No mais importante encontro sobre política monetária no Brasil, economistas do Banco Central, do setor privado e de organismos multilaterais discutiram os motivos da inflação estar mais resistente e qual é o remédio para resolver esse problema.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse na Conferência Anual do BC que, apesar dos progressos, “ainda enfrentamos desafios para consolidar a desinflação no Brasil”. Segunda na hierarquia do Fundo Monetário Internacional (FMI), Gita Gopinath pregou perseverança na política monetária em países da região para assegurar que a inflação seja de fato controlada.

Há uma clara convergência no diagnóstico de que a inflação está alta e que, para combatê-la, é preciso manter juros altos pelo tempo suficiente. Mas isso não significa que os economistas estão fechados no diagnóstico sobre porque o juro alto não funcionou como esperado até agora.

Diretor de política econômica do Banco Central, Diogo Guillen, mediador da palestra de abertura da primeira vice-diretora-gerente do FMI, Gita Gopinath, perguntou o quanto a inflação ainda resistente reflete fatores conjunturais e quanto são fatores mais estruturais.

A natureza da inflação mais resistente pode fazer toda a diferença. De um lado, pode ser apenas um desbalanço transitório entre oferta e demanda, e o aperto monetário feito pelo Banco Central, mais dia ou menos dia, poderá fazer a inflação chegar à meta.

Já se o diagnóstico for de uma inflação causada por fatores mais estruturais, o problema poderia ser maior e mais prolongado. A inflação poderia permanecer alta por mais tempo devido a mudanças no mercado de trabalho depois da pandemia, com os trabalhadores dispostos a trabalhar menos horas e seguir com o trabalho remoto. A guerra da Ucrânia, por outro lado, estaria levando as empresas a realocar a sua produção por questões geopolíticas – deixando a China, por exemplo – e isso reduziria a produtividade.

Gopinath disse que, por enquanto, nas contas do FMI, a inflação está sendo impulsionada por fatores mais cíclicos, mas haveria uma maior inércia e resistência nos preços. Ela admitiu, por outro lado, que será necessário reexaminar porque a política monetária não teve os efeitos esperados. Ninguém poderia esperar que, com juros tão altos em toda a América Latina, a atividade econômica não sofresse um impacto maior. Adicionalmente, disse que, para o FMI, há um risco de que esses temas geopolíticos tenham um impacto mais duradouro na inflação, mas isso não está incluido como o cenário principal.

Ex-diretor de política econômica do Banco Central, Fabio Kanczuk questionou se, no fim das contas, a taxa neutra de juros não seria maior do que se imaginava, por isso a inflação não caiu da forma prevista.

A taxa neutra é o ponto a partir do qual os juros começam a fazer efeito para baixar a inflação. Se o juro neutro for maior, portanto, significa que o nível de juros é, no final de contas, mais baixo do que se pensava, do ponto de vista do combate à inflação.

Gopinath lembrou que o FMI recentemente fez estudos sobre a taxa neutra de juros em economias avançadas. A conclusão, por lá, é que depois de um período de aperto para combater a inflação, a taxa neutra voltaria para o que era antes – ou seja, percentuais bem baixos, refletindo fatores mais perenes que afetam poupança e investimento, como demografia e desigualdade.

Naturalmente, essa é uma discussão um pouco diferente da que ocorre no Brasil. Na sua última reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) discutiu se a taxa neutra já não teria subido mais, em parte devido ao ambiente internacional, mas também devido a outros fatores, como a política fiscal e de crédito direcionado e de bancos públicos.

Outro ex-diretor de política monetária do BC, Carlos Viana de Carvalho, fez uma pergunta mais prática a Gopinath: o que fazer para combater essa inflação mais resistente? Seria o caso de manter uma convergência mais gradual à meta atual, sem fazer alterações do objetivo, ou mudá-lo?

Esse é um debate quente no Brasil, depois que várias autoridades do governo Lula pregaram mudar a meta de longo prazo, hoje em 3%. Gopinath deu sua opinião contra adotar metas mais altas, ainda que sem dizer isso literalmente ou confrontar o governo Lula.

Segundo ela, os bancos centrais são sempre capazes de buscar o nível de inflação desejado. A discussão de uma eventual adoção de metas mais altas está relacionada ao risco de deflação, quando um objetivo mais baixo impediria os bancos centrais de praticar juros reais muito negativos. Mas, para ela, não haveria assimetria nessa discussão – o que vale para a deflação não vale para a inflação.

Fonte: https://valor.globo.com/financas/noticia/2023/05/17/analise-economistas-debatem-o-que-fazer-para-combater-inflacao-mais-resistente.ghtml

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *