Acionistas minoritários de empresa controlada por Ron Perelman querem assento na mesa

“Meme” tornou-se praticamente um palavrão para os ouvidos de um grupo de acionistas minoritários da Revlon. Nesta semana, esses investidores pedirão a um juiz federal nos Estados Unidos para ter direito a voz formal no processo de recuperação judicial da fabricante de cosméticos.

Quando a recuperação judicial começou há dois meses, as ações da Revlon mergulharam para a faixa de US$ 1. Desde então, contudo, a cotação subiu para mais de US$ 8, o que implica um valor de mercado total em torno a US$ 500 milhões.

Por outro lado, os mercados de bônus contam uma história bem diferente. Os títulos de dívida júnior da Revlon, que têm menor prioridade de pagamento em caso de quebra, ainda são negociados em níveis condizentes a uma situação de calote. Além, disso, tendo em vista que 83% das ações estão nas mãos de Ron Perelman, o aumento maluco na cotação parece refletir fenômeno das ações “meme” [que ganham popularidade em fóruns nas redes sociais on-line, em geral via memes], já vivenciado por empresas como AMC Entertainment, GameStop e, mais recentemente, Bed Bath & Beyond.

A divergência no valor das ações e dos títulos será objeto de discussão entre os acionistas minoritários e os detentores de bônus, em audiência em um tribunal de falências de Nova York na quarta-feira.

Em praticamente todas as recuperações judiciais, os acionistas se veem excluídos da reorganização subsequente. No entanto, o grupo de acionistas minoritários Revlon argumenta que o caso da Revlon pode ser parecido ao da Hertz, a locadora de carros que quebrou no início da pandemia da covid-19, mas conseguiu se reorganizar e fazer com que os antigos acionistas recebessem US$ 1 bilhão à medida que suas operações se recuperavam quase milagrosamente. O grupo minoritário da Revlon considera tal cenário plausível o suficiente para que eles tenham seu próprio comitê oficial no processo de recuperação judicial.

“Os devedores podem argumentar que a Revlon é semelhante a uma ação ‘meme’, cuja cotação não está atrelada a seu valor fundamental”, escreveu o grupo em uma moção legal. “O Tribunal deveria rejeitar qualquer argumento desse tipo dos devedores – que têm o dever de maximizar o valor para todas as partes envolvidas, incluindo os acionistas – para que não se leve em conta o preço das ações.”

As poucas ações da Revlon disponíveis no mercado tiveram um desempenho frenético nas últimas semanas. Mais do que dobraram de valor desde o início de agosto e acumulam alta de quase 600% em relação a seu ponto mais baixo, de meados de junho. Quando o ritmo de alta se acelerou, o mesmo ocorreu nas discussões em fóruns de mídia social frequentados por investidores de varejo.

As menções à Revlon proliferaram no popular fórum WallStreetBets, do Reddit, no qual se destacava o potencial para “estrangular” as posições de investidores apostando na queda das ações e os comentários mostravam o código da ação da Revlon ao lado de um emoji de um foguete decolando.

Os preços das ações meme costumam subir rapidamente, já que um pequeno impulso na cotação é suficiente para que os papéis passem a ser comprados por investidores quantitativos e por investidores interessados em aproveitar o momento. Também é suficiente para fazer com que os investidores até então apostando na queda se vejam obrigados a cobrir suas posições.

O recurso apresentado ao juiz David Jones, do tribunal de falências dos EUA, veio depois de a agência federal americana que supervisiona processos de recuperação judicial, ter negado em julho o pedido para que se criasse o comitê oficial representando os acionistas.

Desde o início do caso, os advogados da Revlon vêm dizendo ao tribunal que o processo seria complexo. A empresa ainda não sabia quem exatamente seriam seus credores após o infame episódio em 2020 em que o Citigroup pagou por engano US$ 900 milhões aos credores da Revlon com recursos próprios do banco.

Um dos acionistas minoritários, Christopher Mittleman, da Mittleman Brothers Investment Management, escreveu recentemente que seria razoável estimar um valor de US$ 10 para as ações da Revlon, se a empresa fosse adquirida por algum concorrente capaz de extrair sinergias.

“A expectativa de uma recuperação positiva para o capital acionário existente em recuperações judiciais geralmente é domínio de especuladores delirantes, mas vejo a Revlon como uma [recuperação judicial] guiada por liquidez, não como uma entidade realmente insolvente”, escreveu Mittleman.

