O grupo francês Carrefour está no centro de um processo de mudança e para o seu terceiro maior acionista, o empresário brasileiro Abilio Diniz, esse movimento deve colocar a varejista num novo rumo, e fazê-la dar um salto no negócio digital. “O Carrefour sempre teve pessoas decididas a permanecer na zona de conforto. Hoje, a determinação do Bompard [Alexandre Bompard, CEO mundial desde julho] é que não se vive na zona de conforto. Nós vamos recuperar o tempo perdido e botar o Carrefour em outra posição”, afirmou o empresário em entrevista ao Valor.
“Eu disse no conselho [de administração] que nós temos que saber o tamanho da nossa ambição. Se nossa ambição é um pouco mais do mesmo ou melhor”, diz Abilio, que completa 81 anos em dezembro. A Península Participações, empresa da família Diniz, tem 12% das ações do grupo Carrefour no país e 8% no mundo.
Os planos passam por recuperar o ritmo de vendas, especialmente na França, e acelerar a transformação no braço on-line para que a varejista se torne realmente uma operação multicanal.
Essa busca por mudanças exigiu a troca de comando mundial, com a saída, em julho, de Georges Plassat, e a entrada de Alexandre Bompard. Abilio diz que as dificuldades que a empresa passa têm relação direta com o ex-CEO, que resistia a certas transformações. “Para mudar a pessoa precisa querer e Plassat não queria”, diz. “Ele virou quase um mito no Carrefour. Ele pegou a empresa com a ação a €13 e levou a €26 e agora voltou a €17. Esse grande salto fez dele uma estrela, precisava ter cuidado para mexer”.
Procurado ontem pelo Valor, Georges Plassat, que comandou o Carrefour por cinco anos, não quis comentar as críticas à sua gestão. “Não tenho nada a dizer”, afirmou, em tom irritado, quando informado do teor da entrevista. Seu mandato só terminaria em maio de 2018. Sua saída foi decidida em meio a fortes tensões no conselho. A principal razão era a desvalorização das ações desde 2015. Quando ele deixou o grupo, elas estavam cotadas a quase € 22, após terem atingido € 33 há dois anos.
No Brasil, os ajustes que começam a ser implementados pelo CEO mundial – a reorganização de cargos de diretoria – levou à troca do presidente da operação local. Em outubro, sai Charles Desmartis e entra Noël Prioux, ambos franceses. Abilio defende Prioux de críticas do mercado – desde o anúncio da troca, a ação no país caiu 7%. A seguir, trechos da entrevista:
Como o sr vê as mudanças no comando do Carrefour no Brasil e no mundo?
Abilio Diniz: Primeiramente, vou colocar um contexto geral. O que acontece no Brasil não é um fato isolado daquilo que acontece no Carrefour global. O Carrefour está passando por uma transformação, vinha num período ruim, difícil, em que fazia bobagens, até chegar o Plassat em 2012. Até o Lars [Olofsson, CEO de 2009 a 2012] era descendo a ladeira com velocidade. Então, em 2012, entrou Georges e num primeiro momento, recuperou um pouco da empresa, da satisfação e do orgulho de ser Carrefour. Isso foi no começo. Na minha visão, ele usou uma forma errada de buscar a recuperação. Vendeu ativos para investir em preço. Não adianta só investir em preço. Tem que ter muito mais solidez em outras coisas. Na França, fez pouco e enfiou dinheiro no ralo.
O problema de saúde de Plassat [afastado por dois meses em 2015 após uma cirurgia] acelerou a sua saída?
Diniz: Vendo que nada dava certo, em seus últimos anos e, principalmente, depois do problema de saúde dele em 2015, começou a ser preparada a sua saída e a empresa ficou abandonada, sem ordem. Então fomos buscar uma pessoa que realmente pudesse fazer uma transformação. O que a gente acredita agora é que Bompard esteja iniciando uma transformação que a empresa precisa.
Como tem sido esse início de mudança?
