aesop ofereça um elemento importante para uma virada.
Uma marca premium de cosméticos que é originária da Austrália e foi comprada pela Natura há uma década, a Aesop é uma exceção à ênfase em abandonar a expansão. Recentemente, a marca abriu suas primeiras lojas na China, o principal mercado em crescimento para artigos de luxo no mundo.
“A Aesop sempre foi muito consistente”, disse Vinícius Strano, analista do UBS. “É a única marca que resistiu enquanto Natura, Avon e The Body Shop se deterioravam.”
A separação da unidade do resto do grupo ou sua entrada no mercado de ações são possibilidades em estudo. Analistas do Itaú estimam que a Aesop pode valer R$ 8 bilhões.
Os lucros em dinheiro de qualquer transação seriam destinados ao financiamento da Aesop e também poderiam ajudar a amortizar os empréstimos significativos da Natura.
Dívida líquida
A dívida líquida do grupo como um todo, de R$ 8,8 bilhões, cresceu para uma proporção de 2,85 vezes o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização.
Despesas gerais caem 40%
Outro pilar do plano é a reestruturação da empresa controladora. Barbosa disse que isso já tem dado frutos, pois as despesas gerais com a atividade central foram reduzidas em pelo menos 40%. A tomada de decisão também está sendo transferida do centro para os executivos que dirigem cada uma das quatro divisões.
“É muito melhor delegar, para que cada unidade tenha sua própria reação às realidades do mercado em que está”, acrescentou o executivo-chefe. “É a flexibilidade que demos às unidades da empresa para reagir. Elas têm mais autonomia para tomar decisões com prestação de contas.”
Marcas velhas e ultrapassadas
O teste será descobrir se isso será suficiente para reanimar um par de marcas consideradas por alguns analistas e consumidores como velhas e ultrapassadas.
A Natura adquiriu a The Body Shop, uma varejista ética britânica famosa por sua posição contra os testes em animais, da L’Oréal em 2017, por um valor de empresa de 1 bilhão de euros. O objetivo é “rejuvenescer” a empresa, fundada nos anos 1970 pela falecida ativista Anita Roddick, e ao mesmo tempo afastá-la do mercado de descontos, de forma a aumentar as margens.
Novo formato de loja
“Queremos que a empresa volte a ter a ligação que sempre teve com a sociedade, ou mesmo estar um pouco à frente da sociedade”, disse Barbosa. As lojas da unidade começaram a ganhar um novo formato, com menos produtos e com postos de reabastecimento para evitar embalagens. A novidade está sendo adotada inicialmente no Reino Unido onde a The Body Shop tem 207 lojas.
Barbosa disse que as lojas reformadas já registraram aumento nas vendas.
Avon na Rússia
Enquanto muitas grandes empresas tenham abandonado a Rússia depois de sua invasão da Ucrânia, a Avon permaneceu no país, onde mantém uma “unidade autossuficiente”, que não importa ou exporta nada. Barbosa defendeu a decisão com o argumento de que ela oferece uma fonte de renda para suas famosas “mulheres da Avon” – as revendedoras autônomas da marca.
Outra fonte potencial de ganhos é a maior integração da Natura e da Avon na América Latina. Barbosa, porém, não espera uma “reação imediata” dos investidores em ações.
“Acho que o mercado gostaria de ver resultados e não o pensamento por trás disso”, disse ele. “O preço das ações vai reagir assim que virmos uma melhora dos resultados.”
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