Queda da arrecadação com ICMS após medidas de Bolsonaro leva governos de Minas e Rio a superar limite de despesa com pessoal

Contratações, reajustes salariais a servidores e desaceleração das receitas contribuíram para o avanço relativo das despesas de pessoal dos Estados. Nos 12 meses encerrados em abril, 21 dos 27 entes federados tiveram aumento do gasto total com pessoal do Poder Executivo em relação à receita em relação aos 12 meses anteriores.

Dois Estados – Minas Gerais e Rio de Janeiro – romperam o limite máximo de despesa de pessoal estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O Rio Grande do Norte já estava acima do teto no início do ano passado e avançou ainda mais no gasto. Outros três Estados – Rio Grande do Sul, Roraima e Acre – fecharam os 12 meses até abril deste ano acima do limite prudencial. Segundo a LRF, o limite máximo para despesas de pessoal no Poder Executivo é de 49% da Receita Corrente Líquida (RCL), e o prudencial, de 46,55%.

Entre os Estados que avançaram na relação entre despesa de pessoal e receitas, cinco – Alagoas, Piauí, Roraima, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro – tiveram avanços superiores a cinco pontos percentuais. Com a maior taxa de aumento, o Rio de Janeiro viu a despesa de pessoal avançar 10,8 pontos percentuais, de 38,66% para 49,47% da RCL de abril de 2023, sempre considerando despesas e receitas em 12 meses.

A Fazenda fluminense diz que o valor de 0,47 ponto percentual da RCL acima do limite da LRF se deu, principalmente, pela redução de receitas. A expectativa de arrecadação foi alterada com a mudança no ICMS imposta pela União por meio das Leis Complementares (LCs) 192/2022 e 194/2022 (ver reportagem No Rio, gasto com servidor estoura limite da LRF).

As duas leis resultaram em perda geral de arrecadação dos Estados com o imposto, em setores importantes como combustíveis, energia elétrica e telecomunicações. O ICMS é o principal tributo recolhido pelos Estados.

Os relatórios fiscais mostram desaceleração no crescimento da arrecadação. A receita corrente líquida no agregado dos 26 Estados mais Distrito Federal nos 12 meses até abril de 2023 cresceu 4% reais. Até abril de 2022 cresceu 8,2% reais, sempre na comparação com os 12 meses anteriores.

O quadro do indicador de despesas de pessoal acende o “sinal amarelo” em relação à evolução de gastos dos Estados, diz Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset. Ele lembra que parte do avanço do gasto era esperada, já que as despesas de pessoal ficaram restritas sob força da Lei Complementar 173/2020. Essa lei estabeleceu transferências extraordinárias a Estados e municípios em 2020 para amenizar os efeitos da pandemia de covid-19 naquele ano e também restringiu contratações e reajustes a servidores até o fim de 2021. Em 2022, já sem essa restrição, Estados enfrentaram, em ano de eleição, pressões por recomposição salarial.

“Já esperávamos esse ‘payback’, mas, além da redução do ICMS promovida pelo governo federal em 2022, a perspectiva de crescimento econômico à frente não é das melhores”, diz Leal de Barros. A Ryo projeta alta de 1,9% do PIB para 2023 e de 1,2% para 2024.

“Além da redução do ICMS em 2022, a perspectiva de crescimento econômico à frente não é das melhores” Gabriel Leal de Barros

O quadro indica dois caminhos para os governadores, diz Leal de Barros. “O gasto com pessoal é resistente em todas os níveis de governo e poucos Estados usam a agenda digital para melhorar a eficiência da máquina pública, o que poderia ajudar a mudar a essa situação, num caminho menos ambicioso do que uma reforma administrativa mais estrutural.”

Outra questão, diz Leal de Barros, é a reforma tributária. “À medida que essa janela mais positiva de arrecadação fica para trás, a situação fica mais dramática, trazendo de volta um cenário que ficou temporariamente fora de debate por causa dos choques que favoreceram a arrecadação dos Estados no período mais recente: a base em franca deterioração do ICMS, que volta a ser um problema para financiar despesas estaduais.” Para o economista, a “base erodida” do ICMS poderia impulsionar os Estados por uma reforma, mas ao mesmo tempo pode acabar concentrando os esforços dos governadores na melhora das contas na atual gestão.

“Estamos na tempestade perfeita”, diz Carlos Eduardo Xavier, secretário de Tributação do Rio Grande do Norte e presidente do Comsefaz, comitê que reúne os secretários estaduais de Fazenda. Ele conta que os Estados foram atingidos pela redução de receitas imposta com a mudança no ICMS no ano passado e por outras medidas também do governo federal, como o aumento no piso salarial dos professores. “Houve um conjunto de fatores que pressionou o indicador de despesa de pessoal e afetou principalmente os entes que estavam em processo de reequilíbrio.” O Rio Grande do Norte, diz ele, estava desde 2019 seguindo tendência de queda nessa relação, mas isso foi revertido.

A despesa total de pessoal do Estado, em 52,14% da RCL em abril de 2022, avançou para 56,68% em abril de 2023, segundo os relatórios fiscais. Xavier diz que o Estado mantém o pagamento dos servidores em dia, mas houve atraso no decorrer do primeiro semestre no pagamento a alguns fornecedores.

Xavier ressalta que medidas estão sendo tomadas do lado das receitas e das despesas para reequilibrar o fluxo de caixa. Entre as medidas, diz, houve elevação da alíquota modal de ICMS de 18% para 20% para fortalecer receitas e o Estado não deve dar novos reajustes salariais este ano, após a recomposição concedida no ano passado.

Segundo o ele, o governo potiguar espera voltar à trajetória de redução do gasto com pessoal com a adesão ao Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal (PEF), cuja autorização pela Secretaria do Tesouro Nacional é esperada para o início do segundo semestre.

Renata Santos, secretária de Fazenda de Alagoas, diz que no Estado o aumento no gasto de pessoal resultou da redução imposta no ICMS em 2022 e também de uma ampla reestruturação de carreiras promovida desde o início do ano passado para corrigir distorções e defasagens salariais. Quando a reestruturação foi decidida, conta, a expectativa é que a despesa de pessoal, que ao fim do primeiro quadrimestre de 2022 estava em 35,93% da RCL, avançaria para cerca de 39%. “Depois vieram as leis complementares [ LC 192/2022 e a LC 194/2022], a receita não evoluiu conforme o estimado e o gasto avançou mais.” No relatório do primeiro quadrimestre deste ano o indicador avançou para 41,73% da RCL, ainda abaixo do limite de alerta da LRF, de 44,1%.

Mesmo com folga do teto para a despesa, diz Renata, o Estado trabalha para manter o indicador baixo. Entre as medidas que ela cita, estão, no campo dos gastos, a implantação da previdência complementar e o parcelamento do reajuste salarial a servidores em 2023 (3% em outubro e 2,79% em janeiro de 2024). Do lado das receitas, ela cita aumento da alíquota modal de ICMS de 17% para 19% e atualização de valores na substituição tributária, regime no qual o imposto é cobrado em etapa anterior à venda ao consumidor final, com base em preços estimados.

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/06/22/estados-elevam-gasto-com-funcionalismo-e-acendem-alerta.ghtml

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