A marca de chocolates, fundada por Guilherme Leal, da Natura, atinge 30 lojas e faz planos para escalar a operação. Mas com premissas fora da curva. Conheça seu modelo de negócios e entenda por que fundos e bancos de investimentos a cortejam 

Estevan Sartoreli é cofundador e CEO da Dengo Chocolates.

 

Estevan Sartoreli, cofundador e CEO da marca de chocolates premium Dengo, um projeto construído com Guilherme Leal, um dos principais acionistas da Natura & Co, tem um jeito diferente de encarar a expansão dos negócios. “Não adianta simplesmente colocar uma meta de ter 50 lojas e correr para ter essas 50 lojas”, diz ele ao NeoFeed.

Não que ele despreze o crescimento da companhia. “É claro que queremos crescer e ter escala”, explica. Mas a meta de expansão que vai fazer com que a rede aumente o número de lojas, hoje em 30 unidades, é um pouco diferente. “Nossa meta é dobrar a renda de três mil produtores de cacau no sul da Bahia”, afirma Sartoreli.

O CEO da Dengo explica que eles recebem, em média, um salário mínimo por mês para manter uma família de três a quatro pessoas. E 50% desses produtores têm uma renda de cerca de R$ 700,00. A lógica por trás desse processo de impactar a vida das pessoas na região é clara: para atingir essa meta, a rede terá de crescer.

A Dengo começou em 2017 com uma loja, impactando a vida de seis produtores de cacau. A empresa costuma pagar um prêmio sobre o valor do cacau vendido em bolsa. Por isso, exige um cacau de qualidade. No ano passado, pagou, em média, 80% a mais do que o restante do mercado.

Com o crescimento do número de lojas, o número de produtores que passaram a orbitar no seu ecossistema, consequentemente, aumentou. Hoje são 200. Para impactar esses três mil, a Dengo necessitaria de algumas centenas de lojas. E a expansão internacional não é descartada. “Existem estudos em curso”, diz Sartoreli.

Carlos Ferreirinha, um dos principais estudiosos do comportamento de consumo e do mercado premium, fundador da MCF Consultoria & Conhecimento, enxerga muito potencial para a Dengo em outros países. “É uma marca de construção de pilares que, em alguns países mais socialmente maduros, teria uma absorção rápida”, afirma.

“A Dengo é uma marca absolutamente única. Ela nasce com o princípio de diferenciação de propósito e de compromisso com a responsabilidade social e com a cadeia produtiva que é singular. Ela tem o conceito premium sem afetação”, diz o consultor.

Mas há, obviamente, uma grande equação a ser resolvida. Até porque todas as lojas são próprias e não há planos de criar franquias, como acontece com a maioria das marcas. “Fechar a conta é um desafio para uma marca com um conceito tão brutalmente desenhado para ser sustentável, responsável e coerente com a linguagem de mercado como um todo”, diz Ferreirinha.

A vantagem da companhia é ter investidores com muito poder de fogo, como a família Leal, para bancar a expansão sem colocar muita pressão no negócio. Segundo Sartoreli, a empresa ainda não dá lucro, consome investimento e deve atingir o breakeven no ano que vem.

Mesmo assim, tem sido cortejada por companhias do mercado financeiro de olho no potencial de geração de valor na bolsa. O NeoFeed apurou que bancos de investimentos já foram atrás de Guilherme Leal, principalmente por ela ter carimbada em seu DNA as três letrinhas mágicas para os investidores: ESG. Afinal, existem poucas histórias de ESG no mercado brasileiro, dá para contar nos dedos das mãos as empresas listadas na bolsa que têm essa pegada de berço.

Não à toa, a Dengo se posiciona como um negócio que resgata e valoriza uma região – no caso, o Sul da Bahia, famoso pela produção de cacau que quase foi dizimada na crise da vassoura de bruxa, no fim dos anos 1980, e que voltou a ter protagonismo. “O mundo já está cheio de marcas, o mundo precisa de mais projetos de impacto social”, diz Sartoreli.

Entretanto, não é fácil ganhar tração em um mercado tão disputado. A marca – sim, é uma marca – briga pelo mesmo cliente que consome Kopenhagen, hoje com quase 400 lojas, e Lindt, com mais de 50 unidades, quando se fala de preço. “Não adianta ser apenas a marca do bem, tem de ser a marca do bom chocolate”, afirma Sartoreli.

O quilo de um chocolate Dengo sai por R$ 249,00 e a empresa está em um segmento denominado bean to bar (do grão à barra), que consiste em um processo de fabricação mais natural e usa mais cacau em suas formulações.

