Dois anos após o estopim da crise financeira e de gestão na Americanas, aos poucos, a empresa tem tomado medidas para acelerar a operação, tendo que equilibrar as necessidades da empresa e as determinações do seu plano de recuperação judicial.

Entre as ações planejadas para este ano está a volta gradual da venda de produtos do estoque do grupo, em negócios de oportunidade — a rede trabalha só com produtos de lojistas no on-line desde o fim de 2023 —, e o aumento de linhas de crédito para a compra da indústria. São projetos dentro de um pacote de ações para tentar ganhar maior relevância e mercado, especialmente no digital.

“Vamos voltar a fazer crédito de maneira cuidadosa, e começamos, apesar de forma incipiente ainda, a elevar limite de compra de fornecedores, respeitando nossos compromissos do plano”, disse o CEO, Leonardo Coelho.

Ainda está nesse radar a criação de um novo programa de fidelidade em 2025 e a abertura de novas linhas de financiamento para oferecer ao consumidor.

Com 1,6 mil lojas no país, a rede conseguiu, no meio do turbilhão, manter uma operação física com poucas baixas — fechou cerca de 200 lojas desde 2023, 11% da base inicial — e afirma que houve uma recuperação nas vendas em lojas e no on-line desde a Black Friday, frente ao ano anterior.

Por conta, disso, como a estrutura física se manteve relevante, e a base de comparação de vendas da empresa em 2024 é mais fraca que a do mercado, a expectativa é de recuperação. Ainda pesa nisso as condições de compra acertadas com a indústria no plano de recuperação. O aspecto central é que esse cenário abre a necessidade de a Americanas ter mais produtos para ofertar (e os itens certos) e maior crédito com bancos.

A questão é que isso não é algo completamente trivial ainda, apesar de o quadro atual ser menos turbulento do que há um ano e meio. Até o fim de 2023, quando o plano com credores foi aprovado, a rede operava num ambiente de maior desconfiança por parte de fornecedores e bancos.

Coelho disse que, nesse cenário, a ideia é avançar com três ações paralelas, que consigam fazer a empresa ir melhorando resultado de forma mais rápida, apesar das limitações do atual momento com a recuperação em andamento.

Para 2025, a cadeia deve voltar a fazer crédito direto ao consumidor com recursos de terceiros, como bancos, de forma paulatina, para gerar limites maiores ao cliente.

Inadimplência e “vida real”
Para vender mais neste ano, especialmente no on-line, de produtos mais caros, ela precisa que o usuário tenha acesso a financiamentos. Na prática, até interessa aos bancos liberar recursos, mas isso tende a acontecer dentro de uma série de critérios, principalmente pela liberação de recursos sem que isso acelere a inadimplência. Ainda precisa levar em conta a alta acelerada da taxa de juros hoje, que não favorece liberação de crédito a certos perfis de clientes.

O pior cenário agora dos bancos ou fabricantes seria um aumento de calote com consumidores da Americanas. “Queremos fazer isso mantendo inadimplência controlada”, diz o CEO. Outra ação envolve aumento de limites de compra para os fabricantes.

No plano de recuperação, os credores colaboradores da empresa têm que manter as condições negociadas com a Americanas em 2022, como preços e quantidade compatíveis ao negociado em 2022. Mas não necessariamente a linha liberada a certa categoria ou produto naquela época é foco da estratégia atual da empresa.

“Muitas vezes, após uma negociação de plano de recuperação, que pode ser longa, o que a rede precisa comprar mais não é aquilo que ela vendia antes da crise, porque as estratégias mudam. Então o fornecedor diz, eu até vendo isso para você, mas aí precisamos negociar uma linha nova”, diz um ex-diretor de uma rede em recuperação.

Além disso, a Americanas dependia da linha que as seguradoras internacionais de créditos determinavam para a empresa. E logo nas primeiras semanas do estopim do escândalo, em janeiro de 2023, essas linhas desapareceram, e foram retornando depois, mas em menor volume.

Em bens duráveis de marcas estrangeiras e nacionais, há basicamente duas formas de vender: com seguradoras garantindo o pagamento ao fornecedor, ou à vista, como a Americanas fez desde o início da crise, com dinheiro injetado pelos sócios. Mas um varejista não lucra pagando tudo à vista, porque ganha no ciclo financeiro da compra e venda.

