As baixas temperaturas necessárias para armazenar algumas das vacinas em desenvolvimento contra a covid-19 não deveriam ser uma barreira para a inclusão dos imunizantes no planejamento de vacinação do governo federal, afirmam cientistas.

Nesta terça-feira (1º), o Ministério da Saúde informou que as vacinas que serão incluídas no Plano Nacional de Imunização devem ser termoestáveis e poder ser armazenadas em temperaturas de 2°C a 8°C – temperaturas de geladeiras comuns –, o que inviabilizaria o uso das candidatas da Pfizer e da Moderna. Ambas vêm demonstrando bons resultados nos testes clínicos de fase 3 e são consideradas pelos cientistas como algumas das mais promissoras.

O imunizante em desenvolvimento pela americana Pfizer e a alemã BioNTech precisa ser armazenado em uma temperatura de -70ºC. A vacina em fase de testes da americana Moderna necessita de temperaturas perto de -20ºC.

“Temperaturas muito baixas são um problema real. Os postos de saúde e a maioria dos hospitais não têm como manter uma vacina a -70ºC”, diz a imunologista Cristina Bonorino, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). “Mas existem soluções no país e o Ministério da Saúde poderia buscar isso com os cientistas”, afirma.

“É um imenso desafio pensar em um dispositivo que ainda não existe no país para distribuir uma vacina dessas, mas é um desafio motivador e é assim que a ciência se move e fazemos avanços”, afirma Márcia Barbosa, professora do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), diretora da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e uma das cientistas brasileiras mais respeitadas do país.

Na avaliação dela, a necessidade de uma distribuição ágil assim que uma vacina contra a covid-19 seja aprovada deveria unir governo, institutos de pesquisa e desenvolvedoras dos imunizantes para o planejamento de soluções que tornem possível a vacinação com as substâncias que conseguirem as primeiras aprovações.

Segundo Barbosa, os cursos de física de universidades de Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco possuem instalações com temperaturas abaixo dos -70ºC. “Mas são instalações grandes e fixas. Teríamos de adaptar a tecnologia para torná-la portátil e, a partir desses centros de pesquisa, poderíamos ampliar e distribuir a tecnologia” afirma.

Resposta mais fácil
“A resposta do ministério é a mais fácil: ‘não dá, não vou fazer’. Temos de fazer todas as apostas, pois quanto mais tempo a pandemia dura, pior fica a situação. Pode até chegar um momento em que a gente descubra que não conseguimos fazer, mas não tentar é um absurdo”, diz.

O Conselho Nacional de Climatização e Refrigeração (CNCR), que reúne 15 entidades que representam empresas e profissionais do setor, também se posicionou em relação às afirmações da pasta.

“O país conta, hoje, com a cadeia de produção dedicada ao armazenamento e distribuição de vacinas bastante robusta e que pode ser adaptada para a necessidade de qualquer empresa, a qualquer temperatura, inclusive a -70° C”, afirmou o engenheiro Ariel Gandelman, consultor técnico da associação Smacna Brasil e membro do CNCR.

“Todos os insumos necessários, conhecimento técnico e fabricantes já existem no país para apoiar as entidades que serão responsáveis pelo desenvolvimento, produção e distribuição da vacina contra o coronavírus no território nacional em tempo curto e a custo acessível”, completou.

Segundo Gandelman, a adaptação seria nos refrigeradores maiores e mais potentes, que receberiam equipamentos específicos para ampliar a capacidade e chegar à temperatura de -70ºC. Segundo ele, o custo desta mudança varia de acordo com a máquina, mas deve ficar em torno de 10% a 20% do valor total do equipamento. A esse acréscimo, seriam somados cerca de 30% de aumento nos gastos com energia elétrica.

Os refrigeradores menores, e geladeiras comuns não poderiam passar pela adaptação devido ao custo mais elevado. Mantidas nos refrigeradores mais potentes, as vacinas seriam levadas para a rede de frio já existente até a aplicação na população local.

Gelo seco
A Pfizer afirmou, em comunicado, que desenvolveu um plano logístico detalhado e ferramentas para apoiar o transporte, o armazenamento e o monitoramento contínuo da temperatura da vacina que desenvolve. A farmacêutica diz que segue em contato com o governo brasileiro para trazer o imunizante ao país.

“Entendendo os desafios que alguns programas de vacinação poderiam enfrentar, a Pfizer desenvolveu uma embalagem inovadora em caixas nas quais o armazenamento da vacina a -75ºC pode se dar por 15 dias, em gelo seco”, diz o texto. A empresa acrescenta ainda que o imunizante pode ser mantido em refrigeradores comuns (2ºC a 8ºC) por até cinco dias.

“Outros países da América Latina como Chile, Peru, México, Panamá e Costa Rica, que chegam a ter similaridades com o território brasileiro em algumas regiões, já assinaram acordos de compra e terão condições de operacionalizar a vacinação sem restrições, iniciando no começo de 2021 tão logo ocorram as aprovações regulatórias”, diz o comunicado.

De acordo com Ricardo Gazzinelli, presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI) e pesquisador na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o posicionamento do ministério ainda não eliminou a possibilidade do uso dessas vacinas.

“Se pensarmos em um programa de imunização nacional, de larga escala, realmente fica difícil adaptar o sistema para temperaturas tão baixas. Não é proposital, uma vacina assim pode perder a importância em uma campanha inicial”, diz. “Com as limitações, uma vacina dessas poderia ser usada eventualmente em algumas situações pontuais, como a imunização de pessoas do grupo de risco ou profissionais da saúde.”

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/12/01/temperatura-nao-deveria-ser-barreira-para-vacina-da-covid-19-no-brasil-dizem-cientistas.ghtml

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