“A Dengo está muito em linha com alimentação saudável que mistura o conteúdo e o artesanal com a sustentabilidade. A nova geração quer o sabor e a indulgência do chocolate, mas com menos química, menos gordura, menos açúcar e, além de tudo isso, com impacto social e ambiental”, diz Alberto Serrentino, sócio-diretor da Varese Retail.

A distribuição é outro ponto crucial para o negócio. No fim do ano passado, a empresa ergueu uma loja conceito de 1,5 mil metros quadrados no bairro de Pinheiros, em São Paulo, para ressaltar seu universo. E, além de lojas físicas, a mais recente inaugurada na semana passada, na rua Garcia D’Ávila, no bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro, a Dengo tem loja online, vende pelo WhatsApp, faz vendas corporativas e delivery em um acordo de exclusividade com o iFood.

“O mundo já está cheio de marcas, o mundo precisa de mais projetos de impacto social”, diz Sartoreli
Sartoreli não revela o tamanho da produção que sai da fábrica localizada em Santo Amaro, Zona Sul de São Paulo, mas é estimada em 30 toneladas por mês, o equivalente a uma tonelada por loja. Por enquanto, as unidades estão concentradas em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília, Curitiba e Bahia. A região Sul e outros estados do Nordeste estão no radar de expansão.

Sem business plan

Da mesma forma que o modelo de expansão da Dengo, baseado em metas de impacto social, é, infelizmente, atípico, o nascimento da empresa é igualmente incomum. Ela foi inaugurada, em junho de 2017, mas não foi criada da noite para o dia, a partir de um business plan. O processo foi longo.

Em meados de 2005, Leal comprou uma propriedade de veraneio no Sul da Bahia. E, nas palavras do empresário, ele tinha comprado um pedacinho de paraíso, mas não dava para ser feliz sozinho. Ao ver questões como qualidade da água, de ensino e os dados socioeconômicos da região, passou a se preocupar.

Diante disso, criou o Instituto Arapyaú e seu primeiro projeto foi batizado de “Programa Bahia”, com a missão de focar no desenvolvimento territorial sustentável por lá. Depois de estudar a região, os líderes do projeto perceberam que existiam três cadeias produtivas importantes para o resgate econômico do lugar: cacau, silvicultura e turismo. Destas, o cacau despontava com um potencial de gerar mais de 300 mil empregos em até 10 anos.

Sartoreli, que havia feito carreira na área de marketing na Natura, se juntou ao projeto em meados de 2015. Como consultor convidado, a ideia era tocar um estudo que se chamava “Análise setorial da cadeia cacau-chocolate no sul da Bahia”. O objetivo dessa análise era o de propor uma teoria da mudança, identificando os diferentes elos da cadeia mais sustentável, mais justa e ambientalmente correta – desde o produtor ao consumidor final.

O projeto tinha dois meses de duração e, depois de entregue, Sartoreli e Leal perceberam que poderiam liderar essa mudança criando um negócio de impacto social. “O principal objetivo era gerar renda decente para o pequeno e médio produtor de cacau na Bahia”, diz Sartoreli. Para isso, entretanto, era necessário fazer algo ambicioso.

“Se a gente faz um negócio muito pequeno, só vamos melhorar a renda e vida de poucos produtores”, diz Sartoreli
“Se a gente faz um negócio muito pequeno, só vamos melhorar a renda e vida de poucos produtores”, diz Sartoreli. “Não dá para criar um negócio que vai ser uma loja, que vai atender a 15 produtores e não vai gerar escala.”

No início, a empresa tinha dois desafios para sair de uma única loja e partir para a expansão. O primeiro era engajar os produtores para fornecer um cacau de altíssima qualidade. E 100% do cacau da Dengo vem da Cabruca, um sistema agroflorestal em que o cacaueiro é plantado debaixo da sombra da Mata Atlântica

O segundo desafio, diz Sartoreli, era saber se os clientes pagariam pelo produto e reconheceriam valor nos propósitos da marca. “Quem faz a transformação é o cliente. O que muda o mundo são as escolhas dos consumidores”, afirma. Três meses depois de abrir a primeira loja da marca no shopping Morumbi, o modelo estava testado, a expansão foi iniciada e criou-se uma aura ao redor da marca.

A Dengo entrou no ranking LinkedIn Top Startups 2021, que traz as dez startups mais jovens e efervescentes que os brasileiros desejam trabalhar. “Nascer com propósito já dá uma vantagem competitiva muito grande”, afirma o cofundador da Dengo.
 
 Fonte: https://neofeed.com.br/blog/home/na-dengo-um-chocolate-com-sabor-esg-e-dna-da-natura-atrai-o-mercado/

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *