Em Dias D’Ávila, Região Metropolitana de Salvador (RMS), a Bahiafarma e a Indar Laboratórios deverão construir uma nova fábrica de insulina no País. O anúncio, feito esta semana em Kiev, Ucrânia, onde fica a sede da farmacêutica, representará um novo passo para a autonomia na produção do medicamento, usado atualmente por dois milhões de brasileiros e que vem importado de outros países com custo em dólar. O projeto envolverá um investimento de R$ 100 milhões e irá nacionalizar as variações R e NPH – as mais usadas pelos doentes.
A evolução do diabetes tipo 2 no País é preocupante, segundo o Ministério da Saúde: entre 2006 e 2016 o diagnóstico de novos doentes avançou 61,8% e constatou que 8,9% da população tem a doença. A parceria para o desenvolvimento produtivo (PDP) não é inédita no Brasil, mas prevê que a Indar inicie um novo processo de transferência de tecnologia, que começa com a importação do produto acabado.
O primeiro lote já foi distribuído ao Sistema Único de Saúde (SUS) e irá cobrir toda a Bahia e outros 16 estados do Nordeste e também Sul e Sudeste, suprindo de imediato metade da demanda. Segundo o acordo, o próximo passo será a produção local das embalagens e, por fim, a droga em si, usando tecnologia desenvolvida na Ucrânia.
“É um projeto com nível de complexidade alto, mas seguimos um cronograma que prevê um ano de planejamento e devemos começar a obra até o final do ano e concluir em três anos”, explicou Ronaldo Dias, presidente da Bahiafarma.
Diabetes e trombose
A reportagem de A TARDE foi até Kiev para conhecer as instalações da Indar, a convite da Bahiafarma. Em um edifício amplo ao redor da capital, onde funcionou um laboratório de controle soviético desde os anos 1970, a Indar iniciou as atividades em 1997 com participação da iniciativa privada, mas também com investimentos do governo.
A fabricação de insulina começou no ano seguinte, e, além do medicamento para controle do diabetes, a empresa mantém no portfólio uma linha de antitrombóticos, fitas para teste, entre outros produtos. Além de conhecer a linha de produção, tivemos acesso a todas as etapas, desde a filtragem do ar e da água ao setor dos laboratórios e envasamento, sempre sob o olhar cuidadoso de Lyudmila Solyanik, diretora de qualidade.
“Desde a inspeção das embalagens de vidro, que vêm de um fornecedor europeu, passando pela parte laboratorial do cultivo da insulina até o embalo, o processo leva meses, requer cuidados já verificados pelas autoridades para um produto seguro”, afirmou Lyudmila durante a visita guiada que durou quase duas horas.
No final do processo, os vidros ficam armazenados a uma temperatura constante de 4° C, onde são colocados em caixas térmicas e seguem de caminhão até Frankfurt, na Alemanha, onde são acondicionadas numa câmara fria em aviões de carga e de lá seguem até o Brasil.
Histórico polêmico
No bilionário mercado de insulina distribuída pelo SUS atuam gigantes como a Novo Nordisk, da Dinamarca, a Eli Lilly, dos Estados Unidos, e a francesa Sanofi.
Segundo a Bahiafarma, o processo de consulta do governo brasileiro até a aprovação foi totalmente cumprido pela empresa, informação que não é unânime no meio farmacêutico por vários percalços.
Em 2006, o governo ucraniano formalizou a primeira parceria entre a Indar, que é uma empresa mista, e a Farmanguinhos. Anos depois, o acordo foi desfeito e a responsabilidade sobre a transferência de tecnologia passou para a Bahiafarma.
A Anad (Associação Nacional de Atenção ao Diabetes), que tem entre seus associados os fabricantes já citados, divulgou no ano passado um documento onde justifica que os produtos da Indar são de “baixa qualidade”. Em 2008, a importação da insulina ucraniana foi suspensa pela Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, mas em 2011 a parceria foi retomada.
No ano seguinte, a Indar foi abalada por outra crise. A presidente Lyobov Vishnevskaya, passou a responder a processos por corrupção e desvio de US$ 1,5 bilhão em propinas, uma vez que sua empresa passou a ganhar inúmeras licitações na Ucrânia. Segundo a Anad, a Indar também utilizava matéria-prima chinesa, da cidade de Dongbao, que chegava à Ucrânia como “substância não esterilizada”, e, após abertura de um processo de investigação, a parceria com a Farmanguinhos foi extinta em 2015.
No meio do divórcio, a Indar havia contratado uma auditoria independente para apurar as irregularidades, que, segundo os diretores do laboratório, já foram sanadas. Em entrevista, Lyobov afirmou que a Indar nunca adquiriu matéria-prima da China e que não tem parceiros comerciais naquele país.
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