Carlos Sanchez diz que daqui a oito anos o grupo deve faturar US$ 2 bilhões no exterior e outros US$ 2 bilhões no Brasil: ‘Temos capitalização suficiente para ser global’
Carlos Sanchez, dono do maior laboratório farmacêutico brasileiro, o EMS, é conhecido como o rei dos genéricos, mas o apelido envelheceu. Seus negócios hoje vão muito além da produção desse tipo de medicamento e abrangem áreas como imóveis, energia renovável e mídia.
O empresário comanda o grupo NC, que abriga 28 empresas com faturamento de R$ 10,6 bilhões no ano passado – neste ano pode ir a R$ 11 bilhões.
A EMS, que responde por 90% desse total, detém pouco mais de 9% do mercado de medicamentos. A receita líquida cresceu 17% ao ano, em média, nos últimos cinco anos, e sua rentabilidade foi a segunda melhor do setor farmacêutico e de cosméticos, segundo a revista “Valor 1000”. De acordo com o anuário, o grupo NC subiu 27 posições de 2022 para 2023 no ranking das maiores corporações no Brasil, passando do 181º lugar para o 154º de um ano para o outro.
As iniciais NC que batizam o grupo vieram dos nomes de Carlos e sua irmã, Nanci, que faleceu em 2009. Os dois filhos de Nanci, Marcos e Leonardo, e os dois de Carlos, Gabriel e Emiliano, trabalham no grupo.
No setor de remédios, os horizontes também se expandiram além dos genéricos e a empresa dobrou, por exemplo, a aposta em inovação e pretende a curto prazo passar a exportar para os Estados Unidos, com as bênçãos da FDA (a agência federal que regulamenta medicamentos, equipamentos médicos e alimentos no mercado americano). E é nessa fase do grupo que Sanchez diz, aos 62 anos, se preparar para se afastar das funções executivas, permanecendo no comando do conselho, com foco no mercado internacional.
Numa longa conversa na sede da fazenda Sertão, uma casa construída em 1840, em Joaquim Egídio, distrito de Campinas, em volta de uma mesa farta, Sanchez reconheceu que a imagem do grupo não acompanhou a revolução por que passou nos últimos anos, desde que decidiu diversificar os negócios e investir firmemente em inovação.
Sanchez não costuma conceder entrevistas, mas abriu uma exceção para este “À Mesa com o Valor”, convidando as jornalistas para almoçar em sua fazenda.
A fazenda, que era de café e hoje tem de tudo um pouco, na expressão de Sanchez, pertenceu à família Souza Aranha, cujo patriarca Joaquim Egídio batizou o distrito de Campinas onde o imóvel está localizado. Um dos herdeiros dos Souza Aranha, Alfredo Egídio, ajudou a fundar o banco que, anos depois, resultaria no Itaú.
A casa, pintada de azul e cor de barro, é cercada de flores, árvores e gramados, tudo muito bem conservado. No interior, o chão de tábuas largas de madeira encerada e paredes brancas abrigam sofás confortáveis e uma decoração colorida e elegante, ao estilo colonial.
A mesa do almoço, em frente a uma porta-janela com vista para o jardim, está preparada para cinco pessoas com louça branca, copos altos e talheres de prata. Ao lado, uma salada de alface, palmito e tomate, fresca e temperada com um toque agridoce; postas de peixe com alcaparras e batatinhas coradas; e uma carne rosada em fatias finas.
Para acompanhar, legumes assados. Sanchez aprecia vinhos, mas o calor que faz do lado de fora convida a beber limonada ou suco de laranja, já na mesa. Além das jornalistas e do fotógrafo Gabriel Reis, participou do almoço o médico Iran Gonçalves Júnior, que há cinco meses ocupa o cargo de diretor médico da EMS.
