Conforme o Valor apurou, indústrias de alimentos e bebidas de todos os portes estão enfrentando algum tipo de restrição no acesso à embalagem

A capacidade de produção limitada no país e a demanda de cervejas, vinho e alimentos em conserva acima do esperado nos últimos meses levaram à falta de embalagens de vidro no mercado brasileiro. Neste momento, indústrias de alimentos e bebidas de todos os portes enfrentam algum tipo de restrição, apurou o Valor, e não há perspectiva de correção desse equilíbrio no curto prazo.

Líder de mercado, com fatia de cerca de 60% considerando-se alimentos e bebidas, a Owens Illinois (O-I) está cumprindo os compromissos previstos em contrato, mas não consegue absorver novos clientes ou fornecer volumes adicionais. As quatro fábricas no país – duas em Pernambuco, uma no Rio de Janeiro e outra em São Paulo – seguem operando a plena capacidade e, na avaliação do presidente da companhia na América do Sul, Hugo Ladeira, esse panorama de oferta e demanda deve se manter ao menos até o fim do verão.

Na Vidroporto, que tem participação de mercado estimada em 25%, a política tem sido garantir o atendimento aos clientes habituais, ao menos em volumes semelhantes aos vistos no ano passado. As fábricas de Porto Ferreira (SP) e Estância (SE), que acabou de ser ampliada, também estão com a capacidade tomada e novos clientes estão na fila de espera.

Há uma terceira fabricante de embalagens de vidro no país, a francesa Verallia. E parcela crescente do mercado tem sido atendida pelas importações, embora o Brasil já tenha sido autossuficiente. Em 2019, essa participação estava em torno de 10% e a indústria vê espaço para que esse volume dobre em pouco tempo.

Neste momento, porém, o dólar mais caro e a menor oferta de garrafas no mercado internacional, na esteira das restrições impostas pela covid-19, têm dificultado também o acesso ao produto importado. “Outubro está sendo mais difícil do que se imaginava, porque não tem produto”, diz o superintendente da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro), Lucien Belmonte.

Entre o fim de março e o início de maio, no auge das medidas de isolamento social, a indústria de alimentos e bebidas optou pela redução de estoques e o setor vidreiro viu os pedidos recuarem drasticamente. No começo do segundo semestre, período sazonalmente mais forte em vendas, os estoques ao longo da cadeia estavam praticamente zerados.

Do lado da demanda, porém, a mudança de hábitos de consumo e o pagamento do auxílio emergencial conferiram velocidade e força à retomada. Hoje, embora a indústria de garrafas esteja trabalhando a plena capacidade, a produção não é suficiente.

“É ruim não poder atender na totalidade”, diz o presidente da Vidroporto, Edson Luis Rossi. A empresa não reduziu a taxa de operação no início da pandemia, apesar de os clientes terem desaparecido por semanas, o que evitou uma ruptura mais grave no fornecimento. A expectativa é a de arrefecimento da demanda em algum momento à frente, uma vez que o auxílio emergencial vai acabar e o contingente de mais de 13 milhões de desempregados terá reflexos no consumo.

Na O-I, conta Ladeira, já se avalia, para os próximos anos, alocar os volumes de venda conforme o histórico do cliente. A multinacional tem planos de investir em capacidade, mas câmbio desvalorizado e custos elevados do gás natural inviabilizam futuros projetos no país. “O Brasil está perdendo uma grande oportunidade. Na ponta, o consumidor aparece, mas a indústria não vai investir sem alguma previsibilidade ou melhores condições de competitividade”, afirma.

Para o executivo, há risco de desindustrialização nesse setor assim como se viu em diferentes segmentos da química. A própria O-I tem encontrado dificuldades na importação de embalagens de vidro para suprimento local porque os preços no país estão defasados.

O câmbio afeta diretamente os investimentos da indústria de vidros, já que todos os equipamentos são importados. O gás natural, por sua vez, é a principal linha de custo e as incertezas sobre a economia brasileira dificultam a execução de projetos de ciclo mais longo – no setor, são ao menos dois anos de maturação e um novo forno requer investimentos da ordem de US$ 120 milhões. Não existe um número oficial, mas estima-se que o déficit de garrafas de vidro no país esteja em torno de 400 mil toneladas por ano, o equivalente a 25% do mercado – que gira em torno de 1,6 milhão de toneladas por ano. Como a produção é concentrada em três players, o setor não informa o total de unidades produzidas no país.

Procurado, o Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv) informou em nota que a falta de insumos para embalagens “vem afetando diversos segmentos em um contexto atípico motivado pela pandemia. Tanto na cadeia de insumos como na retomada acelerada nos últimos meses”. “Especificamente no setor cervejeiro, estamos enfrentando desafios pontuais com alguns insumos inerentes ao negócio, mas buscando junto aos fornecedores soluções para a normalização e menor impacto possível ao processo”, acrescentou.

A Heineken informou que se posicionaria por meio do Sindicerv. A Ambev não respondeu ao pedido de entrevista até o fechamento desta edição. O Grupo Petrópolis, por sua vez, disse não ter tido problemas com falta de garrafas ou latas porque os fornecedores cumpriram com o que estava em contrato. 

Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/10/21/com-consumo-em-alta-faltam-garrafas-e-potes-de-vidro-no-pais.ghtml

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