Após vigorar durante quatro anos, o controle cambial argentino chegou ao fim nesta quarta-feira e vai impactar o comércio com o Brasil e nos investimentos brasileiros na Argentina.
Apelidado de “cepo”, o controle foi implementado pela ex-presidente Cristina Kirchner em 2011 em meio à fuga de divisas e levou o país a reviver símbolos da hiperinflação dos anos 1980, como a figura do “arbolito” – como são chamados os cambistas parados (como árvores) nas esquinas dos pontos turísticos – e as “cuevas” (covas) – casas de câmbio disfarçadas de lojas de arte ou outras de fachada.
Na pratica, o ministro da Fazenda, Alfonso Prat-Gay, anunciou a unificação do valor do dólar – até então existiam pelo menos três cotações -, o fim dos controles para a compra da moeda americana e para as transferências de divisas de empresas para suas sedes no exterior, além da normalização dos pagamentos das importações.
“O controle cambial estava sufocando a economia argentina”, disse o ministro.
O Brasil é um dos países com os quais os importadores argentinos acumularam dívidas nos últimos tempos porque não tinham acesso a dólares para quitar os compromissos financeiros.
A mudança é uma promessa de campanha do agora presidente Maurício Macri e, por isso, já era esperada.
Mas a expectativa é de que ela provoque uma forte desvalorização do peso: o dólar oficial, que na quarta-feira estava cotado a cerca de 9,80 pesos, subiu para ao redor de 14 pesos nesta quinta, segundo cotação do Banco Nación.
Trata-se de uma depreciação de mais de 40%, levando os economistas contrários à medida a afirmar que, ao mesmo tempo em que os produtos argentinos serão “mais competitivos” em termos de exportação, deve haver “perda salarial” entre a população (ou seja, seu salário perderá poder de compra, ante o aumento nos preços de importados) e pressão inflacionária.
Cotação
Em entrevista coletiva, Prat-Gay disse que o câmbio será flutuante e com intervenções do Banco Central – como funciona no Brasil.
“O fim do controle cambial é positivo porque é o início da normalização da economia argentina”, disse à BBC Brasil o economista Matías Carugati, da consultoria Management y FIT.
“No caso do Brasil, será possível acertar, mesmo que gradualmente, as dívidas com os exportadores brasileiros. Mas a Argentina deverá viver depois destes ajustes um primeiro semestre de 2016 com recessão e queda no consumo, o que resultará na menor importação de produtos brasileiros”, agregou.
A Câmara de Importadores da República Argentina (CIRA) se baseia no dado do Banco Central que calcula a dívida dos importadores em US$ 8,1 bilhões, mas sem discriminar o quanto dela corresponde às compras feitas do Brasil.
Na opinião do economista Dante Sica, da consultoria Abeceb, de Buenos Aires, os efeitos do fim do controle cambial são “positivos” porque haverá “maior previsibilidade”. Para ele, empresas brasileiras e de outros países na Argentina poderão normalizar sua situação de caixa com suas sedes.
“O fim do controle cambial é positivo para o Brasil porque as empresas brasileiras que estão aqui poderão voltar a fazer giro para suas matrizes. Além disso, será resolvida a dívida com os exportadores brasileiros e daqui para frente os pagamentos de importações feitas pela Argentina serão normais”, opinou Sica.
Ele concordou que a desvalorização pode ter “algum impacto” sobre a inflação. “No início o governo deverá adotar medidas como controle de alguns preços, mas depois a tendência é a normalização da economia argentina.”
Já a economista Marina Dal Poggetto, da consultoria Estudio Bein e Associados, criticou a medida anunciada por Prat-Gay. “Achei muita ousadia. Com esse nível (baixo) de reservas que temos no Banco Central, abrir o mercado cambial dessa maneira pode ser arriscado”.
O Banco Central da Argentina tem em torno de US$ 24 bilhões de reservas, que encolheram sucessivamente nos últimos anos. Na entrevista, Prat-Gay informou que empresas do agronegócio deverão realizar transações que fortalecerão estas reservas.
Ele falou ainda em um acordo com a China para transformar uma operação em yuan em dólares e espera que, ao “gerar confiança”, mais dólares entrem para alimentar as reservas do BC.
Controle
A economista Dal Poggetto foi cautelosa. “Existem dólares para este início do fim do controle cambial, mas não sabemos depois. Além disso, os sindicatos vão naturalmente pedir uma reposição salarial de acordo com esse nível de desvalorização. Ainda veremos muitos capítulos a partir desta decisão (do ministro da Economia)”.
Nesta semana, o governo Macri anunciou ainda duas outras medidas que têm efeito direto na relação comercial entre Brasil e Argentina: o fim da barreira comercial chamada ‘DJAI’ – ela já tinha sido condenada pela Organização Mundial de Comércio – e o fim do imposto de exportação para o trigo.
A DJAI, uma medida burocrática e acusada de ser pouco transparente, paralisava as importações argentinas, segundo empresários brasileiros e locais. O governo argentino continuará controlando algumas importações com outro mecanismo, chamado licença não-automática, que no passado gerou disputas comerciais entre os dois países, mas que é permitido pelas regras internacionais, segundo especialistas.
No caso do trigo, a produção e a exportação tinham caído na Argentina e o Brasil, principal importador do grão argentino, tinha passado a buscar outros mercados. Na ocasião que o governo argentino anunciou o imposto para o trigo, uma alta fonte do governo brasileiro disse: “A Argentina acaba de dar um tiro no pé porque teremos que buscar outros mercados”.
Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/12/151210_cambio_argentina_mc_lk
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