Sanchez se senta de frente para a porta da varanda, pula a salada e vai diretamente aos pratos quentes. Bem-falante, não foge de nenhuma pergunta. Diz que seus grandes prazeres são comer e beber bem e viajar. A viagem mais recente foi para Paris durante os Jogos Olímpicos. No dia seguinte a esta entrevista, ele embarcaria para os Estados Unidos. “Mas estou menos deslumbrado com as viagens. O Brasil, já conheço inteiro”, diz. “Querem que eu feche a porta da varanda, por causa do calor?”, pergunta. Demoramos para responder e ele acrescenta: “Eu gosto de deixar aberta por causa da vista”. A porta permanece aberta.
Sanchez não é grande apreciador de música, mas se interessa por artes plásticas e explica por que fez uma oferta para comprar um dos quadros mais famosos do mundo, “O Grito”, de Edvard Munch, em leilão da Sotheby’s em maio de 2012. Segundo a revista “Forbes”, Sanchez ofereceu US$ 85 milhões pela obra de arte, mas foi superado por um lance de US$ 119,9 milhões feita pelo bilionário Leon Black, cofundador do Apollo Global Management (Black caiu em desgraça nos últimos anos quando se tornou pública sua amizade com o americano Jeffrey Epstein, que morreu na cadeia à espera de julgamento por crimes sexuais).
“Eu tentei, eu queria comprar”, diz o empresário, que não confirmou os valores citados pela revista. Conta que queria trazer quadros como “O Grito” para o Brasil, com o compromisso de deixá-los em museus por temporadas, como um semestre no ano, para visitação do público. Mas desistiu da ideia porque a importação de quadros é taxada em 70% pela Receita Federal.
O empresário mostra que conhece detalhadamente os negócios das empresas controladas pela família, inclusive no que se refere aos recentes avanços das pesquisas farmacêuticas em que o grupo aposta. “Decidimos diversificar e investir em setores que fossem regulados. Também tentei entrar em concessão de rodovias, mas perdi”, diz ele, lembrando ter disputado o Rodoanel e a Tamoios, em São Paulo.
Temos capitalização suficiente para ser global”
— Carlos Sanchez
Mas operando esses negócios diferentes, Sanchez diz que percebeu que o setor farmacêutico é o que está oferecendo a oportunidade de o grupo dar um grande salto e tornar-se, de fato, global. O empresário também se preocupa em perpetuar o negócio criado pelo pai nos anos 1950, quando abriu uma farmácia em Santo André.
Apesar disso e da vontade de continuar à frente do grupo, o empresário diz que está próximo o momento em que deixará de ser seu presidente e que esse momento será acompanhado também da saída de Luiz Carlos Borgonovi, seu braço direito.
Borgonovi começou a trabalhar na empresa em 1969, quando tinha 18 anos, contratado por Emiliano Sanchez, pai de Carlos Sanchez. Primo de Emiliano, Borgonovi pretendia estudar medicina, mas acabou fazendo longa carreira na EMS e no grupo NC. Disse ao Valor, em uma conversa na sede do grupo, antes do almoço, que pretende mesmo se aposentar proximamente “Vamos sair juntos, quando eu sair, ele sai também”, diz Sanchez. “Vou ficar no conselho, cuidar da internacionalização.”
No comando executivo, o plano é colocar seu filho Gabriel e o sobrinho Marcus. “Eles se entendem bem, têm a mesma visão e não querem sair da empresa”, diz o empresário, que assumiu a EMS aos 26 anos, quando seu pai morreu. Gabriel tem 28 e o primo, 39. O filho mais novo de Sanchez, Emiliano, trabalha no “family office”. E Leonardo, irmão de Marcos, está no conselho, presidido por Sanchez.
O empresário projeta que daqui a oito anos o grupo deve faturar US$ 2 bilhões no exterior e outros US$ 2 bilhões no Brasil. “Temos capitalização suficiente para ser global”, diz ele. No centro da estratégia para crescer no mercado externo está uma fábrica capaz de produzir moléculas sintéticas para combater diabetes e obesidade, na trilha dos best-sellers Ozempic (produzido pela Novo Nordisk) e Mounjaro (da Eli Lilly). Esse tipo de medicamento está com demanda crescente e oferta enxuta.
