O avanço da variante ômicron e o surto de influenza H3N2 no país provocaram a falta de diversos medicamentos de combate à gripe, e as redes de farmácias só projetam uma normalização desses gargalos, na melhor das hipóteses, após a segunda quinzena do mês. Fabricantes têm reprogramado sua produção, ocupando as linhas de produtos com baixa demanda nesta época por remédios da classe de antigripais. Férias coletivas também foram adiadas.
“Foi algo completamente inesperado, por causa desse ‘mix’ de síndrome gripal e covid que não estava no planejamento de ninguém. Normalmente, nós só vemos demanda alta nas lojas após maio, e por isso os níveis de produção da indústria estavam normais, para uma procura menor”, diz Sergio Mena Barreto, presidente da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), com 26 cadeias associadas, entre as maiores do país.
Segundo ele, as varejistas já acompanhavam de perto o surto no Rio de Janeiro, em novembro, mas não havia sinais de que isso atingiria mais amplamente o país. “O problema em elevar a produção quando um Estado ou outro tem um surto, é produzir demais e ficar estocado. Isso também ninguém quer”, afirma Edison Tamascia, presidente da Febrafar, a federação das cadeias associativistas e independentes.
Tamascia conta que a entidade avisou os associados, em comunicado no dia 15 de dezembro, sobre o risco de desabastecimento. “Mas acho que houve um conservadorismo do setor como um todo. Um aumento na produção ou nas compras na época, ainda sem sinal claro do que vivemos hoje, elevava o risco de acúmulo de estoque”.
Esse quadro pode elevar a receita bruta de fabricantes e varejistas no primeiro trimestre, normalmente um período sem maior destaque no ano, com espaço maior para ganhos de margem pelo volume gerado com a venda. “Nas praças mais competitivas, não vemos um movimento de reajustes de preços nessa hora de gargalo. Mesmo com os remédios isentos de prescrição podendo reajustar os preço, já que não são regulados, como pastilhas e xaropes”, diz o diretor de uma rede paulista.
Segundo as lojas, o desabastecimento afeta, especialmente, antibióticos, antitérmicos e xaropes. “Falta no Brasil todo, mas são produtos pontuais e loja a loja. Como a indústria leva um tempo até se reprogramar, não esperamos normalização total ainda neste mês”, diz Tamascia. A Abrafarma espera regularização após a segunda quinzena do mês.
Barreto diz que os pedidos em dezembro foram feitos pelas redes até o dia 15, e entre 20 de dezembro e 10 ou 17 de janeiro, são as férias coletivas da indústria já previstas. “Vimos um boom maior de demanda depois que os pedidos já tinham sido colocados, e com fábricas já paradas. As redes, então, reforçaram as encomendas mas há um ‘delay’ de entrega ainda”.
Segundo o diretor do grupo NC, dono da farmacêutica EMS, Felipe Cautella, a produção desses remédios para gripe vai dobrar em janeiro. “Estamos com um volume semelhante ao feito no pico do inverno, quando esses medicamentos tem uma demanda maior. A nossa estratégia, para recompor os estoques nos pontos de venda, foi reprogramar a produção”, diz ele
Segundo o executivo, medicamentos que não estão com problemas de abastecimento, para diabetes e hipertensão, devem começar a ser produzidos na segunda quinzena de janeiro, para abrir espaço e elevar a fabricação daqueles em falta. “A situação deve ser normalizada até o fim deste mês.”
Cautella disse que somente para um expectorante, a empresa vai produzir 2 milhões de unidades em janeiro. Geralmente, nesta época, a produção desse produto chega a 200 mil unidades/mês.
O executivo diz que houve um aumento de 80% nas vendas de produtos da categoria gripe e resfriado quando comparado a dezembro do ano anterior, segundo levantamento realizado em dezembro pela Associação Multimarcas de Farmácia (Farmarcas), uma entidade parceira do grupo NC.
Na Bahia, um dos estados mais afetados pelas fortes chuvas, a alta foi de cerca de 108% em dezembro. No Rio de Janeiro, segundo os dados da Farmarcas, o avanço nas vendas desses produtos chegou a 140%.
Em São Paulo a procura subiu 43% no mês passado. “Não é uma demanda normal, é um movimento parecido com março de 2020, no início da pandemia, com a corrida nas farmácias para compra de medicamento”, disse Cautella.
Apesar dessa aceleração, as farmacêuticas não vem relatando problemas no recebimento de insumos para a produção, o que poderia “travar” a fabricação, dizem as redes varejistas que estão em contato com os laboratórios.
Na Cimed, outra farmacêutica nacional, a produção foi acelerada em dezembro, com a suspensão das férias coletivas no período de festas. Em 2021 foram mais de 100 milhões de unidades vendidas somente para uma das marcas da empresa, o que trouxe um crescimento para todo o portfólio de antigripal de cerca de 35% no volume de vendas frente a 2020.
No ano passado, foram mais de 35 milhões de unidades vendidas para as farmácias — em dezembro, o aumento foi de 220% em comparação aos meses anteriores de 2021. “Acompanhando a alta demanda, a produção de sólidos não parou durante as festas de Natal e Ano Novo”, informou a empresa.
Outra corrida às farmácias foi por testes de covid. Segundo a Abrafarma, na última semana de dezembro, foram 283 mil testes de covid vendidos nas lojas associadas, bem superior à média de 80 mil a 90 mil por semana nos meses anteriores. “Na primeira semana de janeiro, isso deve ter superado os 300 mil”, diz Barreto. Apenas na quinta-feira, foram 60 mil laudos de testes emitidos — ou seja, um número próximo a média mensal.
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