Fabricantes aproveitam a crise para alcançar o consumidor sem passar pelos supermercados
Algumas das maiores marcas de alimentos do mundo estão concretizando ambições antigas de vender diretamente para os consumidores na pandemia, usando as perturbações causadas pelo coronavírus para ignorar varejistas.
A PepsiCo começou neste mês a vender em seu site PantryShop, caixas de petiscos e bebidas, incluindo o suco de frutas Tropicana, os cereais Cap’n Crunch e as barras de granola Quaker. O PantryShop faz entregas em qualquer código postal do território americano contíguo.
Um site irmão, o Snacks.com, permite aos compradores pela internet escolher entre mais de cem produtos Frito-Lay, como os salgadinhos Doritos e Tostitos. A Kraft Heinz, que tem Miguel Patricio como CEO global, começou a fazer entregas de seus alimentos enlatados homônimos e molhos há cerca de seis semanas no Reino Unido.
A possibilidade de eliminar os supermercados pode parecer sensacional para os fabricantes de alimentos: a ausência de um intermediário deveria significar lucros maiores para eles mesmos.
No entanto, assim como a maioria dos empreendimentos de entrega de produtos de supermercado, esses sites não deverão ganhar dinheiro. Executivos afirmam que eles não têm a ambição de substituir os varejistas numa escala substancial no curto prazo.
Em vez disso, eles estão usando as iniciativas para aprender o que funciona e o que não funciona no comércio eletrônico, além de recolher informações sobre clientes, que normalmente são capturadas pelos varejistas.
“É uma novidade para nós, mas estou surpreso com as informações que podemos obter”, diz Jean-Philippe Nier, diretor de e-commerce da Kraft Heinz no Reino Unido.
As grandes empresas de alimentos já fizeram vários esforços de venda direta, tanto on-line quanto em lojas, embora muitas das iniciativas tenham sido voltadas para o marketing.
Os exemplos incluem Kellog, que já teve um café na Times Square de Nova York, e Nestlé, que tentou a entrega direta em domicílio dos chocolates KitKat no Reino Unido.
A venda direta ao consumidor transformou alguns outros setores: a Harry’s e a Dollar Shave Club, por exemplo, mexeram com o mercado de lâminas de barbear. As vendas de comércio eletrônico direto para o consumidor nos EUA passaram de US$ 6,9 bilhões em 2017 para US$ 14,3 bilhões no ano passado, segundo a eMarketer.
Marcas especializadas como Magic Spoon e Perky Jerky nos EUA e Graze no Reino Unido, que foi comprada pela Unilever em 2019, prometeram provocar uma ruptura no setor de alimentos.
Mas para a maioria das grandes empresas de alimentos as vendas diretas “se perdem no arredondamento de suas contas anuais”, segundo diz Chris Bones, um ex-reitor da Henley Business School que preside a consultoria britânica Good Growth.
Os custos de entrega são uma grande barreira no negócio das vendas diretas. “Se estou vendendo itens individuais por apenas US$ 4 ou US$ 5, o frete disso vai me comer vivo”, diz Greg Portell, sócio da consultoria Kearney.
A entrega de produtos de supermercado é mais economicamente viável para os varejistas, que podem empacotar vários produtos de baixo valor na mesma cesta, embora até mesmo a maior parte deles não consiga ser lucrativa.
A pandemia da covid-19 tornou as vendas diretas mais viáveis. Steve Chantry, diretor comercial da Kraft Heinz para o Norte da Europa, afirma: “Empresas diferentes sempre tiveram ambições na venda direta ao consumidor, mas elas nunca encontraram as condições de mercado certas”.
O apetite por alimentos processados aumentou na crise, revertendo uma tendência de vários anos em que os consumidores evitavam marcas antigas em detrimento de alternativas mais saudáveis e frescas. Ao mesmo tempo, os consumidores encontraram prateleiras vazias nos supermercados e tiveram dificuldades para garantir faixas horárias seguras de entrega.
“Sentimos que havia uma oportunidade para criar soluções elaboradas para os consumidores”, diz Gibu Thomas, diretor global de e-commerce da PepsiCo.
A formação de estoques no confinamento aumentou a demanda por pacotes. Os kits da PantryShop são baseados em temas como café da manhã, encontros familiares e exercícios físicos, e custam de US$ 30 a US$ 50, dependendo do tamanho.
Ao dar os primeiros passos nas vendas diretas, as empresas tornam-se parte de uma corrida muito maior em direção ao comércio eletrônico durante a pandemia. As vendas on-line cresceram de pouco mais de 3% no mercado de produtos de supermercado dos EUA, antes da pandemia, para 10% a 15% em seu pico, segundo estimativas da consultoria Bain & Company.
As empreitadas também fornecem às empresas de alimentos um ponto de apoio a partir do qual elas poderão se aprofundar mais na entrega de produtos de supermercado se a economia se mostrar mais favorável no futuro.
Na crise da covid-19, os clientes que estão “presos” em casa estão dispostos a receber várias entregas durante o dia. Na medida em que eles forem retornando ao trabalho, provavelmente eles irão consolidar as compras feitas pela internet.
Embora os grupos de alimentos embalados afirmem que os consumidores estão redescobrindo o apelo de marcas até então desfavorecidas, ainda não se sabe se os alimentos processados manterão seu apelo depois que a crise passar.
Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/06/01/grandes-marcas-ignoram-varejistas.ghtml
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