A fábrica em Hortolândia, visitada pelas jornalistas do Valor, está rodando em teste há quatro anos, com visitas periódicas de técnicos da FDA, e foi inaugurada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no fim de agosto. Se tudo der certo, a Rio Biopharmaceuticals Brasil Ltda. (RBBL), o nome da unidade, vai ser capaz de exportar seu produto para os Estados Unidos e outros países.
Só nos Estados Unidos, mais de 35% da população adulta é considerada obesa pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças. Esse mesmo instituto calcula que cerca de 38 milhões de americanos sofrem de diabetes, aproximadamente 1 em cada 6 adultos. Ou seja, todo esse contingente seria, em princípio, interessado em usar remédios que ajudem a emagrecer ou controlar diabetes. Hoje, cerca de 1 milhão de americanos usam os remédios injetáveis.
A pesquisa na RBBL se faz pelo método sintético, não biológico. As combinações para se criar uma molécula são feitas em uma plataforma computacional potente. O processo para se obter uma combinação leva cerca de 32 horas e é mais barato do que o método biológico, que demora de 6 a 8 meses, segundo Fábio Barros, o diretor técnico-científico da EMS.
Além de medicamentos para diabetes e obesidade, a RBBL também está dando prioridade a pesquisas sobre doenças como asma, perda de massa muscular, enfermidades no intestino e inflamações. A fábrica consumiu R$ 17 milhões para ser erguida, com equipamentos dos EUA e da Dinamarca, e gasta R$ 50 milhões por ano para continuar rodando, sem parar. Os peptídeos usados na fábrica em Hortolândia são importados da Galenika, terceira maior fábrica de medicamentos da Sérvia, que a EMS comprou em 2017.
A empresa dos Sanchez não é a única a tentar produzir e vender novos medicamentos para diabetes. Laboratórios na Índia, na China e nos Estados Unidos estão nessa corrida. A disputa também está sendo travada em uma corte nos Estados Unidos, em Delaware, desde março de 2022. A EMS e os demais laboratórios estão “desafiando a patente” do Ozempic, alegando que conseguem produzir o medicamento a menor preço. A Novo Nordisk está refutando as alegações e o processo segue tramitando.
Na EMS, estima-se que a aprovação de um novo medicamento nos EUA, em especial, quando se entra na fase de discussão de patente, leva cerca de 30 meses. Se conseguir vencer essa etapa, e tendo o “first to file” do FDA (ou seja, a primeira empresa a documentar que pode produzir o medicamento), a EMS tem seis meses para vender sozinha o seu produto nos EUA, sem concorrência.
O mesmo procedimento será feito pela EMS no que se refere ao Mounjaro, que trata a diabetes tipo 2 e ajuda em tratamentos de obesidade, fabricado pela Eli Lilly. O plano é entrar com o “first to file” no FDA, para fabricar esse medicamento à base de tirzepatida, em maio de 2026.
Sanchez conta que, para aprender a operar no mercado americano, o maior do mundo, abriu um braço da EMS em Maryland em 2013, a Brace Pharma. Começou vendendo um equipamento que permitia que recém-nascidos com problemas pulmonares pudessem ter alta do hospital, continuando o tratamento em casa. Ficou muito preocupado quando seis crianças morreram. “Achei que a FDA fosse acabar comigo.” Mas a agência entendeu que poderiam ter morrido 12 crianças, em vez de 6. Nos EUA, diz, a inovação anda mais rápido.
O projeto, ambicioso, vai exigir mais pesquisa e, para isso, a EMS tomou créditos de R$ 500 milhões do BNDES neste ano. Assim, o investimento em P&D vai dobrar. “O governo está apoiando quase tudo”, diz Sanchez, citando o BNDES e a Finep como fontes de recursos, a juros subsidiados. O único senão que ele faz em relação ao governo federal é em relação à Anvisa, que, na sua opinião, precisa ser preparada para lidar com a inovação.
