O impasse entre o setor farmacêutico e o governo federal em torno do Aqui Tem Farmácia Popular pode deixar cerca de um milhão de pacientes crônicos sem um dos remédios importantes entre os oferecidos pelo programa. Nas recentes rodadas de negociações entre o Ministério da Saúde e as farmácias — nas quais a União já propôs a redução de até 60% no repasse feito à rede credenciada —, o ministério também já indicou que poderá retirar a insulina da lista de medicamentos liberados gratuitamente para os pacientes.
Após a realização de um estudo, a pasta teria constatado que, em média, os valores pagos pelo governo por remédios usados nos tratamentos de asma, hipertensão e diabetes estão 30% acima dos praticados pelo mercado. A estimativa é que, com os custos readequados, seriam economizados R$ 750 milhões. Assim, o gasto total com o programa passaria de R$ 2,6 bilhões para R$ 1,85 bilhão, atendendo o mesmo número de pessoas.
Em entrevista ao EXTRA, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, apresentou os motivos que levariam o governo a retirar a insulina do programa. Segundo ele, o valor de aquisição do remédio — incluindo o custo da insulina NPH, a transferência de tecnologia, os impostos e a logística — é de R$ 10. No Farmácia Popular, o desembolso do ministério pelo mesmo produto é maior: de R$ 27,50.
— As margens pagas pelo governo não estão compatíveis. Por isso, vamos reajustar os valores para mais ou para menos, baseado na concorrência e na oferta. Porém, destaco que, se os valores não forem adequados à realidade do mercado, vamos transferir a distribuição da insulina para estados e municípios, por intermédio das farmácias do SUS — afirmou Barros.
Segundo a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), no entanto, o argumento do governo não é válido, visto que a insulina representa apenas 7% do total de gastos do programa — cerca de R$ 200 milhões —, muito abaixo da despesa com medicamentos para hipertensão, que consomem mais de 50% do orçamento anual (desembolso em torno de R$ 1,3 bilhão).
— Nos últimos anos, a inflação subiu, os custos para a indústria aumentaram, bem como os gastos com logística, por exemplo. O governo não considera isso na equação e pretende reavaliar os preços e readequar os valores de repasse do programa, o que pode prejudicar todo o setor farmacêutico, com reflexo imediato para os usuários — avaliou o diretor da Interfarma Pedro Bernardo.
Uso duas ampolas por mês, diz a aposentada Neyde de Almeida.
Tenho 60 anos e descobri que tinha diabetes aos 40. Passei a fazer uso de insulina como medicamento contínuo há oito anos e, desde então, consigo obtê-la pelo programa Farmácia Popular. Isso é muito bom, pois recebo o medicamento de graça. Uso duas ampolas por mês e, assim como outros diabéticos, caso o medicamento seja retirado do programa, serei muito prejudicada. Muita gente com diabetes não tem condições de comprar o medicamento, por mais que seja barato. Eu, que sou aposentada, tenho o dinheiro contado todo mês. Perder a medicação de graça terá um impacto muito grande. Tomara que essa briga (governo versus rede credenciada) não prejudique quem precisa.
PROJETO NA CORDA BAMBA
Pior do que a retirada de um medicamento do rol de remédios ofertados, a falta de acordo entre o governo federal e o setor varejista de farmácias pode levar ao fim do programa Farmácia Popular — que oferece preços acessíveis a cerca de 195 milhões de brasileiros, segundo a Interfarma, por conta dos descontos de até 90%. Isso porque, nas primeiras conversas, a União fez uma proposta de diminuir os preços pagos à rede credenciada pelos medicamentos em 35%, em média. Segundo o setor, esse corte inviabilizaria a venda de remédios mais em conta para os consumidores.
A proposta do governo é heterogênea e depende do tipo de medicamento do programa. No caso da Losartana Potássica, de 50mg, o preço atualmente pago pelo Ministério da Saúde por comprimido é de R$ 0,30. Mas a proposta inicial do governo prevê redução para R$ 0,12, ou seja, queda de 60%. Já o cloridrato de metformina, de 850mg, tem um repasse de R$ 0,16, com redução prevista para R$ 0,14 (-0,13%).
De acordo com Rafael Espinhel, assessor jurídico da Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico (Abcfarma), se a queda dos preços for confirmada, será impossível manter o projeto.
— É uma conta simples de ser feita. O governo já repassa um valor muito baixo para a rede privada credenciada e, se baixar mais, isso vai inviabilizar o programa. Além disso, as pequenas farmácias serão as mais prejudicadas e as primeiras a abandonar o programa — disse.
CUSTOS PARA OS CONSUMIDORES SÃO REGULADOS
Os valores cobrados pelos remédios vendidos no programa Farmácia Popular obedecem às regras estabelecidas pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed), que rege o setor e estabelece critérios para a fixação e o ajuste de preços. A entidade estabelece um valor teto para a venda aos compradores finais, mas os laboratórios e as drogarias podem cobrar menos desses consumidores, se desejarem.
Segundo o Ministério da Saúde, a oferta dos medicamentos dentro do programa está mantida, e o objetivo da negociação é dar mais eficiência à utilização dos recursos públicos, garantindo que não haja ônus para o SUS, além de buscar ampliar a oferta de produtos e serviços de saúde.
A modalidade Aqui Tem Farmácia Popular funciona em parceria com farmácias e drogarias particulares, que aderem ao credenciamento no programa. A lista de itens oferecidos é diferente da rede própria do governo, que deve ser extinta.
Ao todo, são oferecidos 42 remédios, 26 deles gratuitamente (para o tratamento de hipertensão, diabetes e asma). Ainda há medicamentos para rinite, dislipidemia, doença de Parkinson, osteoporose e glaucoma, além de contraceptivos e fraldas geriátricas.
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