Há uma bela relação entre o “belo” e o “monstro” que não é particularmente subtil, tendo em conta que “urso” é uma metáfora habitual nos meios homossexuais para identificar homens mais velhos.

O Belo Macho: o novo perfume de Jean Paul Gautier é a sequela do anterior O Macho, e de grande sucesso. Em francês a coisa parece mais distante, mesmo sem o devido acento circunflexo em “mâle”, mas é de machos que Gaultier fala quando defende que os homens devem exsudar erotismo como as mulheres. O perfume, diz, espalha o erotismo em redor. Há uma bela relação entre o “belo” e o “monstro” que não é particularmente subtil, tendo em conta que “urso” é uma metáfora habitual nos meios homossexuais para identificar homens mais velhos.

A ideologia associada a estas águas de cheiro não tratam do carácter do homem, antes reduzem o homem a macho, expressamente conquistador. O frasco de Le Mâle e de Le Beau Mâle transmite o erotismo masculino pela sua forma de corpo masculino. Como numa estátua do tronco, sem braços nem pernas, o estilista substitui a nudez total por umas riscas horizontais azuis que simulam uma blusa de marinheiro, que serve como projecção icónica do macho amoral ou bissexual, concepção consagrada em fotografias nas primeiras campanhas do perfume. A blusa transmite essa intenção, ao mesmo tempo que a nudez dos órgãos genitais no corpo estilizado, respeitando a representação habitual do corpo na estatuária, assinala a libertação do eros masculino.

No anúncio do novo perfume, que passou de “macho” a “belo macho”, o modelo tira a blusa de marinheiro e trá-la ao ombro. Apresenta-se totalmente nu, embora na nudez simulada frequente quer na arte quer na publicidade, tapando o sexo. A mostração da nudez masculina está-se libertando dos últimos freios da moral. Duas exposições do nu masculino na arte dos últimos dois séculos, em Viena e Linz, tiveram grande êxito e foram divulgadas na imprensa mundial: os outdoors publicitários mostravam o nu integral, fronteira já transporta pela publicidade no passado mas que Gaultier não quis passar – por não valer a pena: a nudez tapada do modelo no anúncio de Le Beau Mâle passa como nudez integral.

Neste reclame, a referência ao marinheiro mantém-se na blusa e na tatuagem com uma sereia. O que muda, além da nudez, é a encenação. O modelo está meio deitado sobre uma pele de um urso branco. Em volta, gelo polar. A mão direita do modelo firma-se no gelo em volta do urso e a mão esquerda está pousada na cabeça do urso.

Numa primeira leitura, o ambiente polar significa a frescura da água de cheiro e o modelo nu significa a libertação do erotismo masculino. O cheiro ao serviço desse erotismo libertado foi, aliás, sublinhada por Gaultier como uma intenção da ideologia associada à estratégia comercial de venda do perfume. As mãos do modelo dominam o gelo e o urso, quer dizer.

Podemos, entretanto, avançar para uma leitura psicanalítica, como a feita por Laurie Schneider Adams em Methodologies of Art a respeito de representações artísticas do episódio bíblico de David e Golias: O que representa o gelo, dominado firmemente pela mão direita do modelo? O fresco, o “cool”, a capacidade do modelo para controlar o ambiente, isto é, quem o rodeia.

O que representa o urso? Será apenas um acréscimo de representação da “frescura” do perfume? Tendo em conta que se poderia representar a “coolness” de mil outras formas, tendo em conta que se poderia ter representado a conquista do sexo feminino, só sobra uma leitura: o urso significa o “feio macho”. A imagem representa um jovem “belo macho” (um David, nu) em cima de um urso (um Golias). Numa imagem do making of do anúncio, o modelo está literalmente “montado” à garupa do urso.

O jovem “belo macho” domina o poderoso “velho macho”, o urso Golias: está nu, sobre ele. Acresce que a cabeça do urso parece separada do corpo, ou decepada, como no David e Golias de Caravaggio. O “urso” está à mercê de “David”: no quadro e no anúncio, a mão direita ilustra o controle total do velho pelo jovem macho. No quadro, David tem a fálica espada de Golias na mão, no anúncio o modelo tem o gelo, o perfume “cool”, instrumento de conquista. É uma imagem de conquista sexual, que, apesar da multi-sexualidade expressa verbalmente por Gaultier a propósito do perfume, tem um evidente carácter homossexual.

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Fonte:http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/detalhe/504_jean_paul_gaultier_le_beau_male.html

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