Se o segmento de beleza tem sido um dos mais dinâmicos, atrevidos e inovadores do mercado, boa parte da culpa é da presença das marcas independentes, que crescem em volume e relevância a cada temporada. O aumento das iniciativas de empreendedorismo autônomo são uma resposta aos desejos contemporâneos do consumidor de cosméticos.
A busca por personalização, propósito, assinatura, experiência digital, conhecimento de origem, sustentabilidade, diversidade e tantos outros aspectos que refletem os tempos atuais tornou-se definitiva na decisão de compra, e as marcas indie passaram a preencher com louvor a maioria desses requisitos.
Pelas diretrizes de mercado, uma empresa é considerada independente quando é administrada diretamente por seus fundadores, sem a participação de grandes grupos, e assume modelos de gestão inovadores. Mas não só.
Para além da qualidade do produto, o poder de conexão, o valor da representatividade, a história por trás do cosmético e o respeito ao meio ambiente são prerrogativas essenciais nessas iniciativas, que ainda ajudam a definir seus perfis.
É o que demonstra um estudo da Factor Kline, empresa de consultoria e inteligência de negócios, que aponta que 86% das iniciativas consideradas independentes no Brasil têm portfólio vegano.
A mesma pesquisa revela que 90% dos projetos foram criados a partir de 2015. Ou seja, é um movimento recente, que já nasceu com o olhar alinhado às expectativas do consumidor atual (prioritariamente das gerações Y e Z) e que, ainda, por tamanho e formato, tem capacidade de se autogerir e se adaptar instantaneamente.
Uma nova prática de uma instituição autônoma adotada do dia para a noite, por exemplo, pode levar meses de projetos e adaptações em uma empresa hierárquica e estruturalmente mais complexa. Essa agilidade foi o ponto de inflexão que garantiu que o setor independente se mantivesse, e até crescesse, durante a pandemia. Ao longo de 2020 foram registradas na Associação Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) 205 novas empresas na área de higiene e beleza no país.
Mas, além dos benefícios da fluidez de processos, a mudança de postura e a reavaliação de valores durante o isolamento social afetaram o perfil de consumo, ajudando a impulsionar a busca por empreendimentos com propósito.
“Sentimos uma mudança em relação ao tipo de consumo. As pessoas ficaram mais sedentas por compras conscientes ”, avalia Fernanda Ferri Viesi, sócia da empresa de cosméticos naturais e orgânicos Almanati, ao lado da mãe, Zezé Viesi.
“Podemos até dizer que as marcas com propósito tomaram a frente na construção de um ‘novo luxo’.” Fernanda Ferri Viesi
Ainda assim, as dificuldades dessa fase desafiadora seguem causando instabilidade nos negócios. “A pandemia de covid-19 trouxe novos contornos para o mercado brasileiro de cosméticos, impactando as indie brands de forma não linear. Algumas viram seu crescimento acelerar. Outras minguaram ou fecharam as portas. Algumas foram vendidas”, relata Sérgio Rebelo, diretor da Factor Kline.
Ele garante que o faturamento aumentou, em média, 60% nos últimos dois anos. Em 2019, o rendimento das cem empresas indie de maior relevância ficou em torno de R$ 400 milhões. Para 2021, a previsão, levando em consideração o aumento de preço dos produtos, deve ficar entre R$ 550 e R$ 600 milhões, segundo Sérgio.
Um fato que merece atenção é que, desse ranking de empresas, 90% do capital investido é dos próprios fundadores, com apenas 10% de investidores externos na estrutura financeira do negócio.
Vida em comunidade
Estabelecer um canal direto de comunicação com seus consumidores é uma das iniciativas mais desafiadoras para quem vai lançar um novo produto, mas nem tanto para quem já tem seu público. Influenciadoras digitais, baseando estratégias em seu poder de recomendação, têm lançado projetos de beleza com suas assinaturas de maneira assertiva.
Diferentemente de quem estabelece parcerias com empresas consolidadas, criadoras de conteúdo como Camila Coutinho, Bruna Tavares, Marina Smith e Mica Rocha bancaram suas próprias criações e transformaram instantaneamente seus seguidores em consumidores.
