O recente processo de depuração e amadurecimento do mercado cervejeiro nacional começa a se refletir em toda a cadeia produtiva. Tema complexo e cada vez mais atual, especialmente depois das queimadas que se alastraram por Amazônia, Cerrado e Pantanal colocarem a questão ambiental no centro do debate econômico, a sustentabilidade também experimentou uma importante consolidação no setor cervejeiro. E, ao que parece, trata-se de um caminho sustentável sem volta.
Essa é a análise de Rodrigo Oliveira, CEO da Green Mining, startup que vem desenvolvendo importantes iniciativas sustentáveis com empresas do setor cervejeiro, como a Goose Island. “Acredito que o setor cervejeiro nacional vem protagonizando grandes mudanças por iniciativas internas de ter processos mais sustentáveis”, aponta. “Definitivamente, não tem volta.”
Em entrevista ao Guia, Rodrigo explica como esse amadurecimento vem se consolidando nos últimos anos. Detalha, ainda, alguns desafios que precisam ser enfrentados, como melhorar a logística reversa das garrafas de vidro. Trata da importância das políticas públicas de incentivo. E conta uma verdade incômoda sobre as latas de alumínio, um case de sucesso da sustentabilidade nacional.
“A máxima da lata de alumínio merece algumas reflexões. O entendimento de ‘bem-sucedido’ tem raiz no fato de ser um item que gasta muita energia para ser produzido, principalmente na extração da matéria-prima, a bauxita”, explica. “Consequentemente, a indústria de alumínio foi obrigada a pagar mais pelo material reciclado, e ele se tornou o material mais bem pago na cadeia da reciclagem – o valor da tonelada de alumínio é quase 20 vezes maior do que o vidro. Portanto, a sustentabilidade de um material está diretamente ligada ao valor do mesmo no mercado.”
Confira, a seguir, a entrevista completa com Rodrigo Oliveira, CEO da startup Green Mining.
De maneira geral, como você encara o desenvolvimento da sustentabilidade no mercado de bebidas e, mais especificamente, no de cervejas?
O desenvolvimento sustentável no mercado de bebidas tem seus desafios em pilares importantes presentes nos ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) da ONU. Alguns, muito parecidos com os desafios das indústrias em geral, como a busca de redução na utilização de água em seus processos produtivos e a implantação de projetos de MDL (Mecanismos de Desenvolvimento Limpo) – que devem ser baseados em fontes renováveis e alternativas de energia, eficiência e conservação de energia. Nos últimos meses as principais cervejarias do Brasil anunciaram grandes projetos para utilização de energia eólica e solar em suas fábricas. O anúncio mais contundente veio da maior cervejaria do país (Ambev), que pretende ter operações 100% movidas à energia solar.
Mas dois desafios são um pouco mais específicos do mercado de cerveja. O primeiro refere-se à grande geração de resíduos, principalmente bagaço de malte e levedura. Este já foi muito bem endereçado pela indústria, visto que quase a totalidade (mais de 98%) dos resíduos gerados são encaminhados para uma nova cadeia de suprimentos como subprodutos.
O segundo desafio está relacionado às embalagens, seja na utilização de matéria-prima reciclada, seja em cumprir seu papel definido na lei 12.305 de 2010, que define a responsabilidade compartilhada para que seja executada a logística reversa de suas embalagens. Durante muito tempo a indústria se escondeu atrás de associações para o cumprimento de suas obrigações e, mais uma vez, a maior cervejaria do país saiu na vanguarda buscando junto à aceleração de startups como Green Mining e Molécoola realizar de forma independente a coleta de suas embalagens pós-consumo. Movimento que vem sendo seguido por diversos segmentos e ajudando o ecossistema de desenvolvimento de novas startups, como Cataki e Trash in.
Há pouco tempo existia a prática, em supermercados e empórios, por exemplo, de dar desconto quando havia o retorno de garrafas de 600ml e de 300ml, sobretudo das tradicionais marcas Pilsen. Hoje isso pouco se vê. Por que houve essa mudança? Como avalia essa alteração e qual o impacto disso no setor?