Diniz – A primeira coisa que Bompard fez foi montar o time. Ele acredita em algo que eu acredito, gente certa no lugar certo faz as coisas acontecerem. Na França, reestruturou a equipe e aqui no Brasil ele sabia que o Charles Desmartis não é uma pessoa do ramo, é um financeiro.
Por que o Charles Desmartis saiu da empresa?
Diniz – O Charles foi colocado no Brasil porque o Carrefour teve um período de descontrole nas contas, com perda de R$ 1 bilhão, [por fraude contábil nos balanços, descoberta em 2010]. Ele veio consolidar as contas e para dar segurança para a França. Isso ele fez bem feito. E a operação foi sendo tocada pelas pessoas do time. Quando nós, da Península, entramos entre 2014 e 2015, junto com a [consultoria] McKinsey, com uma reestruturação planejada, Charles fez metade do plano, e teve um avanço.
Mas o mercado recebeu mal, na semana passada, a notícia de mudança no comando no Brasil. Por que trocar de maneira tão rápida?
Diniz – Porque esse é o Bompard e é isso que nós esperamos dele. Na nossa visão e do conselho de administração, o que me interessa é o global. Porque aqui é um reflexo do global. Esse não é um movimento isolado, é da França e a transformação está a caminho. Sempre defendi que estejamos alinhados com o global.
Isso não está acontecendo? Não há alinhamento?
Diniz: Estava [alinhado], mas com uma matriz que soltava demais as regiões. A coisa mais importante, é que na primeira reunião que tive no conselho, em 2016, eu olhei aquele orçamento dos próximos três anos e não me agradou. Eu disse: temos que saber o tamanho da nossa ambição. Se nossa ambição é um pouco mais do mesmo ou melhor.
Mas investidores ficaram surpresos com a troca no Brasil.
Diniz: O que quero dizer é que não tem nada de inesperado, porque esse é o Bompard que esperamos. O que temos agora é que organizar o time. O Brasil é o grande mercado hoje da companhia, a expectativa que o conselho de acionistas coloca no Brasil é enorme, o Brasil pode ser o centro. A França é a casa mãe, mas o grande desenvolvimento pode se dar no Brasil.
Como foi o trabalho de ajustes no país, com o apoio da consultoria McKinsey, após 2015?
Diniz – Um dos motivos de a Península ter entrado no Carrefour é porque sabiam que a parte do varejo da empresa estava operando pior que o que sabíamos ser possível. Especialmente com relação ao peso do ‘overhead’ [despesas gerais]. Por isso, provocamos a contratação da McKinsey junto com o Carrefour. Outro ponto foi o ‘approach’ diferente com os fornecedores, de parceria, que é muito o nosso DNA, que era diferente de como o braço de varejo operava. No Carrefour Brasil, ainda tem muito ajuste para fazer, na estrutura mesmo. São ajustes para diminuição de níveis, para deixar a empresa mais leve.
O mercado tem questionado se foi boa solução a vinda de Noël Prioux para presidência no Brasil, por ele não conhecer o varejo aqui. Como vê essa questão?
Diniz: Eu acho que foi uma solução excelente, e nós, os sócios, avaliamos juntos os nomes. O Bompard não fez isso isoladamente. Se não der certo a Península é responsável também. Prioux tem abertura para aprender, é ágil e tem vontade. Quando eu busco alguém, eu não quero um técnico, eu quero um gestor, no caso do Noël, não quero um especialista em Brasil, isso a gente tem aqui. Eu quero um cara que entende de distribuição, que seja capaz de implementar o varejo online. Na França, o Carrefour está muito atrasado no online, mas nós vamos dar um salto. Não falo só que vamos recuperar aos poucos terreno. Vamos fazer algo transformador no online.
Isso, sem precisar de uma fusão ou aquisição? Há informações no mercado de busca de um parceiro digital, numa fusão global.
Diniz: Não precisa de nada disso, nós temos condições de fazer. E eu não jogo para o mercado. Uma coisa é você estar atrasado e vir correndo atrás dos outros. Outra coisa é buscar o que há de mais novo no mundo e saltar lá na frente.