Dois outros acionistas a favor da criação de um comitê oficial são Kevin Barnes e Adam Gui, que se especializaram em investir em bônus de empresas em dificuldades e que trabalharam juntos como acionistas nas recentes recuperações judiciais nos EUA da Latam Airlines e da varejista Tuesday Morning.

A inquietação dos acionistas chega enquanto o processo de recuperação judicial da Revlon continua gerando polêmica entre os detentores de bônus que, de acordo com a lei de falências, precisam ser pagos primeiro, antes de que qualquer dinheiro possa ir para os acionistas.

Os credores da Revlon que têm maior prioridade no recebimento dos pagamentos são os que concederam um empréstimo de US$ 2 bilhões, garantido por grande parte da propriedade intelectual da empresa, que pertence a um veículo subsidiário da Revlon chamado BrandCo. O próximo empréstimo na hierarquia de pagamentos, no qual houve o erro do Citigroup, tem valor nominal de US$ 900 milhões.

Os detentores de US$ 400 milhões desse empréstimo devolveram o pagamento equivocado ao Citigroup e agora se consideram credores da Revlon. O próprio Citigroup entende ter os chamados direitos de sub-rogação, que permitiriam ao banco de Wall Street se colocar no lugar dos credores que receberam o pagamento equivocado, mas não o devolveram ao Citigroup. Dessa forma, o banco se tornaria credor da Revlon. O Citigroup entrou recentemente com uma ação no tribunal de falências pedindo que o juiz confirme os direitos de sub-rogação.

A dívida da Revlon com menor prioridade de pagamento aos credores, de US$ 430 milhões em títulos não garantidos, está sendo negociada a apenas 10% do valor de face, indicando que esses detentores de títulos preveem perder dinheiro, com o que não restaria nada para pagar aos acionistas da Revlon.

Na documentação defendendo a criação do comitê oficial, o grupo de acionistas minoritários mostra receios quanto ao acionista majoritário Perelman: “Não há garantia de que Perelman e seus afiliados agirão em benefício dos acionistas minoritários, em vez de em seus próprios interesses paroquiais”.

De forma mais provocativa, os advogados do grupo sustentaram que o controverso empréstimo de US$ 900 milhões poderia nem mais ser considerado como uma dívida, argumentando que o pagamento acidental do Citigroup eximiu legalmente a Revlon de qualquer responsabilidade, o que, por sua vez, deixaria esse valor para os atuais acionistas da Revlon.

Ao longo do fim de semana, a Revlon manifestou que se opõe a um comitê oficial de acionistas minoritários, argumentando que desperdiçaria o dinheiro da empresa em honorários de advogados, sendo que outras partes, como Perelman ou o comitê não oficial de credores sem garantia, poderiam falar em nome dos acionistas minoritários.

Além disso, a Revlon destacou que os acionistas minoritários simplesmente estão ignorando o fato de que os títulos da Revlon ainda são negociados em níveis próximos a uma situação de calote, implicando que seu capital acionário não têm valor, independentemente da recuperação do mercado acionário.

“O Comitê Ad Hoc de acionistas não faz nenhum esforço para explicar por que o Tribunal deveria desconsiderar o valor de mercado dos títulos de dívida dos devedores – como a moção o faz completamente – ao analisar o valor de empresa da Revlon, enquanto credita o preço das ações dos Devedores sem questionar”, escreveu a Revlon em documentação enviada ao tribunal e divulgada no domingo.

Especialistas disseram que o juiz se depara com uma decisão difícil a tomar.

“Esses casos em que o preço das ações é impulsionado por investidores de varejo, mas os títulos da dívida são negociados em sua maioria por tipos de fundos hedge ativistas, supostamente mais sofisticados, representam um desafio significativo para os juízes de falências”, disse Jared Ellias, professor da Harvard Law School. “Será que você deveria ficar do lado dos investidores de varejo, quando parece possível que suas operações tenham sido baseadas em desinformação?”

Anthony Casey, professor de direito da Universidade de Chicago, acredita que as forças do mercado não podem ser ignoradas facilmente.

“Com ou sem razão, o mercado acha que há valor”, disse. “O tribunal poderia dizer que o mercado enlouqueceu, mas rejeitar evidências de mercado como essa realmente abre uma caixa de Pandora.”

Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/08/23/ft-alta-das-aes-da-revlon-complica-recuperao-judicial-da-fabricante-de-cosmticos.ghtml

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