Tributação, matéria-prima, cadeia de suprimentos e investimento em marketing são principais desafios para a expansão dos negócios do segmento “clean beauty”, segundo empresários brasileiros
Os números das empresas do segmento de “clean beauty” (beleza limpa, da tradução em inglês) apresentam crescimento exponencial no Brasil. Na esteira dos cuidados com a saúde, impulsionados pela pandemia, e da maior consciência dos consumidores em eliminar os ingredientes “ruins” da rotina e que ajudam a fazer “o bem” para o meio-ambiente.
Tanto as empresárias quanto os especialistas ouvidos pelo CNN Brasil Business concordam que, apesar do movimento de beleza natural já existir, esses últimos dois anos de pandemia reforçaram essas questões ao consumidor.
A ideia desse mercado é rejeitar os produtos sintéticos geralmente encontrados nos produtos cosméticos, e substituí-los com ingredientes naturais, veganos e orgânicos, extraídos de forma sustentável da natureza.
Apesar das vendas do segmento de beleza brasileiro ter recuado 2,8% no ano passado, de acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abiphec), esse não foi necessariamente o caso quando olhamos para esses produtos.
Não existem dados de quanto essa indústria movimenta no Brasil atualmente. Mas, levantamento de 2021 feito pela Nielsen mostram que os produtos considerados limpos (aqueles que são livres de parabenos, sulfatos, ftalatos, corantes e fragrâncias artificiais, +600 outros ingredientes) movimentaram US$ 406 milhões nos Estados Unidos —crescimento de 8,1%.
Isso é bem mais que o mercado total de beleza e cuidados pessoais, que cresceu apenas 2% junto aos consumidores norte-americanos.
O levantamento também mostra que os consumidores estão investindo cada vez mais em tendências de beleza sustentável. Segundo os entrevistados, os atributos mais importantes para aqueles que compram produtos de beleza e cuidados pessoais são aqueles que usam ingredientes naturais (40,2%), respeitam o meio-ambiente (17,6%) e usam produtos reutilizáveis e embalagens recicláveis (7,9% e 15,8%, respectivamente).
Segundo a Abiphec, os consumidores estão mais críticos tanto quanto ao modelo de atuação das empresas, como aos produtos ofertados por elas, a forma que são produzidos, quais ingredientes são utilizados e como são embalados. “A forma como as pessoas buscam os produtos para uso pessoal e autocuidado está mudando e há um aumento do engajamento nas escolhas que priorizam a saúde do corpo e do planeta”, informa a associação em nota.
Aqui no Brasil, empresas que trabalham no segmento relatam salto de crescimento em 2020 e 2021, e têm planos para expandir os negócios neste ano. É o caso da Simple Organic, empresa de cosméticos naturais, veganos e orgânicos fundada por Patrícia Lima.
Lançada na São Paulo Fashion Week em 2017, a marca nasce com a experiência da publicitária com a maternidade. “Comecei a questionar muito o que eu estava deixando para ela como mãe, como legado. Eu via que eu estava fazendo parte de um mercado que era de descarte”, explica Patrícia, que trabalhava com moda antes de abrir a empresa.
Quatro anos depois do lançamento, a marca foi comprada pela Hypera, a maior empresa farmacêutica do país. Ao todo, a Simple Organic recebeu 16 propostas de compra.
Ainda em 2021, a Simple cresceu 300% nos canais digitais e o faturamento somou R$ 34 milhões. Para este ano, a companhia projeta aumento de mais 150% no e-commerce, além das 27 lojas físicas no país.
Fundada em 2018 por Patrícia Camargo e Luciana Navarro, a Care Natural Beauty também tem colhido resultados animadores.
A desilusão de uma das empreendedoras com o mercado cosmético tradicional somada ao processo de quimioterapia da outra, que não permitia o uso de produtos convencionais, transformaram a marca no que é hoje.
A Care cresceu 310% de 2020 para 2021, e de 300% de 2021 para 2022. Em fevereiro deste ano, a empresa ainda recebeu uma segunda rodada de investimentos.
Segundo a Abiphec, a digitalização dos negócios foi exponencial durante a pandemia e contribuiu para o segmento. “Muitas empresas investiram em inovação e aplicação de tecnologia, criaram e-commerces, entraram em marketplace, viabilizaram compras por aplicativos de mensagens, criaram aplicativos customizados para experimentação de produtos e reforçaram a comunicação de suas marcas, via redes sociais”.
É o caso da Quintal Dermocosméticos, primeira empresa de Clean Beauty brasileira a estrear na Sephora, rede mundial de lojas de cosméticos. Apesar de seu foco inicial ter sido com vendas físicas, em 2020, cerca de 70% do faturamento da marca aconteceu por meios digitais.
Na Care Natural Beauty, que nasceu com o modelo de negócios voltado ao digital, o site responde por mais de 90% do faturamento da empresa.
Luciana Navarro avalia que o momento ampliou o olhar das pessoas para o autocuidado e saúde. “Indiretamente, provocou pessoas a pensarem no que elas estão consumindo, como estão consumindo e de quem estão consumindo. Quem são essas marcas que o consumidor está financiando através da sua compra?”, ressalta.
De acordo com Patrícia Lima, essa tendência não foi apenas do consumidor, mas também do investidor. Por enquanto, a Hypera é uma das únicas empresa de capital aberto no ramo de cosméticos presente na Bolsa de Valores brasileira. Mas Lima acredita que esse cenário pode mudar, dado o interesse dos investidores em sua marca no ano passado.
