Foi-se o tempo em que sinônimo de elegância era exalar por aí essências conhecidas por suas filiações a marcas poderosas e internacionalmente conhecidas. Não que clássicos como Bvlgari, Gucci, Armani e outros do mesmo patamar tenham perdido sua importância no mercado perfumista, mas é inegável que venham dando espaço para a difusão de um recente fenômeno cosmético: a perfumaria de nicho. “Ela nasceu do desejo de alguns profissionais da área em fazerem produtos autorais e artesanais, em que a matéria-prima e o criador estão no centro do processo criativo, são o foco principal de um perfume”, define Alessandra Tucci, sócia-fundadora da Perfumaria Paralela, empresa de estratégia e inovação neste ramo. Trata-se de um movimento moderno, independente e alternativo, não associado a grandes grupos e que se apresenta como uma oferta diferenciada frente aos “famosões”, em que os profissionais trabalham sem, por exemplo, limites de custo para a formulação. “A preocupação das grandes marcas hoje é como estar dentro de um certo valor financeiro para o lançamento de um novo perfume e isto restringe drasticamente a liberdade do perfumista, que acaba tendo que escolher materiais baratos e deixa até de usar ingredientes originais. Entre outros fatores, a perfumaria de nicho e destaca por não ser restritiva neste sentido”, explica Renata Ashcar, especialista em perfumes.
História
No período da Renascença, grandes nomes da realeza tinham perfumistas exclusivos para chamarem de seus. Com a descoberta das Américas e as viagens à Índia, novas matérias primas eram descobertas e acrescentadas à gama desses profissionais como cacau, baunilha e benjoim. Por volta de 1700, o surgimento da água de colônia foi uma revolução na perfumaria e no final do século 19, começavam a surgir os importantes nomes como Houbigant, Lubin, Coty e Guerlain que, encantados com a química que começava a sintetizar diversos ingredientes, foram responsáveis pela criação de clássicos como Jicky de Guerlain, em 1889. No século 20, Coco Chanel seria uma das primeiras estilistas a ingressar na perfumaria com seu clássico Nº 5 e, depois dela, praticamente todos os nomes da moda fizeram suas bem sucedidas entradas no segmento. “Como consequência disso, já no final do século 20, o mundo ficou pequeno para tantas marcas e perfumes. A distribuição se alastrou pelo globo e outro fenômeno foram todas artistas do cinema e da música que lançaram sua própria assinatura olfativa. Na virada do século era quase impossível se diferenciar ´olfativamente falando’. Acho que neste momento podemos identificar o nascimento da perfumaria de nicho, como uma busca às origens, uma forma de se destacar de forma original, e ganhou legitimidade quando as marcas destinadas a perfumaria de grande distribuição tornaram-se menos ‘sagradas’, perdendo parte de seu charme e apelo e motivando assim o consumidor a buscar novos caminhos em marcas mais exclusivas e diferenciadas”, explica Renata.
Diferenciais
Além desta desfiliação de grandes marcas, os perfumes de nicho têm em sua lista de diferenciais embalagens únicas e com design muitas vezes bastante simples (afinal, a grande estrela é a fragrância) e o alto valor dado a ingredientes nobres de alta qualidade. Fica até difícil listar, já que quase nunca se repetem e são difíceis de encontrar. Perfumistas próprios que dão identidade à casa que os fabrica também são destaque frente a produção, pois essa exige conhecimento profundo, experiência e, de certa maneira, já se apresenta ao mercado com certa tradição: “Chamamos essa turma de narizes artísticos, pois tratam a fragrância como uma obra de arte, sem se preocupar com o quanto ela vale ou vai vender, fazem as fragrâncias porque as querem criar, simplesmente. São profissionais com aprimoramento e berço olfativo, que vão atrás de liberdade poética e não do reconhecimento comercial. Eles já vivenciaram a perfumaria, mesmo sendo novos, há muitos deles com família ligadas à essa arte”, conta Andreia Miron, professora do curso Perfume: História e Cultura, oferecido pelo Núcleo de Cultura e Beleza da FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo.
Quem compra?
É claro que tamanha exclusividade tem um preço, às vezes alto. Mas nem sempre. “Quando o assunto são as perfumarias de nicho, podemos afirmar que dá para pagar pouco sim. Trata-se não de uma inacessibilidade financeira, mas de cultura”, diz Andreia. Chandler Burr, jornalista norte-americano, ex-colunista de perfumes do New York Times (leia aqui suas colunas publicadas pelo UOL) e curador de arte olfativa do Museu de Artes e Design, diz que as pessoas mais interessadas em perfumes de nicho “são mais interessadas na arte dos perfumes, não precisam reforçar suas inseguranças consumindo produtos caros e gostam de descobrir experiências, empurrar seus próprios limites vivenciais e estéticos”. Os consumidores da perfumaria de nicho tem um lifestyle criativo e intelectual, veem elegância na descrição e não acham necessário se posicionar socialmente. Ou seja, não precisa ser caro, depende da capacidade de cada consumidor em querer sair do comum, buscar essas casas pouco conhecidas e não usar o que outras pessoas também usam, em larga escala, porque não querem ser mais um. “Perfume é perfume. Categorias como a de nicho existem justamente porque os consumidores buscam coisas diferentes. Diretores e patronos destas casas tão exclusivas são artistas que têm um enorme espaço para arriscar e levar a perfumaria a novos patamares”, completa Chandler. Em algumas dessas casas, é possível não só comprar fragrâncias conceituais como encomendar criações personalizadas.
Além dos perfumes
Comumente situadas ou criadas em território mercado europeu, essas casas de fragrâncias de nicho são norteadas pela criatividade. Perfumes são seus itens mais importantes, mas velas, produtos para ambientes e cuidados com o corpo também podem ser encontrados. “Para eles, o céu é o limite, este é um manifesto contra a uniformização da perfumaria! Até mesmo bolhas de sabão para festas já encontrei em uma loja de Paris”, conta Renata.
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