A despeito do forte movimento feito pelo Banco Central (BC) na sua última reunião de política monetária, as expectativas de inflação continuam em um processo de deterioração e, neste início de ano, parte dos agentes de mercado já embute em seus cenários um IPCA que supera 6% ao fim do ano. Com uma taxa de câmbio acima dos R$ 6 por dólar, um cenário externo adverso para mercados emergentes e incertezas quanto à sustentabilidade das contas públicas, investidores continuam a atribuir um viés de alta à Selic, em um ambiente que pode exigir uma taxa de juros bem acima dos 14,25% já contratados pela autarquia.
 
Desde a última decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), as projeções de inflação dos agentes de mercado se elevaram de maneira expressiva. No Boletim Focus, a mediana do IPCA de 2025 saltou de 4,6% em dezembro para 5%, enquanto as estimativas para 2026 subiram de 4% para 4,05% e, para 2027, passaram de 3,58% para 3,90%. Os preços de mercado também indicaram trajetória de piora, e a inflação “implícita” extraída da NTN-B com vencimento em 2026 saltou de 6,36% no dia 11 de dezembro para 6,94% na sessão de ontem.
 
Há importantes instituições financeiras e gestoras de recursos, no entanto, que projetam cenários ainda mais negativos para a dinâmica inflacionária no Brasil. A Itaú Asset Management, por exemplo, espera uma inflação de 6,1% no fim de 2025, com uma Selic de 15,75%. O nível de IPCA para o término do ano é o mesmo projetado pela Legacy Capital. Ainda, em revisão de cenário recente, a XP passou a estimar uma inflação de 6,1%, com Selic de 15,5% ao fim do ciclo.
 
O economista-chefe da Adam Capital, Juliano Cecílio, afirma que a tendência é que o IPCA encerre o ano acima da marca dos 6%. Para ele, há uma série de defasagens no repasse dos preços, que devem sustentar a inflação em níveis pressionados, mesmo com uma desaceleração na atividade econômica, que deve ser observada a partir do segundo semestre.
“Toda a parte de aluguel residencial e da inflação de serviços responde ao mercado de trabalho com uma defasagem grande. Para nós, a inflação de serviços deve encerrar o ano mais próxima dos 7%. A inflação de bens industriais, que rodou por bastante tempo em patamares confortáveis, tem uma tendência de ficar acima dos 5%, pressionada pelo repasse do câmbio. Ainda, a alimentação deve ficar perto de 9%. Fica difícil ver uma inflação baixa quando temos os principais grupos apontando para cima”, afirma o economista.

Isso deve ocorrer, segundo Cecílio, mesmo com uma perda de força da atividade devido aos efeitos da política monetária mais apertada. “É um ano em que vamos começar a ver a atividade desaquecendo, mas não vai dar tempo de se refletir em uma inflação mais baixa. É muito longa a defasagem. Se o exterior fosse menos complicado, o câmbio poderia ajudar, já que o BC deve subir os juros. No entanto, o cenário externo é difícil e atua no sentido do câmbio seguir depreciando não só aqui, mas em diversos países.”

A Adam espera uma Selic de 15% ao fim do aperto monetário. Contudo, de acordo com o economista, a convicção na projeção é baixa, já que ainda há pouca informação para avaliar qual será a função de reação da nova diretoria do BC.

“O BC tenta fazer o que lhe cabe: sinalizar e responder com o instrumento que tem, que, basicamente, é a taxa de juros. A política monetária funciona, sempre funcionou, mas a política fiscal também funciona, e a parafiscal, idem. Isso tudo está em um contexto de cenário externo difícil. Há uma noção cada vez maior de que o Fed [o banco central dos EUA] não terá muito espaço para cortar juros e a China deve seguir em desaceleração. Não são boas notícias para o Brasil. O trabalho do BC fica bem mais difícil, por mais que ele se esforce”, afirma Cecílio.

Segundo o economista-chefe da Reag Investimentos, Marcelo Fonseca, mesmo que o BC dê continuidade ao ciclo de aperto e leve os juros a um nível próximo a 16%, a inflação irá acelerar e deve terminar 2025 sendo o dobro da meta de 3%. Para ele, não há espaço para uma redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, dado que se faz “urgente” uma “mudança profunda” no “mix” de política econômica.

“A inflação está claramente em tendência de aceleração para níveis muito altos. E essa conclusão se dá porque medidas capazes de captar a tendência dos preços, como os núcleos de inflação e os serviços subjacentes, estão rodando, na ponta, ao redor de 6% e de 8,5%, respectivamente”, diz Fonseca. Para ele, a maioria dos vetores indica que a tendência vai ser extrapolada ao longo dos próximos trimestres, com um mercado de trabalho superaquecido, salários em ritmo de crescimento acima do que a produtividade pode suportar e uma política fiscal expansionista.

“Estamos diante de uma combinação que vai onerar demais a política monetária, com consequências negativas para a dinâmica dos prêmios de risco, já que o ‘mix’ de políticas coloca a trajetória da dívida/PIB ainda mais no caminho insustentável”, afirma Fonseca, ao enfatizar que a política fiscal precisa dar um apoio mais efetivo ao controle da inflação.

A Apex Capital espera uma Selic de 15,75% em meados de 2025 e, na visão de seu economista-chefe, Alexandre Bassoli, não haverá espaço para cortes de juros nem mesmo no ano que vem. Sua projeção de IPCA neste ano está em 6,5%. “A questão central é que as expectativas de inflação acabam afetando o curso efetivo da inflação. Quando se espera que a inflação seja mais alta, a tendência é que ela virá mais alta”, diz. Para ele, a desancoragem das expectativas torna mais adversa a combinação entre o nível de preços e o crescimento da atividade econômica.

De acordo com Bassoli, o superaquecimento da economia e a forte depreciação recente do real são os dois principais fatores que explicam a piora recente do quadro inflacionário. “É importante ter em mente que o repasse [da depreciação do câmbio para a inflação] tende a ser maior exatamente quando se tem menos ociosidade na economia”, ressalta, ao citar um estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) que estima que o crescimento efetivo da economia está 4 pontos acima do potencial, o que se traduz no hiato do produto [medida de ociosidade da economia] mais positivo dos últimos 30 anos.
 
O economista entende que a piora qualitativa da inflação, que se arrasta desde o começo do segundo semestre de 2024, deve continuar em 2025, ao passo em que a maior parte do efeito da depreciação do real ainda está por vir. Diante das preocupações com o superaquecimento econômico e do câmbio, “é evidente que esse quadro inflacionário está muito relacionado à política fiscal”, afirma Bassoli.

Com uma Selic de quase 16% até o fim de 2026, conforme a projeção da Apex, medidas de redução das despesas obrigatórias serão cada vez mais necessárias para restabelecer o equilíbrio macroeconômico. “A gente gostaria que houvesse um ‘pouso suave’ da economia, mas, quanto mais tempo demorar para essa desaceleração acontecer, maior a chance de ‘pouso forçado’.”

Fonseca, da Reag, também chama atenção para o custo de financiamento da dívida. “Acho importante começar a ressaltar no debate o carregamento da dívida. É a variável mais relevante. As taxas de juros estão em níveis absurdamente altos, o que deixa elevado o custo de financiamento da dívida. Não existe nenhuma responsabilização do BC sobre isso, já que a curva de juros é determinada pela percepção de risco, que tem aumentado”, diz.

Fonte: https://valor.globo.com/financas/noticia/2025/01/14/mercado-ve-piora-da-inflacao-mesmo-com-aperto-forte-na-selic.ghtml

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