Maison francesa utiliza seus perfumes como cartão de visitas no mercado de luxo brasileiro e inspira outras grifes europeias a seguirem seu rastro
Diariamente, às 8h30 em ponto, o executivo francês Jean-Claude Ellena repete a mesma rotina de trabalho há mais de cinco décadas. Com vistas para a Côte d’Azur, em sua casa na cidade litorânea de Antibes, no sul da França, ele elabora fórmulas exclusivas para as melhores perfumarias do mundo. Atualmente, aos 66 anos, Ellena tem um emprego de causar inveja: o de perfumista da Hermès, uma das maiores e mais importantes maisons do mercado de luxo mundial, com receita anual de € 3,5 bilhões. O executivo tem carta branca da matriz, em Paris, para ousar nas suas criações – mais orçamento irrestrito e autorização permanente para viagens inspiradoras.
Tanto investimento por parte de uma marca famosa por bolsas e acessórios se justifica. “A cada dois itens vendidos pela Hermès, um é perfume”, afirma Ellena, que já passou pela Bulgari e pela Van Cleef & Arpels. Recentemente, Ellena esteve no Brasil para o lançamento do cobiçado Épice Marine – cujo frasco de 100 ml custa R$ 825 nas boas casas do ramo. Trata-se da primeira vez que o perfumista vem ao País e a sua presença diz muito sobre os planos da marca por aqui. “Sei que o Brasil é gigante no consumo de fragrâncias, mas são de marcas mais populares, como Natura e O Boticário”, diz Ellena, numa demonstração de que está atualizado sobre a concorrência no mercado nacional.
“Acredito que os brasileiros querem evoluir na perfumaria e, por isso, desejamos conquistá-los.” Para seduzir o consumidor local, Ellena aposta na tradição e na exclusividade, marcas registradas da grife francesa. Segundo ele, quando o assunto é fragrâncias, a Hermès não segue tendências, não faz pesquisas de mercado nem investe milhões de euros em ações publicitárias. Romântico, o executivo diz que seus perfumes contam uma história e chega a compará-los com a literatura. O Épice Marine, por exemplo, relata o encontro de dois amigos (ele e o renomado chef francês Olivier Roellinger) em Cancale, na região da Bretanha, no oeste da França.
Lá, o perfumista teve a ideia de criar uma fragrância com os aromas típicos de Saint-Malo, uma cidade portuária próxima da cidade de Roellinger, que no século 15 costumava receber navios carregados de especiarias vindas da Índia. O resultado é um perfume com personalidade marcante, que mistura aromas marítimos e temperos, como o cominho torrado. A atração pelo mercado brasileiro, que movimenta R$ 5,4 bilhões por ano e lidera o ranking mundial de consumo de perfumes, segundo a Abihpec, a associação do setor, não é uma exclusividade da Hermès. Outras grifes renomadas, como a italiana Fendi, seguem o mesmo caminho.
No fim do ano passado, a Fendi enviou ao Brasil ninguém menos que Isabelle Agex, que comanda seus negócios de fragrâncias em nível internacional, para o lançamento do L’Acquarossa (R$ 335, 75 ml). A expectativa de Isabelle, que aproveitou a viagem para conhecer um pouco do mercado nacional, é fazer com que a L’Acquarossa, que figura entre as top 15 da Argentina, se torne uma das 20 marcas mais vendidas por aqui. Há apenas quatro anos no mercado de perfumaria, a Fendi espera uma boa recepção por parte dos brasileiros. A semelhança com os consumidores italianos, o apetite para o luxo e, é claro, o hábito nacional de se perfumar deixam os executivos da grife otimistas.
Se depender da experiência do Brasil no Exterior, a marca deve prosperar no País. “O brasileiro é o público que mais compra o L’Acquarossa na Sephora da Champs-Élysées, um dos principais pontos de venda de perfumes da Europa”, diz Nádia Léauté, gerente de marketing da grife. Ainda assim, o País é somente o terceiro maior consumidor da América Latina para a Fendi Parfums, atrás do México e da Argentina, respectivamente. Para Andreia Miron, professora do núcleo de cultura e beleza da Faap, isso acontece porque, apesar de o País ser o maior consumidor de fragrâncias do mundo, apenas 5% das vendas são de marcas internacionais.
Andreia afirma que o cenário deve mudar daqui para a frente, com um mercado de luxo que fatura cerca de R$ 21 bilhões por ano, de acordo com a consultoria MCF. “O Brasil ainda é novo no setor e está se familiarizando com as grifes estrangeiras”, diz Andreia. Ela acredita também que há uma cultura olfativa se formando no País por causa da internet. “Estamos entrando na era do sensorial, já que cada vez menos as pessoas têm contato com as outras”, afirma. “Com isso, a memória olfativa passa a ser mais valorizada.”afirma.
NTERESSE ESTRATÉGICO – As grifes de luxo têm um interesse estratégico na expansão da perfumaria: as fragrâncias alavancam suas receitas, uma vez que servem como porta de entrada para novos consumidores de outros itens de seu portfólio. Só no ano passado, o segmento de perfumes e cosméticos da LVMH Moët Hennessy Louis Vuitton, a holding que controla a Fendi, representou 13% de seu faturamento total. Distribuidoras brasileiras também têm se beneficiado do interesse nacional pelo produto, apesar das altas taxas de importação. Para a RR Perfumes e Cosméticos, uma das mais importantes no País com Dolce & Gabbana e Gucci no portfólio, o maior vilão é o Imposto Sobre Produto Industrializado (IPI), que pode chegar a 42%.
“Ainda assim é um setor que não para de crescer”, diz Fabíola Aguiar, gerente de marketing. “Toda mulher sonha em ter algum produto das grifes de luxo e, quando não pode comprar, tem nos cosméticos e perfumes a possibilidade de entrar nesse universo, um pouco que seja.” O raciocínio é quase sempre o mesmo. Se uma cliente não consegue comprar uma bolsa Birkin, ícone da Hermès, que custa a partir de R$ 30 mil, pode muito bem adquirir um perfume da grife, mesmo que seja em algumas parcelas no crediário. “Por isso, todo esse cuidado na criação dos perfumes”, afirma Ellena. Ele diz que costuma usar cerca de 200 elementos nas fragrâncias, enquanto as outras marcas usam mais de mil. “Os perfumes precisam mostrar a personalidade da Hermès e essa exclusividade é o diferencial, é a cara da maison.”
Fonte:http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/138570_A+FRAGRANCIA+DO+SUCESSO+DA+HERMES
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