As empresas alemãs estão indo às compras e os Estados Unidos são seu principal destino. Ontem, a farmacêutica alemã Merck KGaA anunciou a compra da americana Sigma Aldrich Corp. por US$ 17 bilhões para expandir seu portfólio na área de ciências da vida.
Horas antes, a gigante industrial alemã Siemens AG havia fechado a aquisição da fabricante de equipamentos de energia Dresser-Rand Group Inc. por mais de US$ 6 bilhões.
Os acordos fazem parte de uma onda de aquisições com foco nos EUA feitas neste ano por empresas da maior economia europeia. A tendência tem sido alimentada por uma série de fatores, inclusive taxas de juros em níveis recorde de baixa, estagnação na Europa, crescimento econômico e uma queda nos preços da energia nos EUA, além dos gordos caixas de empresas alemãs bem-sucedidas.
Com os acordos anunciados ontem, o valor total de aquisições feitas este ano por empresas alemãs nos EUA sobe para quase US$ 70 bilhões, segundo a firma de dados Dealogic. Isso posiciona a Alemanha como o segundo maior comprador estrangeiro de empresas americanas em 2014, depois do Canadá, que investiu US$ 77 bilhões. As compras alemãs já superaram este ano o investimento anual de empresas da Alemanha nos EUA em cada ano nos últimos 20, segundo a Dealogic.
O diretor-presidente da Merck, Karl-Ludwig Kley, disse ontem que a aquisição da Sigma Aldrich marca “um salto quântico” para a empresa, em parte porque ela era “sub-representada nos EUA”. A aquisição também dá à Merck acesso à “tendência de um aumento da globalização da pesquisa e produção farmacêutica”. A Sigma Aldrich, que registrou vendas de US$ 2,7 bilhões no ano passado, fabrica produtos químicos e materiais biológicos utilizados em laboratórios científicos.
As vendas de produtos farmacêuticos da Merck KGaA são dominadas hoje por apenas dois medicamentos: o Rebif, para a esclerose múltipla, e o tratamento de câncer Erbitux. A Merck alemã não tem vínculo com a americana Merck Sharp & Dohme, apesar de ambas terem compartilhado as mesmas raízes há um século.
Para a Siemens, a aquisição da Dresser-Rand vai de encontro ao objetivo do diretor-presidente Joe Kaeser de construir presença no mercado de energia dos EUA e capitalizar o boom do gás de xisto no país. Kaeser disse ontem que a aquisição permitiria que a Siemens seja “vista, ouvida e conhecida no ambiente mais amplo de Houston”, um centro da indústria americana de petróleo, onde fica a sede da Dresser. A Siemens vem expandindo suas operações de energia e se desfazendo de outros ativos.
Os acordos se encaixam em esforços mais amplos de empresas alemãs de adquirir tecnologia e participação de mercado na maior economia do mundo. Na semana passada, a ZF Friedrichshafen AG, fabricante alemã de autopeças, fechou a compra da concorrente americana TRW Automotive Holdings Corp. por cerca de US$ 12 bilhões, e a fabricante alemã de software SAP SE anunciou que vai adquirir a Concur Technologies Inc., num negócio avaliado em mais de US$ 8 bilhões. Ambos acordos oferecem às empresas compradoras novas capacidades em mercados futuros cruciais, como o de computação em nuvem e de carros que se autodirigem.
As fusões e aquisições alemãs nos EUA hoje ressaltam a confluência de tendências econômicas. A maior é macro: A economia americana está se expandindo e os economistas esperam que o crescimento acelere. Já a Europa ainda tenta se recuperar de suas crises financeiras recentes e agora as tensões com a Rússia, ligadas ao conflito na Ucrânia, ameaçam provocar mais desaceleração, dizem analistas.
Yoel Zaoui, da consultoria londrina Zaoui & Co., que assessorou a Dresser Rand no negócio com a Siemens, diz que o surto de aquisições mostra como o mercado americano se aqueceu. “É um ambiente aberto de mercados de capitais e uma economia em crescimento”, diz.
Numa ilustração marcante do contraste entre os EUA e a Europa, o Federal Reserve, banco central americano, está considerando o melhor momento para elevar os juros, enquanto o Banco Central Europeu ainda busca maneiras de reduzir suas taxas, já em mínimos recorde, para estimular o crescimento. Os fabricantes alemães, que se concentram em exportações e cresceram nos últimos anos, também tiram proveito desse cenário.
“Há um ambiente propício para fusões e aquisições no momento, dado a posição de caixa das grandes empresas e os juros baixos”, diz Marco Gunther, analista do banco alemão Hamburger Sparkasse.
Os fabricantes alemães estão mirando os EUA também porque o boom do gás de xisto está reduzindo o preço da energia no país. Na Alemanha, por outro lado, os preços da energia são uns dos mais altos do mundo desenvolvido, devido ao custo multibilionário do projeto de dez anos do governo de desenvolver fontes de energia renovável.
Ícones industriais como a Siemens e a Basf SE, a maior empresa química do mundo, já afirmaram que pretendem ampliar sua presença nos EUA e em outros países fora da Europa, em vez de no seu mercado doméstico, em grande parte devido ao custo da energia.
O surto de aquisições também sinaliza uma mudança na postura dos líderes empresariais da Alemanha, diz Dirk Albersmeier, diretor de fusões e aquisições do J.P. Morgan Chase and Co., em Frankfurt, que assessorou a alemã Merck no negócio de ontem. Muitos executivos alemães tinham receio de fazer grandes aquisições nos EUA depois dos fracassos do passado, diz.
Com finanças robustas e posições sólidas nos mercados globais, “era só uma questão de tempo” para que os negócios recomeçassem, diz. “Considerando as últimas semanas, vimos que as pessoas estão mais à vontade.”
As empresas alemãs já fizeram estardalhaço semelhante nos EUA antes – e nem sempre com sucesso. A Daimler-Benz AG adquiriu, em 1998, a Chrysler Corp. por US$ 36 bilhões, prometendo torná-la lucrativa. Mas a montadora americana teve dificuldades e, em 2007, a Daimler vendeu a maior parte de sua fatia na empresa para a firma de private equity Cerberus, quase sem obter receita nenhuma.
A empresa de material esportivo Adidas AG já divulgou três alertas de lucro nos últimos 12 meses, em parte porque sua divisão Reebok, que ela comprou por US$ 3,8 bilhões em 2005, vem perdendo mercado para a Nike Inc. Outros investimentos alemães, no entanto, prosperaram. A gigante de mídia Bertelsmann SE comprou a editora Random House em 1998 por uma quantia não revelada. No ano passado, ela fez uma sociedade com a Penguin para criar o maior grupo editorial do mundo.
As séries de negócios também aumentam a possibilidade de outras transações, já que as empresas se apressam para arrebatar ativos antes dos rivais e antes que os preços subam. A alta das ações tanto demonstra como reforça a confiança dos investidores, dizem banqueiros.
“O ambiente no mercado em termos de financiamento e apoio dos acionistas continua positivo”, diz Berthold Fuerst, diretor de F&A do Deutsche Bank AG na Alemanha, que assessorou a Siemens no negócio com a Dresser-Rand e a ZF na aquisição da TRW.
Fonte: http://sindusfarma.org.br/cadastro/index.php/site/ap_imprensas/imprensa/380
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