Ele reconhece que a Anvisa é competente no seu papel de vigilância sanitária, mas a agência não acompanhou a evolução do setor privado e precisa investir em pessoas e técnicas ligadas à inovação. “Mandamos um peptídeo sintético para a Anvisa. O processo ficou parado um ano pois não sabiam em qual fila ele deveria entrar”, diz Sanchez, já cruzando os talheres, preparando-se para a sobremesa.
Servindo-se de uma generosa cumbuca cheia de jabuticabas, Sanchez diz que essa operação de peptídeos vai ganhar vida própria. “Vamos separar [do grupo] e vai ser uma empresa aberta”, diz ele, que nunca quis abrir o capital da EMS. “A EMS não precisa de capital e eu não tenho problema de sucessão”, diz, acrescentando que o filho Gabriel e o sobrinho Marcos vão assumir o comando do principal negócio do grupo, formado por 28 empresas.
Sanchez diz que nesta nova fase não há planos de vender nenhum negócio, mas que é preciso equilibrar as duas áreas – a de medicamentos vendidos sem receita médica (OTC) e os que precisam de prescrição. Em OTC, “eu acho que vale continuar procurando outras marcas”, diz, lembrando de aquisições recentes nos segmentos de vitaminas e sabonete íntimo líquido íntimo.
Sobre possíveis fusões e aquisições no setor farmacêutico, Sanchez diz que tem acompanhado as notícias publicadas no Valor sobre Hypera, Eurofarma e Cimed. Dias após o almoço, o Valor questionou o grupo sobre a notícia de que o “family office” teria comprado ações da Hypera, somando participação acionária de 3%. O grupo respondeu que não comentaria a informação.
Sanchez vê necessidade de mostrar o real tamanho do grupo. “Nossa imagem no mercado é menor do que nós somos na realidade.” Para isso, o investimento em marketing vem aumentando – em 2023, a EMS investiu R$ 798 milhões em publicidade, ocupando o posto de 8º maior anunciante do país, à frente de Ambev e Banco do Brasil. No ano anterior tinha desembolsado R$ 422 milhões.
Hoje, cerca de 5% do lucro do grupo NC é originado nas outras empresas. Sanchez é, por exemplo, dono, com outros acionistas, de um grupo em Santa Catarina, que inclui afiliadas da TV Globo, emissoras de rádio e jornais.
O crescimento do grupo teve lances ousados. A origem dos negócios da família data de 1950, quando o pai de Carlos, Emiliano Sanchez, abriu a modesta farmácia Santa Catarina, em Santo André, no ABC paulista. Fotografias dessa época, na sede do grupo em Hortolândia, mostram que alguns dos princípios que norteiam as operações dos Sanchez vêm desde suas suas origens – como a família morava no andar de cima da farmácia, era possível atender os clientes 24 por dia, o que hoje se traduz na prontidão em responder às necessidades e desejos dos clientes.
A intenção de Sanchez também é reduzir o déficit da balança comercial do Brasil com o exterior na área de medicamentos. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, a diferença entre as exportações e as importações de medicamentos e produtos farmacêuticos passou para algo entre US$ 6 bilhões e US$ 7 bilhões desde 2021, em parte por causa da pandemia com a alta do custo dos insumos e dos fretes. Em 2023, o Brasil exportou apenas US$ 519 milhões e comprou no exterior US$ 7,2 bilhões.
O almoço, em que o empresário se atrasou em relação aos demais para responder minuciosamente às perguntas, chega ao fim com ele monopolizando a travessa de jabuticabas, deixando de lado o doce de laranja, a marmelada e o queijo de cabra, entre outros quitutes, feitos na fazenda. Perguntado sobre sua saúde, diz que não mede sua glicemia com a frequência pedida pelo médico. “Se eu não medir, ela não sobe”, brinca.
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