Isso se encaixa nas práticas ESG (Ambiental, Social e Governança, em inglês), avaliadas por especialistas consultados pela CNN Brasil como uma tendência em 2022. O investimento em empresas que olhem para fatores ambientais, sociais e éticos, princípios de empresas como Simple, Care e Quintal, estão começando a ditar as regras para o mercado tradicional.
“A gente está criando, na verdade, um uma pressão na indústria convencional”, diz Patricia Camargo.
Made in Brazil
Para as marcas de clean beauty brasileiras, o futuro está traçado em quatro pilares: ominchannel, internacionalização, democratização e biotecnologia.
As marcas se fortaleceram e criaram uma base fiel de consumidores por meio das suas vendas online. Este ano, com a retomada das atividades presenciais e fim das restrições sanitárias, o capital e crescimento serão utilizados na expansão do omnichannel (ou seja, investimento em ambas as plataformas física e digital, buscando maior ressonância com ambas).
O foco, contudo, será especialmente nas lojas físicas, com a criação de mais pontos de venda próprios, como no caso da Simple, que planeja adicionar lojas aos seus 27 pontos de venda existentes.
A internacionalização é uma ambição das três marcas entrevistadas, especialmente porque estão buscando surfar na onda do BBeauty (beleza brasileira, da sigla em inglês). O aumento da demanda no mercado internacional por produtos nacionais não passou despercebido pelas marcas.
Além disso, a democratização é um ponto importante para o futuro das marcas. Além de buscarem espaços populares onde possam expandir os nichos de compra, essa operação pode resultar em uma diminuição dos preços.
Lima explica que os cosméticos naturais ficam na média e até abaixo dos valores de dermocosméticos consolidados. Para diminuir ainda mais esses preços, a escalabilidade é um fator importante, porque permite estabelecer parcerias em maior escala com fornecedores e parceiros que atuem em todas as etapas do produto, especialmente no descarte e reutilização de embalagens.
Essa equação, segundo os empreendedores do setor, seria atingida pela biotecnologia, que envolve reproduzir moléculas naturais de maneira artificial.
“A beleza limpa tem um teto, a gente não pode tirar tudo na natureza. Só que a gente vem para um movimento de tecnologia muito grande nos nossos próximos lançamentos de produto, onde você tira [matérias primas da natureza] e reproduz ela em laboratório”, explica Lima.
Luciana e Patricia, da Care, afirmam que o segmento de biotecnologia também cresce. “A gente entende que é por esse caminho que conseguiremos chegar a preços que sejam interessantes para o consumidor”, finaliza Camargo.
Desafios
Não se engane: existe uma diferença entre clean beauty e produtos artesanais ou “naturebas”.
Enquanto o último é feito de maneira rústica, com ingredientes encontrados na cozinha de casa, existe uma quantidade significativa de tecnologia que envolve a produção de cosméticos que recaem sob a primeira categoria.
E esse processo, no Brasil, não é simples. Para um empreendedor que está buscando lançar uma marca focada em práticas ESG e com ingredientes limpos, há vários requisitos a cumprir.
A primeira questão gira em torno da tributação que incide sobre o setor de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos.
“Para se ter uma ideia, mesmo sendo um setor essencial para a economia e para a sociedade, nós somos o terceiro setor mais tributado do país, o que gera não só desafios em busca de resultados financeiros positivos, como muita complexidade para as empresas, especialmente as micro, pequenas e médias”, afirma a Abiphec.
Além disso, há a competição com marcas tradicionais, que não necessariamente seguem os padrões de ingredientes orgânicos, naturais e veganos. “Essa é uma das primeiras dificuldades, você competir com grandes empresas do setor. Gente que já está consolidada há muito tempo. Mas que não necessariamente são naturais: aí é onde entra a brecha de você ter uma marca com esse foco”, conta Giulio Peron, fundador da Quintal Dermocosméticos.
O segundo ponto é a matéria-prima. O primeiro desafio é, de fato, consegui-las. “No país, não há incentivo para esses produtores. Muita matéria-prima de qualidade incrível brasileira vai lá para fora, e a gente, por mais surreal que seja, acaba precisando importar coisas que são de origem brasileira”, desabafa Luciana.
Apesar de o Brasil ter vasta biodiversidade, o ingrediente, por si só, não é o suficiente para transformá-lo em princípio ativo de algum produto. Depois de conseguir a matéria prima, muitas vezes, é necessário importar tecnologia para conseguir transformá-la em um produto.
“A indústria de ativos é uma coisa que o Brasil não possui tanto. Por isso, que você vai ver marcas naturais trazendo fórmulas muito simplificadas para manter bandeira do natural”, complementa Giulio.
A cadeia de suprimentos também é desafiadora. É preciso encontrar fornecedores que estejam em consonância com a proposta de sustentabilidade das marcas. “A gente pensa na criação do produto como um todo, em toda a cadeia de insumo, as embalagens, o rótulo que vai ser impresso com uma tinta que é biodegradável…”, explica Luciana. Desde a produção até o descarte, as marcas prestam atenção aos mínimos detalhes do produto.
Por fim, a divulgação e marketing são os desafios finais, em um mercado que já está saturado, de acordo com Giulio.
Patrícia, da Simple, também ressalta que o Green Washing —prática de falsa sustentabilidade— está cada vez mais comum. Por meio de campanhas de marketing agressivas e divulgações institucionais, marcas que não necessariamente são veganas, orgânicas e naturais podem vender produtos com essa premissa ao consumidor.
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