Por meio desse chamado plano transformador global?
Diniz: Não sei, isso é o que Bompard está discutindo. Como ele veio da Fnac-Darty, aí falam: “Ah vai ter uma fusão”. Isso não tem nada a ver. Esse plano tem que transformar também a cultura. O Carrefour global sempre teve, desde que conheço nos últimos anos, pessoas decididas a permanecer na zona de conforto. Hoje, a determinação do Bompard é que não se vive na zona de conforto, nós vamos fazer o que precisa ser feito. De concreto tem a determinação do Bompard de que nós vamos recuperar o tempo perdido. Vamos botar Carrefour em outra posição.
O ‘timing’ não foi errado? Mudar o comando logo após o IPO [oferta pública de ações] no país?
Diniz: Para que perder tempo? Esse [timing errado] é uma ideia sua. Para mim, faz todo o sentido o nome do Prioux, uma escolha que eu apoiei. Quando foi anunciada mudança no país, na sexta-feira, o mercado não entendeu nada e gente nossa [da Península] entrou [fez contatos com investidores] e a ação passou a cair menos. Acho que o mercado tem uma grande confiança em nós porque ele sente que, na fase com Bompard, a Península vai estar muito mais perto.
Outra crítica feita é de que Prioux vem para o Brasil após deixar a operação francesa em situação difícil.
Diniz: Vou deixar uma coisa clara aqui, eu conheço Prioux há muito tempo, e negociei todo esse tempo com Georges Plassat. Não se faz nada que Plassat não queira. Eu já vinha percebendo que o Plassat bloqueava o Prioux. Não tinha espaço para fazer as coisas que precisava. Não é justo atribuir a ele [Prioux] as dificuldades da França. Isso tem que ser atribuído a Plassat. As dificuldades da empresa têm que ser atribuídas a ele. As pessoas se esquecem que quem fez a base para o crescimento recente na Espanha foi o Prioux [ele foi diretor no mercado espanhol].
Com as questões de saúde de Plassat, a saída dele foi acelerada?
Diniz: Eu diria até que a clareza veio depois do problema de saúde. O Plassat virou quase um mito dentro do Carrefour. Ele pegou a empresa com a ação a €13 e levou a €26. Chegou a bater pico de €32, mas voltou pra € 16 agora, mas esse grande salto de €13 para €26 fez do Plassat uma estrela, precisava ter cuidado pra mexer. E ele era uma pessoa conhecida e bem relacionada. Desde que converso com eles [sócios], eles sabiam que precisávamos de uma transformação, havia uma ideia inicial de que Plassat poderia liderar essa transformação. Mas num certo momento, se viu que isso era impossível.
Por que impossível?
Diniz: Porque para mudar a pessoa precisa querer e Plassat não queria.
Houve um anúncio, pelo diretor financeiro global semanas atrás, de que a queda na inflação no Brasil ajudou a reduzir previsões de vendas no mundo. O mercado reagiu, as ações caíram aqui e lá fora. A deflação está atrapalhando o grupo?
Diniz: Lançamos a ação no Brasil a R$ 15, em algum momento bateu em R$ 17. É natural uma oscilação após IPO e não seria à toa até mesmo que caísse um pouquinho. Agora está estável. Mas ligar isso com inflação não faz sentido.
Mas o CFO do grupo, Pierre-Jean Sivignon, falou em revisão da meta das vendas globais, afetadas pela queda da inflação no Brasil, principalmente.
Diniz: Coitada da inflação deixa ela quieta lá, porque ela não tem nada com isso. Os resultados foram um desastre, foi tudo ruim, menos que as piores expectativas do mercado e a fala dele [Pierre-Jean Sivignon] ainda foi uma fala complicada. É evidente que o papel tem que cair, não tem nada a ver com inflação, se mencionou é bobagem.
E o efeito da queda da inflação nos números do grupo e no Atacadão?
Diniz: Inflação é zero de problema e o Atacadão está absolutamente redondo. O mercado não sabe o que está falando, porque se não cresce no nominal [queda da inflação cai receita nominal], por outro lado tem no aumento de consumo e as pessoas passam a gastar mais.
