Longe dos laboratórios, a técnica de edição de genes chamada CRISPR também é objeto de polêmica. Nos EUA, a Oficina de Patentes e Marcas avalia quem deve ter os direitos sobre a invenção. Jennifer Doudna, da Universidade de Berkeley, e Emmanuelle Charpentier, então no Instituto de Berlim Max Planck, requereram a patente pela descoberta, publicada na revista “Science” em junho de 2012. Mas o trabalho das duas cientistas descrevia a utilização da CRISPR apenas em bactérias. O Instituto Broad, do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), com Feng Zhang, fez o pedido em dezembro do mesmo ano, para a aplicação da técnica em células eucariotas, muito mais complexas.

A primeira batalha foi ganha pelo Instituto Broad, embora tenha sido contestada pela Universidade de Berkeley. Em jogo, estão os bilhões de dólares associados a acordos comerciais com empresas biomédicas e agrícolas para o uso da ferramenta. A decisão poderá invalidar alguns desses contratos, embora não detenha o ritmo dos trabalhos de pesquisa nos laboratórios. Na agricultura, multinacionais consagradas como DuPont e a Bayer estão de olho na ferramenta capaz de fazer melhoramentos em plantas e reverter a resistência a pesticidas sem que seja necessário utilizar genes de espécies diferentes (transgênicos).
Outra aplicação almejada é a edição genética de mosquitos contra a transmissão de doenças como malária, dengue e zika. Modificações nas células reprodutivas dos insetos bloqueiam a ação dos parasitas. A CRISPR também vem sendo aplicada para modelos animais de diferentes espécies, incluindo leveduras, moscas de frutas, coelhos, camundongos e macacos. Muitos trabalhos são desenvolvidos visando utilizar a edição de genomas para o tratamento de doenças infecciosas causadas por vírus. Pesquisadores da Universidade de Harvard usaram a edição do genoma para inativar vírus para utilizar órgãos de porcos em transplantes humanos.

A edição genética é especialmente promissora para tratar câncer. “Ela é muito útil para tentar descobrir novas vulnerabilidades da célula cancerosa que poderiam ser utilizadas na imunoterapia”, afirma o biólogo Thiago dos Santos, pesquisador do laboratório de Biologia Tumoral e Biomarcadores do A.C. Camargo Cancer Center. “A técnica permite fazer experimentos em grande escala, com inúmeros alvos ao mesmo tempo e de maneira rápida.” Na Inglaterra, uma tecnologia similar à CRISPR foi utilizada para tratar experimentalmente duas crianças com leucemia. Os cientistas esperam autorização para ser estendida a ensaios com mais pacientes.

Grandes companhias farmacêuticas se movimentam para empregar a tecnologia. O Instituto Broad concedeu licença para o desenvolvimento de tratamentos e remédios para a Editas Medicine, startup que tem Feng Zhang como um dos fundadores. A empresa, criada em 2013, recebeu duas rodadas de investimento. No ano de sua fundação, levantou cerca de US$ 43 milhões; na segunda rodada, com a participação de Bill Gates, arrecadou mais de US$ 120 milhões. Neste ano, espera realizar o seu primeiro ensaio clínico em portadores de uma forma rara de cegueira.

A Caribou Biosciences, que foi fundada por Jennifer Doudna em 2011, levantou US$ 42 milhões em fundos para a pesquisa e o desenvolvimento de medicamentos, além de aplicações nas áreas de biotecnologia agrícola e industrial. Em parceria com a Novartis e o fundo Atlas Venture de capital de risco, a Caribou constituiu a Intellia para pesquisas com o uso da CRISPR na reprogramação de células do sistema imunológico do próprio paciente, para fazê-las combater o câncer. Por sua vez, Emanuelle Charpentier licenciou sua descoberta para a CRISPR Therapeutics, na Suíça, com fundos da ordem de US$ 25 milhões, tendo estabelecido contratos com a Bayer e a Vertex Pharmaceuticals.

Com uma técnica de edição semelhante, a Sangamo, com sede na Califórnia, está trabalhando há mais de dez anos para encontrar uma fórmula de tratar doenças genéticas e infecciosas, entre elas, a aids. A empresa utiliza um sistema precursor da CRISPR, baseado no reconhecimento de nucleases de sequências de DNA chamadas zinc-finger (ZFNs), um pouco menos específico. O objetivo é bloquear um gene, o CCR5, que o HIV utiliza para infectar as células do organismo que combatem as infecções virais. Células do paciente são removidas e processadas e então reintroduzidas no paciente. Ainda é prematuro dizer que a técnica cura a aids, mas é uma das pesquisas promissoras em andamento.

Fonte: http://panoramafarmaceutico.com.br/2017/08/18/farmaceuticas-disputam-edicao-genetica/

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