O comando da empresa diz que a rede tem vendido mais que no ano anterior, e sem novos limites, ela acaba batendo “no teto” das linhas rapidamente. Nesse caso, seria preciso a empresa financiar esse aumento, algo que começou lentamente no terceiro trimestre, e vem sendo calibrado segundo as necessidades da rede, diz a diretoria.

Outro caminho envolve a volta da venda de produtos próprios, que a empresa compra diretamente dos fabricantes. Coelho cita o caso de compra de itens de informática, negociados numa compra de oportunidade que foram ofertados no site da rede em 2024.

No on-line, varejistas em geral comercializam itens próprios, e de terceiros nos marketplaces. Na Americanas, a venda de itens próprios do seu estoque deixou de acontecer após dezembro de 2023. Isso ocorreu com o fim das operações de financiamento com os fornecedores e bancos pelo risco sacado — um dos focos das fraudes bilionárias da ex-diretoria.

Segundo Coelho, o retorno da venda de itens do próprio estoque ainda é um movimento pontual, mas como tratam-se de produtos de apelo e giro maior, como itens de tecnologia e eletrodomésticos, por exemplo, com alta demanda no digital, a venda tende a subir especialmente com a loja da Americanas integrada com o site

 Unificação volta à mesa
Este é um outro ponto que a empresa terá que avançar neste ano: uma maior unificação da atividade das lojas com o digital, fundamental para atrair clientes e lojistas para o marketplace.
 
Até hoje, a Americanas não tem o mesmo software de gestão nas lojas, no on-line e na logística. A antiga B2W (ex-empresa online do grupo), por exemplo, opera com Oracle, e a rede física tem um sistema SAP mais antigo.

Em 2025, a Americanas começa a preparar a companhia para essa transição de software para um SAP único junto ao sistema da Vtex, num processo a ser concluído em 2026. Vai ajudar, por exemplo, que informações de vendas, estoque e finanças sejam atualizadas automaticamente, eliminando erros manuais e duplicidade de dados.

No setor, o histórico mostra que essa unificação é algo trabalhoso e difícil, pela própria complexidade de uma operação de comércio. Só que um SAP único gera uma maior troca de dados entre lojas, site e aplicativos, e isso é vital para entender o comportamento do cliente e acelerar as vendas.

“A integração dos sistemas vai ajudar a gerar maior eficiência entre os negócios e tornar toda a operação mais simples”, diz Coelho. Na prática, as maiores varejistas do país já operam dessa forma há anos, mas o foco dos ex-diretores do grupo em montar um sistema paralelo de maquiagem de resultados atrasou a integração. “A vontade é ir fazendo tudo o que falta, mas não dá para ser assim, se não vamos errar”.

Em outubro, Renato Drumond (ex-Cobasi e ex-Pontofrio) foi anunciado como vice-presidente de varejo digital para trabalhar nessa frente.

Toda a questão é que, para atrair clientes, ou seja, chamar tráfego, e gerar maior conversão de visita em vendas, é preciso ter produtos e preços certos, e com condições de entrega competitivas, logo, logística pronta. Com limitações de investimentos, porque a rede ainda não gerava, até setembro, caixa operacional para se financiar, é preciso se apoiar em medidas que não gerem tanto desembolso de caixa, mas que criem impacto. Daí as medidas de buscar novas linhas e integrar sistemas, além de melhorar a precificação de produtos, cidade por cidade.

Hoje, essas ações crescem em importância porque, passado o aporte de capital dos sócios, de R$ 12 bilhões, na metade de 2024, a Americanas tem que caminhar com as próprias pernas e sair da recuperação judicial — o que o comando acredita que deve ocorrer em 2026.

No momento atual, o plano de recuperação judicial está em andamento, e o início do pagamento das dívidas com credores, e conversão de débitos de bancos em ações, aconteceu após abril de 2024. Boa parte das medidas legais foram implementadas, mas ainda é preciso avançar em projetos como venda de ativos acertada com credores, e que pode ocorrer até dois anos após a homologação do plano.

Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2025/01/09/americanas-tenta-acelerar-operao-com-novas-medidas.ghtml

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