Sob inúmeros pontos de vista, a pandemia tem sido um marco de transformação na indústria do consumo. As restrições para a circulação de pessoas adotadas para conter a disseminação da covid-19 exigiram o fechamento de bares e restaurantes em todo o mundo, e isso fez com que muitas pessoas começassem a repensar os itens que põem em suas geladeiras. O resultado foi o aumento da demanda por alimentos rotulados como “orgânicos”. Agora, em um passo além nesse movimento, já se vislumbra a ascensão da “agricultura regenerativa”, que pode muito bem tornar-se o “próximo orgânico”.

Só nos Estados Unidos, as vendas de alimentos orgânicos cresceram 14,2% em 2020. No primeiro trimestre deste ano, com avanço ainda expressivo, o mercado movimentou US$ 2,2 bilhões, ou 9,3% a mais que no mesmo período do ano passado. “Em parte, o crescimento registrado na pandemia deveu-se à percepção dos consumidores de que os orgânicos são mais seguros”, diz Melanie Bartelme, analista global de alimentos da empresa de pesquisas de mercado Mintel. 

O avanço da agricultura regenerativa faz parte desse contexto, já que, em linhas gerais, o sistema tem como objetivo manter o solo o mais intacto possível (e, assim, tem paralelos com o plantio direto adotado no Brasil). Não se trata de um novo modelo. Comunidades indígenas já utilizavam algumas dessas técnicas séculos atrás. 

O sistema voltou a entrar em evidência nos EUA na década de 1980, quando o Instituto Rodale, uma entidade sem fins lucrativos, passou a defender sua adoção em larga escala. Em 2018, a organização cunhou o termo “orgânico regenerativo”, e alimentos produzidos nesse modelo passaram a ter certificação da Regenerative Organic Alliance, conjunto de práticas que amplificam as exigências já previstas na certificação de orgânicos do Departamento de Agricultura americano (USDA). 

Para uma área de cultivo ser considerada regenerativa, ela precisa alternar as chamadas grandes culturas com as de cobertura do solo, como alfafa e ervilha. As raízes são deixadas no solo quando essa cobertura é cortada ou consumida por animais de cria, que adicionam fertilizante natural ao solo. Essas culturas também ajudam a conter a aparição de ervas daninhas, permitindo que o solo retenha nutrientes que muitas vezes se esgotam com a agricultura tradicional. Adotadas em conjunto, essas técnicas permitem que se produza alimentos utilizando menos água e energia e sem fertilizantes químicos. Por reter o dióxido de carbono preso no solo, a agricultura regenerativa é também uma aliada contra a crise climática. 

Todos esses esforços encarecem a produção – afinal, os agricultores que adotam o sistema precisam limitar ou abrir mão de suas safras comerciais. A despesa extra, dizem analistas, acaba tendo que ser repassada aos consumidores. “O desafio para a agricultura regenerativa, ou para qualquer modelo de produção com mais responsabilidade social, é cobrir os custos”, diz Daniel Sumner, professor de economia agrícola da Universidade da Califórnia em Davis.

Mas há evidências de que a demanda cobriria os gastos adicionais. Segundo uma pesquisa do Institute for Business Value da IBM, quase seis de cada dez consumidores afirmam estar dispostos a mudar seus hábitos de compra para reduzir o impacto ambiental, e mais de sete em cada dez declararam que pagariam um prêmio de 35% pelas marcas que os ajudassem a fazer isso. 

O agricultor Scott Park, de 71 anos, exemplifica as mudanças. Sua empresa, a Park Organics, tem certificação orgânica desde os anos 1990 e passou a adotar técnicas de produção regenerativa em 2007, mas só em 2019 ele percebeu que o vento estava virando. Naquele ano, Matthieu Kohlmeyer, fundador da La Tourangelle, de óleos especiais, propôs que Park produzisse girassol em parte de seus 550 hectares de lavouras – e que pagaria mais se a produção fosse regenerativa. 

A Patagonia Provisions pode ser considerada uma das pioneiras nessa frente. Criada em 2013, a empresa nasceu a partir da ideia do empresário Yves Chouinard de criar, na indústria de alimentos, uma equivalente de seu grande negócio, a Patagonia, gigante do segmento de vestuário para atividades ao ar livre. 

E, para além da oferta de alimentos, a agricultura regenerativa também está no radar da indústria de bebidas. A Westland Distillery (controlada pelo grupo francês Rémy Cointreau) criou um “uísque regenerativo”, produzido a partir de cevada cultivada nesse sistema. O Colere, como foi batizado, chegará às gôndolas em 2021, mas, a contar do início do projeto, a bebida levou seis anos para maturar. 

Fonte: https://www.beefpoint.com.br/em-organicos-meta-agora-e-a-agricultura-regenerativa/

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