Sylvia Rotta, com 30 anos de experiência em design e branding, conta o que vem atormentando as empresas de alimentação, os maiores clientes de sua agência
A crise de confiança nos alimentos cresce faz tempo. Aumentou globalmente com a Doença da Vaca Louca nos anos 1990 e piora com denúncias regulares. No Brasil, bateu forte em 2017, com a Operação Carne Fraca da Polícia Federal. Ao longo do período, multiplicaram-se alertas de saúde pública sobre obesidade, pressão alta, diabetes. “Foi inevitável que as pessoas começassem a se perguntar: o que eu como faz bem para minha saúde?”, diz Sylvia Vitale Rotta, designer italiana, cofundadora e CEO da francesa Team Créatif, um dos maiores grupos de design e branding da Europa, atuante há 30 anos. Oito em dez de seus clientes são da área de alimentação – BRF, Carrefour, Danone, Mars, Mondelez, Nissin, entre outros. Sylvia os ajuda a entender o consumidor atual e compartilhou conosco alguns insights.
Época NEGÓCIOS – O que as empresas mais pedem a você hoje?
SYLVIA VITALLE ROTTA – A principal demanda é em relação à embalagem. O produto tem de parecer natural e apetitoso ao mesmo tempo para atrair o consumidor. O mercado de massa quer coisas frescas, mais naturais. Quer ver o que tem dentro do pacote. Conceber uma embalagem exige muito estudo, principalmente para a marca que vai vender produtos naturais em meio a itens totalmente industrializados. Para tentar deixar mais claro que seus temperos são 100% naturais, a Kitano, por exemplo, estampou imagens reais de vasinhos com orégano plantado.
Época NEGÓCIOS – Há um novo consumidor exigindo que as marcas se transformem?
SYLVIA – É inegável o crescente número de consumidores preocupados com o que comem. Toda mudança surge a partir de uma dúvida. A sensação de que apenas talvez não estejamos fazendo a coisa certa já estimula a necessidade de alimentação mais saudável. O consumidor sente que a indústria da alimentação não tem sido totalmente transparente. Começa a indagar: será que o produto industrializado que sempre comi é bom mesmo? E há o consumidor que faz uma busca direta pelo natural. Esse acredita que o que vem da terra é melhor.
Época NEGÓCIOS – Isso é novo?
SYLVIA – Essa mudança começou há cerca de dez anos e está em ritmo acelerado. Escândalos alimentares tiveram papel importante nisso, como a Vaca Louca. Acendeu o sinal de alerta. Depois, a mídia agiu e denunciou os alimentos com muito açúcar, muitos aditivos. A maior dúvida em relação aos alimentos veio das ruas: passamos a ver muita gente gorda. Isso confirma que estamos comendo demais e comendo mal.
Época NEGÓCIOS – Você vê um esforço real das empresas em tornar os alimentos mais saudáveis?
SYLVIA – Sim. Estão reduzindo açúcar, sódio, aditivos ruins… As marcas estão conscientes de que têm que mudar. É bom que mudem – do contrário, vai ser pior. O consumidor ficará ainda mais desconfiado. Não é preciso esperar ter um alimento perfeito para fazer a mudança. O consumidor prefere entender por que há um elemento pouco natural na lista de ingredientes e qual é o seu papel do que descobrir depois, por conta própria, a substância nociva.
Época NEGÓCIOS – A Pepsico usava o slogan “é impossível comer um só” para salgadinhos. Agora, a Mondelez tenta usar o conceito do mindful snacking, de comer com controle. É uma virada, não?
SYLVIA – Por muitos anos, a indústria encorajou a comilança. Mas há poucos anos, organizações de saúde começaram a se preocupar muito com obesidade infantil. Michelle Obama fez um grande trabalho de conscientização nos Estados Unidos. Deu-se início a um processo de encorajar a Pepsico e a Coca-Cola a fazer porções menores. Isso é mindful snacking. Você ainda sente o prazer de comer, mas, no lugar de encorajá-lo a comer um saco de salgadinhos gigantesco, ofereço um menor. Trata-se de uma mentalidade que faz bastante sentido na Europa e nos Estados Unidos, as regiões dos pacotões.
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