A indústria de cosméticos, extremamente lucrativa, parece ter encontrado um novo caminho: focar nas crianças e, assim, criar uma geração de consumidores dependentes que vão comprar ao longo da vida.

No vídeo, a menina mostra sua rotina de beleza e seus produtos favoritos. Na bancada de maquiagem, ela quase desaparece diante da quantidade de itens como hidratantes, séruns e outras fórmulas de marcas famosas e caras, como Drunk Elephant e Bubble. São cerca de 20 potes e frascos.

Poderíamos considerar um exagero se a influenciadora fosse uma mulher adulta, mas cada um faz o que quer. O problema é que a protagonista do vídeo é uma criança de apenas 10 anos. Além disso, o vídeo é exibido no TikTok do pai da menina, o influenciador britânico Jonathan Joly, que possui cerca de 3,7 milhões de seguidores nessa rede social e 1,87 milhões no Instagram.

A filha de Joly é apenas uma das muitas representantes do fenômeno “Sephora Kids” (crianças Sephora, em tradução literal). A Sephora é uma das marcas de produtos de beleza mais populares e caras dos dias atuais, com lojas em diversos países. Essa tendência preocupante tem alarmado dermatologistas.

E não é para menos. Na rede preferida das crianças, o TikTok, os vídeos de rotinas de beleza protagonizados por crianças estão em toda parte. Com faixas na cabeça, como adultos, meninas com menos de 10 anos mostram que são obcecadas por produtos de beleza. Algumas delas utilizam produtos que contêm retinol (um ácido com efeito “rejuvenescedor”) e outros itens que não são recomendados para crianças.

“Usamos esse rolinho para espalhar o creme, o movimento deve ser para fora, assim, para evitar rugas no futuro”, diz uma menina de apenas 8 anos em um dos inúmeros vídeos que assisti para escrever este texto. A mãe, ao lado, sorri. Ela não diz que a filha não deveria estar preocupada com isso e que, inclusive, os sinais do envelhecimento são algo natural, não um monstro a ser temido por crianças.

É evidente que as “Sephora Kids” são, principalmente, meninas, as maiores consumidoras de produtos de beleza. A indústria de cosméticos, extremamente lucrativa, parece ter encontrado um novo mercado: focar nas crianças e, assim, criar uma geração de consumidores dependentes ao longo da vida. Uma ideia genial (do mal).

Não é de se surpreender que crianças não adotem rotinas de beleza e não desejem produtos de beleza caros “do nada”. Elas são influenciadas pelas redes sociais, em um ciclo vicioso, onde cada vez mais meninas postando vídeos de skincare levam outras a fazerem o mesmo. Além disso, elas são mais suscetíveis aos apelos do consumo.

Pais influenciadores
Acredito que a maioria dos pais sabe que crianças não devem se preocupar com envelhecimento e que esses produtos podem realmente prejudicar a pele e a mente dos filhos. Porém, há também o mundo dos pais influenciadores que lucram expondo seus filhos na internet. Alguns desses pais parecem ter entendido que filmar crianças seguindo rotinas de beleza ou comprando produtos gera cliques e, consequentemente, dinheiro.

Uma das tendências no YouTube são vídeos no estilo “deixei minha filha gastar R$ 7 mil na Sephora”, nos quais vemos crianças correndo dentro de lojas e comprando produtos de adulto como se estivessem na Fantástica Fábrica de Chocolates – um filme antigo que marcou a infância de muitos de nós. Mas, em vez de correrem o risco de caírem em lagos de chocolate, elas podem se afogar em ácido retinóico.

E não sou apenas eu que estou falando. O fenômeno preocupa dermatologistas de todo o mundo. Segundo a Associação Britânica de Dermatologia, muitos desses produtos podem causar irritações em peles jovens e até alergias graves.

Além disso, eles alertam para o fato de que muitos desses produtos são vendidos em embalagens sugestivas, frequentemente brilhantes e coloridas, tornando-os atraentes para as crianças. Até os nomes são atraentes, não é? Eu mesma, confesso, à primeira vista, pensei que Drunk Elephant e Bubble eram marcas destinadas para crianças. Mas não são.

No site da Drunk Elephant, eles explicam que há produtos que podem ser usados por menores de 12 anos e que outros não são recomendados. Eles também listam quais produtos as crianças menores de 12 podem usar sem preocupações. A Bubble também apresenta em seu site uma lista de produtos indicados para “iniciantes”, ou seja, menores de 13 anos. Mas, então, está liberado para uma jovem de 15 anos usar creme antienvelhecimento?

Entre as perguntas e respostas no site da Drunk Elephant, uma me chamou a atenção: “Bebês podem usar Drunk Elephant?”. Se essa pergunta está lá, é porque alguém faz rotina de skincare em bebês. E, sim, eu vi um vídeo no TikTok onde uma bebê de uns seis meses passava por uma.

E a tendência de aceitar o envelhecimento?
É, no mínimo, curioso que as crianças estejam usando produtos para prevenir rugas (sic) justamente em um momento em que o mundo todo fala sobre a luta contra o etarismo e sobre envelhecer sem medo.

Meu palpite: na verdade, não estamos avançando tanto assim nesse ponto. Existem exemplos pontuais de mulheres famosas que envelhecem lindamente sem procedimentos, claro. Mas muitas mulheres ainda são escravas dessa ideia, principalmente em países como o Brasil e os Estados Unidos (campeões mundiais de cirurgias plásticas e procedimentos estéticos).

Se nossas crianças já estão tão envenenadas com os vírus da juventude eterna e do consumismo desenfreado, é porque algo está muito errado. E a indústria de beleza, que lucra com a insatisfação feminina, agradece.

Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02 Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou-se para Berlim, cidade pela qual é apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

Fonte: https://cosmeticinnovation.com.br/a-obsessao-inusitada-das-criancas-com-skin-care/

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