A existência de uma persona assinando um produto estreita relações. Mas, mesmo sem essa figura, a intimidade com o público é possível. Um estudo do instituto de pesquisa Euromonitor aponta que “ouvir o consumidor, ser flexível e explorar oportunidades de maneira livre” são decisivos para enfrentar a realidade pós-2020. A habilidade em estabelecer diálogo, com participações diretas e decisões compartilhadas, também cria uma conexão de influência.
“O aspecto principal é a construção de uma comunidade e não mais a separação entre empresa e consumidor, como ocorre nos grandes grupos”,
afirma Patrícia Lima, fundadora da Simple Organic, criada em 2016 e a primeira brasileira a ter um produto premiado na prestigiada Indie Beauty Expo, em 2017, em Los Angeles, nos Estados Unidos.
“É a reunião de pessoas com os mesmos ideais e vontades, seja uma necessidade de skincare, seja um produto que represente impacto social e ambiental positivo.” Patrícia Lima
As questões comportamentais são definitivas para garantir esse cenário. Mas as possibilidades do ambiente digital são o caminho para fazer os negócios acontecerem, já que o acesso ao comércio formal é restrito e excludente.
Independentes no conceito, essas empresas também mantêm autonomia de vendas e marketing. Mas, por mais democrática que pareça a internet, nem todas conseguem estabelecer uma estrutura possível para chegar ao público final em volumes satisfatórios.
Para possibilitar conexões e criar uma rede consistente, algumas iniciativas são fundamentais, como é o caso da recém-criada Belong Be, marketplace exclusivo de iniciativas independentes brasileiras e com compromisso cruelty free. O espaço virtual reúne produtos de diferentes perfis apoiado na expertise de cinco sócias: Simone Sanco, executiva de marketing digital, Amanda Coelho, diretora da indústria Alva Cosméticos, Cíntia Ferreira, expert em tecnologia de marketing empresarial, e as maquiadoras e empresárias Daniele Da Mata e Bruna Tavares.
“O mercado brasileiro não é receptivo para marcas indie, e a concorrência com os grandes grupos é sempre desproporcional. A gente quer dar palco para elas. Muitas não têm nem site”, conta Amanda.
“O projeto foi criado com base nas dores que percebemos do mercado, de ver tantas ideias incríveis tentando se encaixar em tão poucos espaços, chegando às mesas de negociação com as multimarcas sempre em desvantagem”, completa, revelando que a plataforma foi planejada para ser lançada com 20 parceiros, estreou com 52 e deve dobrar esse número até o fim do ano.
Da Mata, que também presta consultoria e desenvolve produtos para companhias de diferentes perfis, viu o movimento indie se tornar gigante, muitas vezes, a partir de iniciativas bem pequenas.
“Fiquei animada com esse projeto porque é uma oportunidade de suprir carências que eu sempre percebi, com a possibilidade de dar visibilidade para iniciativas menores que, juntas, vão ganhar relevância. Também assumi um compromisso pessoal de trazer afroempreendedores. A Negra Rosa, por exemplo, tem uma das melhores linhas de maquiagem do mercado e você quase não encontra. A Josi Helena, da Negra Vaidosa, teve uma sacada incrível, de criar produtos para proteger o couro cabeludo durante o uso de tranças, dreads e laces. Quis muito que esses produtos estivessem com a gente”, conta.
A quantidade de lançamentos é tão grande e tão pulverizada que nem mesmo o mais dedicado dos beauty lovers consegue conhecer tudo. E é por isso que um dos grandes serviços prestados pela Belong Be é o de derrubar as barreiras que estão entre os projetos autônomos e o consumidor final.
“O mercado brasileiro é muito difícil de operar, dominado por big players que concentram 90% dele. E então a concorrência fica assim: você com o seu batom, que representa uma história linda da sua vida, da sua família, versus uma multinacional que move milhões, que negocia posição na gôndola, que ativa outros canais. No comércio eletrônico então, que não tem prateleiras, se você não estiver no banner, ninguém vai te encontrar. A nossa intenção é a de que as marcas estejam como iguais. Buscamos um modelo para criar uma concorrência colaborativa”, pontua Simone.
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