A garrafa retornável ainda existe e representa cerca de metade do que é vendido. Em cidades do interior são mais comuns do que nas capitais, principalmente por uma migração feita pelo consumidor que preferiu a garrafa de uso único nos últimos anos motivado pela comodidade. A partir do momento em que o tema sustentabilidade toma relevância, surge uma discussão fundamental: comodidade vs. sustentabilidade. Neste momento, começamos a pensar qual seria o melhor equilíbrio para o convívio do ser humano com a natureza e permitimos rediscutir nosso conforto. A partir desta reflexão fica claro que embalagens de uso único não cumprem o papel de comodidade de forma geral, devido à energia e água que consomem, mas principalmente à poluição que geram. Dentro da economia circular este tema está sendo repensando dentro do design da embalagem em diferentes frentes que buscam a redução na quantidade de materiais usados – embalagens que facilitem a sua reciclagem ou embalagens possíveis de reuso.
Se as garrafas ainda ficam em segundo plano na questão da reciclagem, as latas de alumínio são um exemplo nacional bem-sucedido de sustentabilidade. Como se deu a consolidação desse cenário das latas e como ele pode servir de exemplos para outras frentes de atuação? Qual o grande diferencial, aliás, entre a reciclagem da lata e da garrafa?
A máxima da lata de alumínio merece algumas reflexões. O entendimento de “bem-sucedido” tem raiz no fato de ser um item que gasta muita energia para ser produzido, principalmente na extração da matéria-prima, a bauxita. Este minério ficou praticamente inviável no Brasil, ou seja, muito caro para ser extraído, e, consequentemente, a indústria de alumínio foi obrigada a pagar mais pelo material reciclado, e ele se tornou o material mais bem pago na cadeia da reciclagem – o valor da tonelada de alumínio é quase 20 vezes maior do que o do vidro. Portanto, a sustentabilidade de um material está diretamente ligada ao valor do mesmo no mercado e não às suas características sustentáveis.
Não há dúvidas de que o reuso é a forma mais sustentável de lidarmos com as embalagens. Desta forma, incentivar o reuso de garrafas de vidro retornáveis que podem ser usadas mais de 20 vezes seria melhor do que qualquer embalagem de uso único, seja alumínio, plástico ou o próprio vidro.
Que países serviriam de exemplo para guiar o trabalho do setor cervejeiro com a sustentabilidade? Por quê? O que eles fazem que ainda não é feito aqui?
Acredito que o setor cervejeiro nacional vem protagonizando grandes mudanças por iniciativas internas de ter processos mais sustentáveis. Como exemplo externo podemos citar a Bélgica, que tem políticas públicas que determinam que toda embalagem de vidro deve ser retornável – e isso vale não apenas para cerveja, mas também para outros itens como água, vinho e refrigerante. Resíduos sólidos e reciclagem dependem prioritariamente no mundo de políticas públicas bem escritas e executadas. São inúmeros os exemplos de sucesso que poderiam ser seguidos por municípios brasileiros se o assunto fosse prioridade dentre os governantes. O sistema “pay as you throw” que já foi indicado desde o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, escrito em 2012, mudou os patamares de reciclagem nos países em que foi implementado, como Estados Unidos, Alemanha, Canadá, Itália e Coréia do Sul.
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É possível estimar quanto o setor ganha hoje com o trabalho de reciclagem e sustentabilidade? E, por outro lado, é possível calcular quanto ele deixa de ganhar por nem sempre fazer esse trabalho?
Para a indústria, reciclagem é uma substituição de matéria-prima virgem, portanto o uso e o “ganho” sempre foram atrelados aos preços das commodities. Se as commodities reduzem o valor, o mercado paga menos no material reciclado, e vice-versa. Considerando que o Brasil recicla menos de 3% do resíduo gerado, os benefícios são proporcionalmente baixos. Mas, certamente, os ganhos são muito grandes quando uma empresa resolve se dedicar de verdade a realizar sua logística reversa e começa a ser dona de sua matéria-prima, pois não precisa mais ficar vulnerável ao câmbio ou ao valor da matéria virgem.
Frente a um governo que demonstra descaso por questões ambientais, como na recente polêmica envolvendo a Amazônia, há um risco da sustentabilidade regredir no setor cervejeiro? Ou esse tema já é suficientemente amadurecido e tende a evoluir?
As questões envolvendo a Amazônia são muito mais complexas, mas não vejo qualquer relação ou risco com a evolução na sustentabilidade do setor cervejeiro – isso não tem volta. Se analisarmos, a robustez e a ousadia das metas de sustentabilidade que a Ambev se colocou em 2018 e os avanços que ela vem fazendo para atingi-las até 2025 são fantásticos! E estas metas vêm puxando concorrentes para a agenda da sustentabilidade, incentivando mais e melhores programas. Definitivamente, não tem volta.
Fonte: https://guiadacervejabr.com/entrevista-caminho-sustentavel/
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