O ambiente no Carrefour global então melhorou?
Diniz: É outra empresa. Aqui existia um time mais acomodado, na zona do conforto. Na França era pior, a empresa vivia para seus funcionários, para felicidade e bem-estar deles. Quando você tem uma mudança você tem uma turma que quer continuar na zona de conforto, com as comodidades. Alguns dizem que essa mudança é um horror, cria um clima de insegurança e intranquilidade. Por enquanto, vamos mostrar números [globais] bons, mas nada excepcional. Os grandes números virão em 2018, e aí o mercado vai entender o que está sendo feito.
A operação aqui reflete muito o que ela é na matriz?
Diniz: Exatamente, ela reflete o que é lá e o Bompard vai diminuir níveis e encurtar o caminho entre o topo e a base. Tudo isso deve se refletir no Brasil. O Noël vai seguir as diretrizes da França da mesma forma que Charles seguia tudo que era delineado lá. “
O sr. ganhou espaço no grupo com a saída do Plassat?
Diniz: A Península vem avançando desde o fim de 2015, quando fui indicado pra observador [do conselho de administração] e viemos ganhando [espaço] com conselho, se nós não ganhávamos espaço antes é porque o Plassat não dava espaço, mas nós fomos ganhando mais espaço com o conselho, a ponto de que, com a saída do Colony [sócio que vendeu sua posição neste ano] conseguimos mais uma cadeira no conselho.
Há dois movimentos de mudança de CEOs, na BRF e no Carrefour, e são mudanças importantes, cada uma dentro de um contexto…
Diniz: Esse é o Abilio, as coisas comigo acontecem assim. Na realidade, não fui eu que fiz, mas em torno de mim foram três CEOs, Charles Desmartis, Alexandre Bompard e Pedro Faria [presidente da BRF, na qual Abilio é sócio]. Não fui eu que troquei eles.
Mas o mercado tem penalizado e há uma pressão maior por resultados nas empresas.
Diniz: Já disse que não jogo para a plateia, nunca joguei, nunca vou aceitar pressão do mercado, de jeito nenhum. Isso não quer dizer que não respeito o mercado e não o ouça, quando chega perto da divulgação, vejo nosso resultado e o consenso, respeito e ouço, mas ajo de acordo com minha cabeça com o que considero melhor para a empresa.
O Carrefour pensou em colocar José Roberto Müssnich [presidente do Atacadão] no comando da operação brasileira? Ele acenou com a hipótese de deixar a empresa se não fosse promovido?
Diniz: Eu nem sei se ele gostaria [de ter o cargo]. Müssnich é um cara de Atacadão, é um gênio, foi ele que criou isso, nem sei se gostaria disso [ser CEO]. Ele quer ajudar a França a fazer experiências e levar o modelo para fora.
Ele cogitou sair da operação?
Diniz: Não existe nenhuma possibilidade, ele está fechado conosco.
Podem ocorrer mudanças na equipe com a entrada do novo presidente e após a saída do vice-presidente comercial Antonio Ramatis, que era um nome indicado pelo sr.? Houve uma queda de braço interna e Ramatis saiu?
Diniz: Ramatis saiu e não volta e ele nem quer voltar. O Gutierrez [o espanhol José Luis Gutierrez, diretor de formatos de varejo do Carrefour Brasil] é um grande operador, e deve ficar mais um ano, um ano e meio. Isso já estava acertado com o Charles.
Houve uma disputa por espaço entre Gutierrez e Ramatis?
Diniz: Um conflito numa empresa como essa sempre existe, isso é natural, entre comercial e operações. No Grupo Pão de Açúcar eu convivia com isso e tomava medidas para que trabalhassem juntos. No Carrefour Brasil, ainda tem muito ajuste para fazer, na estrutura mesmo, e com o plano da McKinsey, que ainda tem de ser completado. São ajustes para diminuição de níveis, para deixar a empresa mais leve.
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